O juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, condenou o empresário Ivanildo da Cunha Miranda, a um ano de detenção no regime aberto por evasão de divisas. Acusado de ser operador do ex-governador André Puccinelli (MDB), ele usou US$ 110 mil – o equivalente a R$ 543 mil – da propina paga pela JBS para comprar um avião de R$ 1 milhão nos Estados Unidos em nome da esposa em julho de 2012.
Conforme a sentença, publicada nesta quinta-feira (31), o dinheiro foi enviado pela companhia com a utilização de doleiros do Uruguai e por meio ilegal. Primeiro e único delator da Operação Lama Asfáltica, Ivanildo admitiu que recebia propina em nome de André.
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Teixeira o condenou a dois anos de detenção, mas reduziu a pena pela metade em decorrência da colaboração premiada, acatando parecer do Ministério Público Federal. O empresário teve sorte que o juiz optou pela pena mínima, já que a legislação prevê de dois a seis anos de prisão.
Ivanildo não deverá ficar preso, já que a pena foi substituída pelo pagamento de 50 salários mínimos na época do crime e corrigido. Diante da aeronave adquirida por US$ 210 mil – incluindo a taxa der US$ 10 mil para o transporte do avião Cessna 182, o valor será uma pechincha.
Na sentença, o magistrado destacou que há provas da evasão de divisas. “Conforme os documentos que foram colacionados ao processo, resta exposta a forma com que se deu a operação financeira, e está enquadrada no dispositivo supramencionado com clareza e suficiência. A materialidade do crime restou devidamente demonstrada, em especial pelo conteúdo das colaborações premiadas do próprio acusado e de DEMILTON ANTÔNIO DE CASTRO, bem como pela documentação por eles apresentada”, pontuou.
“A testemunha Demilton Antonio de Castro, arrolada na denúncia (IDs 34043867 e 34043871), prestou seu depoimento, contextualizando as informações em face do acordo de colaboração premiada firmado no ano de 2017. Confirmou ter conhecido IVANILDO DA CUNHA MIRANDA no ano final do ano de 2006 ou no começo de 2007, apresentado pessoalmente por Joesley (Batista), o qual indicou IVANILDO como sendo o encarregado de repassar as instruções de pagamentos de propinas no Mato Grosso do Sul. IVANILDO vinha com frequência à empresa e anotava os números das contas bancárias para os repasses, eventualmente solicitando que os valores fossem pagos em dinheiro vivo, ocasiões em que organizavam a entrega do dinheiro, sendo que IVANILDO ou os buscava pessoalmente, ou indicava um terceiro para retirar”, relatou o juiz Bruno Cezar.
“Extrai-se com bastante segurança, sendo incontroversos – confirmados concomitantemente pela prova testemunhal, pela documentação fornecida pelo réu colaborador, pela manutenção do controle pela JBS, pela documentação apreendida no escritório de IVANILDO e pela própria confissão em Juízo (ainda que não total quanto ao cenário integralmente denunciado) do acusado – a realização dos depósitos de U$ 80.000,00 e U$ 30.000,00 no exterior, em benefício da empresa AS FLIERS, sem autorização legal, nos dias 11 e 12/07/2012, respectivamente”, destacou.
“Restou comprovado, para mais, que IVANILDO solicitou a Demilton Antonio de Castro que fossem feitos estes os pagamentos pela aquisição do avião Cessna 182 de prefixo PRI-MJ. Sobre a alegação de que desconhecia que tais remessas ocorreriam sem autorização legal, tratar-se-á mais adiante no corpo desta sentença”, afirmou.
“Um segundo ponto que demanda específica apreciação é a alegação de que, embora admita ter solicitado a operacionalização das transferências, a defesa argumentou que IVANILDO não sabia que a JBS se utilizaria de doleiros ou outros canais irregulares ou ilegais para remeter o dinheiro para o exterior”, observou o juiz, sobre a alegação do advogado Newley Amarilla.
“Ora, o argumento apresentado não é crível. Embora não seja essencial à adequação típica a origem criminosa do recurso evadido, nada estando sob julgamento o tipo penal de lavagem de dinheiro e eventuais soluções dogmáticas quanto a possível concurso de crimes entre evasão e lavagem, trata-se, afinal, de pagamento de vantagem indevida inserido em esquema de pagamento dissimulado, o qual era intermediado pelo acusado, conforme descrições das suas próprias colaborações judiciais, ratificadas na ocasião de seu interrogatório nestes. Aliás, o acusado demonstrou conhecer plenamente que a JBS realizava pagamentos no exterior no interesse de outros beneficiados pelo esquema maior, como pessoas da classe política”, destacou.
“O próprio mecanismo de recebimento usual das propinas, que é o objeto principal dos crimes de lavagem descritos na denúncia maior já declinada para a Justiça Estadual, e que não se confunde com aquilo que remanesceu na Justiça Federal, é em si mesmo engendramento de dissimulação/ ocultação (através de interpostas pessoas jurídicas), e tudo de conhecimento do próprio réu, declarada e confessadamente. Ora, nesta linha de raciocínio, não é minimamente crível que justamente para pagamentos no exterior o acusado agira com a presunção de que os valores fossem remetidos de forma legal e em total obediência aos regramentos”, explicou.
“Em conclusão, diante do robusto conjunto probatório colacionado aos autos, conclui-se que o dolo do agente é inequívoco e incontroverso, tendo o acusado concorrido de modo livre e consciente para a prática da evasão de divisas do país, configurando inequivocamente o fato típico descrito na denúncia. Não existem quaisquer causas excludentes da ilicitude ou que atenuem ou eliminem a culpabilidade ou juízo de reprovação da conduta”, concluiu.
O magistrado não considerou o envio de US$ 60 mil aos Estados Unidos, que Ivanildo teria usado para pagar a escola de tênis do filho. Os outros US$ 100 mil para a compra da aeronave teriam sido enviados por meios legais através do Bradesco.
Pesou contra o empresário o fato dele não ter citado a evasão de divisas na delação premiada homologada pela Justiça Federal, no qual descreveu em detalhes como era arrecadada a suposta propina paga pela JBS ao ex-governador André Puccinelli.