Foi em uma casa no bairro Universitária 2, na periferia de Campo Grande, que nasceu Guilherme Soares Dias, jornalista, influencer e responsável pela oferta de mais um olhar para o turismo: o olhar preto. Guilherme recorda que, na infância e adolescência, estava dividido entre duas Campo Grandes, a da periferia e a do centro, onde acompanhava a mãe nas incursões para a solução das burocracias inerentes a qualquer pessoa.
Como na Cidade Morena existe a centralização de serviços básicos (bancários, correios, etc), é fácil perceber as diferenças de tratamento com as áreas periféricas, aquelas mais distantes dos olhares dos gestores. Foi a percepção dessas discrepâncias que ajudou a moldar o olhar atento do jornalista Guilherme, formado pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
Da redação do Jornal O Estado, onde atuou em Campo Grande, saíam histórias de Guilherme para a editoria de Cidades, setor editorial responsável pelo tratamento das situações imediatas da população (saúde, segurança, infraestrutura). Ao relato jornalístico, acrescentou o aprendizado na atuação no Ibiss (Instituto Brasileiro de Inovações pró-Sociedade Saudável Centro-Oeste), uma ONG focada na defesa dos direitos humanos.
Outras histórias:
Na luta do povo terena para construir a primeira aldeia urbana do País, a luta de Auxiliadora
Enquanto a cidade dorme, Matusa cultiva o alimento diário do campo-grandense
Com intuito de ampliar as possibilidades profissionais, Guilherme deixou Campo Grande em 2009, e rumou para São Paulo, onde compôs redações de grandes jornais nacionais, como O Estado de São Paulo e Valor Econômico.
São Paulo permitiu o início da atuação em prol do movimento negro e da inquietação sobre o lugar e o espaço das pessoas pretas. Foi, contudo, um mochilão, realizado em 2016, a catapulta para os projetos atuais, focados, principalmente, na oferta de conteúdo para pessoas pretas.
“Em 2016, fiz um mochilão e visitei 25 países de cinco continentes, durante um ano e meio. A viagem trouxe a inquietação de conhecer histórias negras. Não foi uma viagem afrocentrada, era uma narrativa mais geral, com dicas de influenciadores, e percebi a ausência de pessoas e histórias negras nas viagens”.
De volta ao Brasil, começaram as caminhadas em busca dos relatos para brasileiros distantes do foco dos influenciadores de turismo. “A partir da volta desse mochilão, comecei a pensar em estabelecer algum negócio em relação a isso e, assim, surge o Guia Negro”. Por meio do projeto, Guilherme percorreu 23 cidades e, com ajuda de uma equipe, divulga locais e a relação desses com a cultura negra. Hoje, também é Guia Negro o título da coluna que assina para o jornal Folha de São Paulo.
Com a prática, o horizonte do jornalista influencer expandiu, abraçando a consultoria de diversidade e já não cabe em uma única morada. Desde 2017, ele se divide entre morar parte do ano em São Paulo e a outra em Salvador (BA). Entre uma cidade e outra, mantém um cronograma de viagens exploratórias pelo País. “As viagens são mais centradas no Brasil para desvendar esse Brasil preto pouco falado pelos outros produtores de conteúdo”.
Chegar em tantos códigos postais não distanciou Guilherme do carinho pela Cidade Morena. “Volto para Campo Grande pela família, amigos e afetos. Tenho uma missão pessoal para fazer algum projeto em Campo Grande para contribuir com a cidade e tento olhar para as histórias que a história não conta”.
Entre as muitas redescobertas, o jornalista pontua a história da Tia Eva, que provavelmente chegou em Campo Grande antes do desembarque de José Antônio Pereira.
“Pouco é falado sobre o quilombo urbano, além da história indígena, muito presente, mas muito ausente. A cidade é multicultural, formada por vários povos, tem o povo preto e indígena nas bases, mas sempre negado. São importantes, são alicerces, mas esquecidos”.
Para além do questionamento histórico e social, nas idas e vindas de Guilherme à cidade onde cresceu e se profissionalizou reside a vontade de mantê-la viva na memória e na vivência. “Tenho o maior carinho. Sempre que posso, falo e registro curiosidades sobre a cidade. Das últimas vezes, estive mais como turista mesmo. É a cidade do tereré, da polca, que são vertentes únicas e, quanto mais eu viajo, mas vejo que isso é único. Cada vez que vou, me surpreendo, com coisas novas, lugares novos”, pontua.
“A cidade que eu visito é diferente da cidade que eu deixei. Olhando para o futuro, acho que a cidade deve contar mais essas outras histórias e olhar mais para si de uma forma orgulhosa e entenda que há coisas únicas que podem ser apresentadas para os turistas”.