Com base na nova Lei de Improbidade Administrativa, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul suspendeu o bloqueio de R$ 42,133 milhões do ex-secretário-adjunto de Fazenda do Estado, André Luiz Cance, e sua esposa, Ana Cristina Pereira da Silva. Além disso, a 1ª Câmara Cível do TJMS anulou o recebimento da denúncia e mandou o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, fundamentar o recebimento da denúncia por enriquecimento ilícito.
Cance e Ana Cristina foram denunciados por não comprovar a movimentação de R$ 21,066 milhões, conforme investigações feitas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal na Operação Lama Asfáltica. Apontado como operador financeiro do ex-governador André Puccinelli (MDB), ele foi acusado de receber propina em troca de contratos milionários com os órgãos públicos.
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Com base na investigação, o MPE denunciou o casal por enriquecimento ilícito. Em dezembro de 2020, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa determinou o bloqueio de R$ 42,133 milhões do casal. Em seguida, o magistrado acabou recebendo a denúncia por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito.
A Lei 14.230, sancionada por Jair Bolsonaro (PL) em outubro de 2021 após ser aprovada pelo Congresso Nacional, afrouxou as regras de combate ao desvio do dinheiro público e serviu de base para livrar o casal do bloqueio.
Os advogados “sustentam que as decisões questionadas tiveram por sustentáculo a ideia de que, nas ações de improbidade, o deferimento da medida de indisponibilidade de bens dispensa a demonstração do periculum in mora (perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo), pois este seria presumido, já que a medida teria natureza jurídica de tutela de evidência”.
O relator do processo na 1ª Câmara Cível, desembargador Divoncir Schreiner Maran, pontou que as regras mudaram em relação a LIA de 1992. “Entretanto, tais entendimentos conflitam com as inovações trazidas pela Lei n. 14.230, de 25 de outubro de 2021 o que já ocorria desde o advento do Novo Código de Processo Civil , haja vista que os §§ 3º e 8º do artigo 16 da LIA, incluídos pela mencionada lei, afirmam, respectivamente, que o pedido de constrição ‘apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo’, e que ‘aplica-se à indisponibilidade de bens regida por esta Lei, no que for cabível, o regime da tutela provisória de urgência’”, destacou.
“A nova lei deixa explícito no art. 16, § 3º que para que seja decretada a medida de indisponibilidade de bens deve haver a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução”, explicou Maran.
“Ademais, ressalta-se que essa nova norma legal é de natureza processual, e, portanto, aplicável a partir de sua vigência. Aliás, também entendo que as regras estabelecidas para efeitos de indisponibilidade de bens devem ser aplicadas retroativamente, eis que constituem medida que, de certo modo, são mais benéficas ao réu, já que estabelecem limites e critérios a serem observados pelo julgador no caso concreto, mormente quanto a exigência de comprovação de perigo concreto de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, e ordem preferencial para bloqueio”, avaliou o magistrado.
O desembargador Divoncir Schreinar Maran também destaca que a 3ª Vara Federal de Campo Grande já decretou o bloqueio de R$ 43,169 milhões de André Cance e de Ana Cristina. “Assim, caso a decisão proferida no Juízo Federal venha a ser revogada, poderá ser pleiteada na ação de improbidade administrativa outra cautelar no sentido de decretar a indisponibilidade dos bens dos embargantes. Portanto, forçoso revisar o a decisão impugnada e, assim, readequá-la à lei nova”, justificou-se.
“Isto posto, acolho os embargos de declaração, com efeitos infringentes, para dar provimento ao agravo de instrumento e rechaçar a indisponibilidade dos bens dos agravantes e, consequentemente, liberar os valores e bens bloqueados, além da comunicação aos mesmos órgãos e cadastros (CNIB, RENAJUD e SISBAJUD) nos quais foi averbada”, determinou.
O relator foi acompanhado pelos desembargadores Marcos José de Brito Rodrigues e Marcelo Câmara Rasslan.
Em março deste ano, a mesma turma, mas com nova composição, também reviu outra decisão de Ariovaldo Nantes Corrêa, a de que recebeu a denúncia por improbidade administrativa contra o casal por não provar a origem de R$ 21,066 milhões.
“Registro que a decisão de recebimento da ação civil pública não exige análise exauriente dos fatos alegados pelo autor e réus; contudo não pode simplesmente resumir-se a receber a ação, sem apreciar, ainda que sucintamente, os argumentos deduzidos pela defesa, hipótese dos autos”, anotou Divoncir Schreiner Maran.
“Dessa forma, a decisão recorrida carece de fundamentação, violando o disposto nos artigos 11 do CPC e 93, inciso IX, da Constituição Federal. Isto posto, contra o parecer, acolho a preliminar de ausência de fundamentação, para cassar a decisão recorrida, determinando que outra seja proferida”, determinou o relator, sendo acompanhado pelo juiz Waldir Marques e pelo desembargador Marcos José de Brito Rodrigues.
Em despacho publicado nesta segunda-feira, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa cumpre as duas decisões da turma. Ele determinou a suspensão do bloqueio de R$ 42,1 milhões de André Cance e Ana Cristina Pereira da Silva.
O magistrado também determinou que a promotoria se manifeste sobre a denúncia com base na nova Lei de Improbidade Administrativa. Somente após a contestação da defesa, ele deverá analisar, novamente, se recebe ou não a denúncia contra o casal.