A professora Marinete Rodrigues é paranaense de nascimento, mas desde 1991, quando desembarcou em Campo Grande, aliou a identidade pessoal e profissional à Cidade Morena. O bairro Giocondo Orsi foi o primeiro a contar com a presença da docente e pesquisadora, que acabou fixando residência na Vila Jacy, dez anos depois.
É de lá, que ela parte todos os dias para a sede da Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) em Campo Grande com o objetivo de responder a uma inquietação: “minha pesquisa é denominada ‘Gênero e Ciência: a participação das mulheres na carreira científica em Mato Grosso do Sul’”, resume. O trabalho a coloca como uma das principais figuras acadêmicas da cidade e do País e retrata uma trajetória de sucesso em favor da educação.
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Marinete nasceu em Nova Esperança, no Paraná, onde casou aos 17 anos. Quando a família decidiu rumar para Mato Grosso do Sul, em 1981, a primeira paragem foi Sidrolândia, onde chegou aos 22 anos, com dois filhos.
“Fiz Escola Normal e Ensino Científico ao mesmo tempo. A Escola Normal me possibilitou ser professora desde minha formação, aos 17 anos. Fui professora da Educação Básica em Sidrolândia e também diretora de escolas. Após filhos e marido concluírem as formações de nível superior, resolvi voltar a estudar aos 42 anos”.
Se antes ficava à frente dos bancos escolares, o momento era de voltar a sentar e aprender, agora, na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). “Fiz História na UFMS (primeira turma do curso em 2001). E em 2007, iniciei o mestrado em História na UNESP, Campus de Assis (SP). Viajava uma vez por semana para cursar o mestrado. Em 2010, fui aprovada na USP (Universidade de São Paulo) para cursar o doutorado com bolsa Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), finalizando-o em 2013”.
Ao fim do doutorado, Marinete já havia acumulado dez anos de pesquisas relacionadas à temática da mulher. “Minhas pesquisas sobre a violência contra as mulheres teve início em 2003, quando fui contemplada com uma bolsa Pibic (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica) para analisar os processos crimes da Comarca de Corumbá de 1830 a 1889. Ao todo, analisei 120 processos criminais do século XIX das antigas Comarcas de Mato Grosso, Corumbá, Miranda, Paranaíba e Nioaque”.
As pesquisas comandadas pela professora Marinete têm como foco as mulheres em diferentes perspectivas. “Iniciei pesquisando a violência envolvendo as mulheres no século XIX, em Mato Grosso. Minha dissertação de mestrado com título ‘Criminalidade e Relações de Poder em Mato Grosso (1830 a 1870)’ foi publicada em 2012, e a tese de doutorado ‘Mulheres, Violência e Justiça no século XIX’, em 2016. A maioria dos meus artigos científicos versa sobre temas relacionados com as mulheres”. conta.
“Recentemente concluí o pós-doutorado em História na Universidad Nacional de Jujuy (Argentina). Após a conclusão do doutorado, resolvi aprofundar meu conhecimento sobre a violência contra as mulheres na América Latina e os direitos humanos das mulheres em Mato Grosso do Sul. Recentemente, venho desenvolvendo pesquisa com subsídio da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul) sobre “Gênero e Ciência: a participação das mulheres na carreira científica em Mato Grosso do Sul”.
Marinete enfatiza que a atual pesquisa tem entre os objetivos mapear a atuação das mulheres na ciência em Mato Grosso do Sul e identificar as áreas em que elas têm participado de modo efetivo como pesquisadoras e produtoras de conhecimento científico.
“As mulheres sempre participaram na produção da ciência no País, mas tiveram pouco ou nenhum reconhecimento pelos resultados que apresentaram, em especial nas áreas em que os homens predominam. A luta das mulheres pelo direito de fazer ciência e ter reconhecimento pelo desempenho e resultados é antiga. E não se trata de mulheres contra homens, mas sim de tentarmos mudar uma cultura que as induz, desde a infância, às carreiras do cuidar. Importante lembrar que, embora tenhamos um número expressivo de mulheres nas academias, com destaque para as áreas do cuidar, o número de mulheres em áreas das ciências como engenharias, exatas, tecnológicas e o número de mulheres revelam uma realidade incontestável! Por que não estamos lá?”.
Na Cidade Morena, a pesquisa liderada por mulheres
Na avaliação de Marinete, é preciso pensar na participação das mulheres na ciência, no engajamento com a produção científica e na busca de resultados para problemas sociais, econômicos, técnicos e tecnológicos. “Esses motivos, para citar alguns, me levaram a questionar o protagonismo das mulheres enquanto cientista. Perguntas como: por que somos maioria em cursos como de enfermagem e temos uma participação tão baixa nos cursos de computação? As mulheres não têm capacidade cognitiva intelectual para aprendizados relacionados com inovação e tecnologias? Será que ainda não superamos o discurso do Século XIX, de que as mulheres são seres inferiores e não conseguem fazer ciência de qualidade? Precisamos mudar esse cenário se queremos ter a igualdade de gênero também na ciência”.
A imposição de reconhecimento e divulgação falhos não significa que as mulheres não estejam na ciência, ainda que em número desigual na comparação com os homens. “Temos em Campo Grande equipes de pesquisa lideradas por mulheres apresentando resultados de excelência. Precisamos colocar os resultados em evidência, mas principalmente as cientistas, pois são elas o nosso melhor exemplo para as meninas de Campo Grande. Mulheres como Letícia Couto Garcia, que recebeu prêmio internacional da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e Academia Brasileira da Ciência, em 2021, pela pesquisa sobre o uso sustentável do Pantanal devem ganhar destaque entre os estudantes nas escolas”.
Pesquisadores, professores, estudantes e colaboradores do mestrado em História da Uems integram o trabalho que, apesar de ter sido iniciado em janeiro de 2023, já indica cenários. “Os primeiros dados coletados revelam que as mulheres participam de pesquisas e na produção do saber científico, mas enfrentam difíceis batalhas para estarem à frente das pesquisas em determinadas áreas do conhecimento”, afirma.
“Além disso, muitas pesquisadoras precisam lidar com o assédio moral e sexual nos ambientes de trabalho, o que acaba comprometendo os resultados das pesquisas. Ou mudamos a estrutura de pensamento que guia os comportamentos machistas ou as mulheres continuarão sendo subservientes aos mandos e desmandos masculinos”, propõe.
Um Campo Grande de oportunidades para a pesquisa
Considerando a pesquisa que desenvolve, Marinete foi provocada pelo Jacaré a analisar a questão social campo-grandense e sugerir uma política pública para a cidade. “Avalio que faltam investimentos em políticas públicas para a população de baixa renda. É preciso investir em qualificação da mão de obra feminina, em educação e qualificação dos Professores da Educação Básica, pois são eles que estão na base da formação científica, tecnológica, técnica e cultural da sociedade. Sugiro a formação qualificada dos gestores em diferentes áreas do conhecimento e temas que atuam no atendimento da população, em especial das mulheres. Eficiência e eficácia passam pelas aprendizagens científicas, pedagógicas, didáticas e metodológicas”.
Para a Marinete “campo-grandense”, a cidade é uma fortaleza de oportunidades que a fazem permanecer na Morena.
“Moro em Campo Grande há 32 anos. A oferta de boas escolas, universidades e vida cultural, considerando o desenvolvimento intelectual, científico, técnico, social e cultural, foram os motivos mais contundentes para eu me mudar para Campo Grande. A cidade oferece múltiplas possibilidades de aprofundamento do conhecimento cientifico, social, cultural e técnico; oferece lazer; cultura; transporte, água tratada, esgoto, redes de tecnologias, museus, educação – escolas municipais, estaduais e privadas de boa qualidade -, hospitais e uma boa rede de enfrentamento a violência contra as mulheres”.