Agricultores assentados na borda oeste do Pantanal, em Mato Grosso do Sul, retomam atividades do sistema por onde conseguiram superar a extrema pobreza e reduzir a dependência de programas sociais. O trabalho conjunto alia pesquisa, educação, gestão de recursos naturais e cooperação institucional. Conforme Alberto Feiden, pesquisador da Embrapa Pantanal (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o projeto começou em 2011, focado na promoção da transição agroecológica para a agricultura familiar.
Feiden revela que, em oito anos, a renda média mensal dos agricultores familiares participantes evoluiu 6,6 vezes. “Ao fim de 2019, fizemos um levantamento e, os agricultores que tinham renda mensal média em torno de R$ 300, em 2011, passaram a contar com R$ 2 mil”.
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O incremento da renda foi percebido no auge do programa, desenvolvido entre os agricultores do assentamento 72, em Ladário, município vizinho de Corumbá e distante 425 quilômetros de Campo Grande. Somente a pandemia da covid-19 foi capaz de impor a redução do lucro e do ritmo de trabalho, pressionando o faturamento para R$ 700 mensais, ainda assim 2,3 vezes mais que o ganho anterior ao início dos trabalhos.
O trabalho é coordenado pela Embrapa Pantanal e foi implantado com recursos do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), tendo apoio da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural) e da prefeitura de Ladário. Por meio da cooperação foi possível avançar com a agricultura agroecológica em uma das áreas mais áridas do Pantanal e oferecer alimentos para a merenda escolar e feiras locais.
Aridez de solo é desafio para a produção de alimentos
De acordo com Feiden, a borda oeste fica a cerca de 30 metros acima do nível médio do Pantanal e não é inundável. O regime de chuvas local também influencia para o clima adverso, marcado por três meses de chuvas e cerca de nove meses de seca.
“Nos últimos anos, o período de chuvas não é mais constante. Antes, o período de chuvas ocorria entre novembro e março e, agora, pode começar mais tarde e se prolongar por mais tempo. Além disso, essa região não tem água superficial perene. Os riachos secam no período da seca e é preciso utilizar água de poços artesianos. Quando isso é possível, a água é de baixa qualidade, com alto teor de carbonato de cálcio e magnésio – problemático – entope canos e irrigação”.
Foi nesse terreno hostil que, 30 anos atrás, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) implantou nove assentamentos da reforma agrária. Além do desafio do solo, os agricultores eram de regiões diversas, não tinham suporte tecnológico adequado para a lida da terra e enfrentavam dificuldades para sobreviver, tendo que ingressar em programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e receber aposentadoria do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Entre as primeiras ações do programa, explica Faiden, estava a oferta de água para o cultivo de alimentos. Para o suporte hídrico, foram aplicados recursos do CNPQ na perfuração de poços artesianos e na recuperação dos antigos, abandonados por falta de manutenção.
Agricultura familiar deu suporte a feiras e à merenda escolar em Ladário
Em paralelo, 15 agricultores começaram a ser preparados para o cultivo de hortaliças dentro do sistema agroecológico, utilizando adubo verde e composto orgânico, aproveitando resíduos da propriedade. Com recursos alocados no decorrer no programa, foram compradas proteção de sombrite para as hortas, além de bandejas para o controle de pragas. A partir de 2013, com o aumento da produção, começava o desafio de tentar vender as hortaliças nas feiras livres de Ladário e para a merenda escolar do município.
Alberto Feiden lembra que as feiras eram dominadas por uma associação de produtores integrada por brasileiros e bolivianos, havendo dificuldade de acesso para os assentados. Já a tentativa de vender para o programa escolar esbarrava nos editais feitos pelas prefeituras, que pediam produtos que não eram produzidos na região.
“Eles (as prefeituras) não compravam alegando que não tinha oferta. Então, junto com os agricultores, fizemos levantamento de quais hortaliças poderiam produzir e em que época do ano. Com o levantamento, procuramos a secretaria de educação e organizamos o edital de compra em cima dos produtos produzidos pelos agricultores. No primeiro levantamento, mapeamos 15 produtos em que era possível vender para a merenda escolar e a nutricionista da prefeitura de Ladário se tornou parceira do projeto, começou a participar das reuniões junto aos agricultores, orientando sobre os produtos que poderia comprar”.
Como forma de melhorar a oferta da merenda e dar vazão aos produtos da agricultura familiar, a prefeitura de Ladário também mudou o cardápio dos escolares e capacitou as merendeiras. “Em 2015, já havia 45 produtos vendidos na feira e para a merenda escolar. Isso acontece porque a agroecologia não trabalha com monocultura, mas com diversidade, que reduz o impacto de pragas e doenças. Pragas e doenças são resultado da monocultura. Com o sistema altamente diversificado, você tem alimentação para diferentes organismos que competem entre eles e reduzem a pressão e desequilíbrio que os torna praga”.
Para além do trabalho de cultivar a terra e oferecer os produtos em mercados já estabelecidos, alguns agricultores também tiveram que voltar aos bancos escolares como forma de superar o analfabetismo. Saber ler e escrever então entre as ferramentas para o controle dos dados exigidos pela certificação da agricultura orgânica e ecológica, cuja demanda começava aumentar.
“A partir de 2016, abrimos uma feira específica para produtos agroecológicos, produzidos dentro das normas e abrimos uma feira no campus Pantanal da UFMS. Em outubro, foi aberta uma na Embrapa Pantanal e, em janeiro de 2017, abrimos uma no IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul), no campus Pantanal”.
Agricultores entregaram sacolão agroecológico durante a pandemia
Dois anos depois da abertura da última feira agroecológica, o rendimento mensal médio dos agricultores chegava a R$ 2 mil, ante os R$ 300 do início do programa. No início de março de 2020, contudo, começou a pandemia e as feiras foram as primeiras a serem fechadas.
Os agricultores ficaram sem mercado e a alternativa foi criar sacolões agroecológicos vendidos com suporte do WhatsApp. Os consumidores compravam uma quantidade de, no mínimo, R$ 30 e pagavam taxa de entrega e embalagem. Uma vez por semana, o grupo se reunia, tomando os cuidados contra a covid-19, e preparava sacolão que era distribuído em domicílio”.
A medida, paliativa, não evitou a queda de renda, como ocorreu com diversos setores da economia. Parte dos agricultores deixou o programa que, desde 2022, busca recuperar o tempo perdido para a emergência sanitária. O objetivo do trabalho, além da oferta de alimentos saudáveis para a população, tem como marca a emancipação dos agricultores.
“Como resultado, a qualidade de vida melhorou e houve quem deixasse de receber o Bolsa Família e eles ficaram muito contentes com isso“, destaca o pesquisador.