Mato Grosso do Sul tem, desde o fim de outubro de 2023, um novo coordenador à frente do Dsei/MS (Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Trata-se de Lindomar Terena, nomeado pela ministra da Saúde, Nísia Trindade. Liderança oriunda de Anastácio, município distante 137,8 quilômetros de Campo Grande, Lindomar nomeou ao O Jacaré as prioridades e desafios da gestão.
Para exercer o cargo, vai utilizar a experiência que acumula como liderança à frente do Conselho do Povo Terena, em parceria com o conselho Guarani Caiuá, a Aty Guassu. Lindomar esteve à frente da luta pela demarcação do território do nosso povo em Mato Grosso do Sul e no País. Também já foi diretor executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e esteve compondo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) como membro para discutir prioridades e alternativas para que pudéssemos avançar no processo de demarcação de terras no Estado.
Leia também:
Líder indígena assume cargo em ministério e MS tem cinco representantes no governo Lula
Inspirada no STF, juíza vê preconceito contra índio e suspende nomeação de capitão na Funai
PT deve ficar com órgãos da área social, enquanto aliados vão comandar o filé mignon em MS
Foi por meio de Lindomar Terena que a voz dos povos originários brasileiros ecoou na ONU (Organização das Nações Unidas), onde teve a oportunidade de fazer duas falas, cujo resultado foi o direcionamento do olhar internacional para a comunidade Guarani-Caiuá. Além de representar a Articulação dos Povos Indígenas na ONU, Lindomar passou a atuar como assessor parlamentar do deputado estadual Pedro Kemp (PT), tendo, ainda, trabalhado como diretor de políticas públicas do políticas públicas do Ministério dos Povos Indígenas, em Brasília (DF). Por conta do último cargo, passou a ser acompanhado pelo governo federal por meio do programa de defesa de lideranças. Confira a entrevista.
O Jacaré – Qual é a sua prioridade de trabalho a partir de agora?
Lindomar Terena – Acho que a prioridade hoje, é dar um choque de gestão ao Dsei. Dar novo ânimo à equipe de profissionais e colaboradores, para que toda a ação reflita na base. Uma das forças-tarefas que teremos está centrada em ouvir toda a área técnica e detectar o que é “para ontem” e o que pode aguardar. Um dos gargalos é o saneamento básico. Muitas comunidades enfrentam a falta d’água e as que consomem água contaminada.
O Jacaré – Para atender a estas demandas, o orçamento do Dsei é suficiente? Está alinhado às necessidades das comunidades locais?
Lindomar Terena – Hoje não é suficiente o orçamento para a implementação da saúde indígena em Mato Grosso do Sul. A proposta, agora, é acionarmos a bancada federal, deputados e senadores, para conseguirmos um montante razoável para complementar o orçamento do Distrito Especial. Esse orçamento seria para construção de postos de saúde novos, reformas dos que necessitam, ampliação de rede e perfuração de poços dentro de nossas comunidades.
O Jacaré – Quais são as suas expectativas em relação ao trabalho que se faz necessário nas aldeias sul-mato-grossenses?
Lindomar Terena – Esperamos contribuir com as organizações indígenas e dar voz às organizações e às lideranças, à bancada de vereadores. Queremos fazer incidência junto ao governo federal para que consiga avançar e trazer soluções para um grave problema em Mato Grosso do Sul, que é a falta de vontade política para fazer demarcações dos territórios dos povos indígenas.
Acho que o Dsei atuará dentro dos 35 municípios que têm comunidades indígenas para que possamos fazer um grande termo de cooperação técnica para entregarmos às populações indígenas uma saúde de melhor qualidade. É um desafio que está posto.
Vamos acionar as prefeituras que têm comunidades indígenas. A meta é garantir a atenção primária e, fazer com que os municípios e que, a partir do momento em que os indígenas saem das comunidades, sejam repassados para o SUS (Sistema Único de Saúde). Com todos, municípios, estado e governo federal cumprindo seu papel, a tendência é ganhar.
O Jacaré – E como fica a questão do saneamento?
Lindomar Terena – Esse será também um desafio do Dsei Campo Grande: operacionalizar, fazer com que o saneamento básico possa ser sanado. Para isso, vamos usar o apoio da bancada estadual, federal, governo do estado, do município, da Sesai -DF (Secretaria de Saúde Indígena do Distrito Federal) e do Ministério dos Povos Indígenas para anunciar um aporte para que consiga perfurar poços artesianos para atender à comunidade, que é tão carente.
O Jacaré – O atual quadro de servidores do Dsei é suficiente para atender à demanda técnica de projetos relacionados à solução da oferta de água potável para as comunidades?
Lindomar Terena – O quadro de servidores está totalmente defasado. Temos apenas três engenheiros trabalhando para os projetos para todo Mato Grosso do Sul. Também temos uma equipe comprometida, que vai, com o decorrer dos dias, procurando fazer um termo de cooperação técnica com os municípios que têm comunidades indígenas, sob a coordenação do Sesai, fazer projetos que sejam realidade para as nossas comunidades indígenas.
O Jacaré – Entre os problemas que afligem a comunidade indígena sul-mato-grossense está a dificuldade de acesso a alguns lugares e a escassez de transporte. Isso está solucionado?
Lindomar Terena – Em 2016, quando assumimos o Dsei em Campo Grande, tínhamos um grave problema, que era o transporte. Tínhamos 34 viaturas distribuídas em 14 pólo-base para Mato Grosso do Sul. Automaticamente, cada polo tinha dois ou três carros para atender até quatro equipes multidisciplinares. Muitas vezes, as equipes não desciam à aldeia por não ter transporte para levar os profissionais aos postos de saúde.
Hoje, celebramos o fato de termos conseguido aprovar a partir de 2016, a disponibilidade de 98 frotas, sendo caminhonetes, Doblô, vans entre outras, para atender a comunidade. Recentemente, contudo, tivemos a triste notícia de que o Dsei conseguiu perder o prazo para a questão da renovação do contrato das viaturas. De uns tempos para cá, saímos de 98 viaturas para 68. Estamos empenhados para com nossa equipe, em um curto espaço de tempo, devolvermos o que foi retirado das nossas comunidades.
O Jacaré – Além dos temas citados, quais são os principais gargalos relacionados à saúde indígena sul-mato-grossenses?
Lindomar Terena – A questão dos avanços nos processos administrativos de demarcação de terras indígenas. No nosso entendimento, só teremos, no futuro, uma saúde de melhor qualidade, quando o nosso povo estiver usufruindo do seu território. Através do território, conseguimos produzir uma alimentação de qualidade, uma alimentação saudável. Acredito que esse é um dos carros-chefes para o nosso povo no Mato Grosso do Sul. Pretendemos cobrar as autoridades para que possamos construir, com todos os que simpatizam, os aliados que estão aliados aos povos indígenas, um bem viver para todos os povos indígenas de Mato Grosso do Sul e do Brasil.