“Quando o paciente encontra um médico em que confia é como se, emocionalmente, trabalhassem em equipe”. A conclusão, entre tantas outras relativas ao cuidado médico, é da professora Sandra Procópio da Silva, 51 anos, ex-paciente do SUS (Sistema Único de Saúde), plano responsável pelo diagnóstico, tratamento e apoio a ela para o enfrentamento do câncer.
“Uma das coisas fundamentais da medicina é encontrar médicos com uma consciência humanitária. Você entrega nas mãos desses profissionais uma parte da sua vida”. De fato, os dez últimos anos da vida da docente foram divididos entre a família, o ensino, consultórios e mesas de exames médicos. Sandra lembra que lecionava na escola agrícola em Nova Alvorada do Sul quando, durante um autoexame, estranhou a presença de um pequeno caroço na mama, algo semelhante a um grão de arroz.
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Naquele 2012 desafiador, a professora notou de maneira muito pessoal o comprometimento de um servidor do SUS. “Eu mesma achei que fosse um exagero, mas eu fui atendida por um médico muito comprometido com a população. Ele foi claro, pediu uma ultrassonografia da mama, exame que seria mais rápido pelo SUS e, conforme o resultado, já haveria um diagnóstico preliminar”.
Ainda estão frescas na memória da professora, como se tivessem ocorrido há pouco tempo, as recordações sobre a reação do médico, cuja cautela, infelizmente, estava amparada na razão. “No exame ele encontrou não um, mas dois nódulos e explicou que o tratamento deveria começar imediatamente. Como pediu exames complementares e, para não demorar, resolvemos pagar. Era uma mamografia que, na época, a espera demoraria três meses”.
Confirmado o diagnóstico, Sandra precisou mudar a residência, saindo de Nova Alvorada do Sul para morar em Campo Grande, a uma distância de 117,2 quilômetros do trabalho e da família. “O próprio médico disse que eu deveria ir para a Capital. Deixei Nova Alvorada do Sul e fui para Campo Grande. Lá, o tratamento era feito no Hospital Alfredo Abrão. Tive nessa fase uma grande crise. Não aceitava o diagnóstico e procurei vários médicos, mas todos eles confirmaram. Eles foram muito humanos comigo. Tive acompanhamento de fisioterapeuta, psicologia e, quando soube que precisaria passar por uma cirurgia, pedi um tempo. Tudo o que podiam, eles fizeram por mim”.
Máfia do Câncer representou medo e reação de equipe foi mais uma emoção
Se as recordações dos profissionais embalados no bom desempenho da medicina ainda a emocionam, não é diferente a lembrança sobre as falhas impostas ao SUS, descobertas na letra fria da Justiça. “Em um dia, cheguei ao hospital e o pátio estava tomado de carros da Polícia Federal. Eram as investigações sobre a Máfia do Câncer. Na época, fiquei sabendo que, para alguns pacientes, a quimioterapia era aplicada em excesso. Ou seja, a pessoa morria por isso, por excesso de quimioterapia”, relembra.
“Ao ver matérias sobre o assunto, assisti uma procuradora de Justiça se disponibilizar para ser contactada por pacientes. Eu pensei, sou usuária do SUS, os médicos não podem sacanear as pessoas dessa forma. Fui até a procuradora e fiz uma denúncia e ela disse que eu fui a única pessoa a fazer isso. Anos depois, fui contactada por um médico sobre aquela denúncia. Ele contou que, no meu tratamento, não houve nenhuma irregularidade. Achei aquilo de uma dignidade, de um compromisso com a ética médica. Foi bom”.
Quando a vida resolveu virar a chave e também bons momentos, Sandra soube que estava aprovada para o concurso de docência da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). Seria a oportunidade de atuar na Faculdade Intercultural Indígena, um centro em favor de comunidades assentadas, indígenas e filhos da agricultura familiar, servindo a grupos historicamente vulnerabilizados.
Ao desafio profissional foi imposta a luta pela saúde que, distante 229 quilômetros de Campo Grande, seria travada em Dourados. “Passei a ser seguida no Hospital do Câncer, em Dourados. Até então, já havia feito radioterapia, quimioterapia e reabilitação pelo SUS”.
SUS é alento e presença, mas maçãs podres tentam abalar o sistema
Nas entranhas do plano público de saúde, a professora também descobriu e precisou suportar algumas maçãs podres. “Em 2013, comecei a sentir uma dor nas costas. Relatei ao médico, mas ele disse que aquilo estava relacionado à minha idade. Afirmou, de maneira arrogante, que as pessoas procuram o serviço público para as queixas de dores nas costas e, na verdade, estão ficando velhas”, contou.
“Aquela dor nas costas, descobrir depois com minha médica, que era um nódulo de metástase na coluna. Por isso, em 2015, fiz o segundo tratamento, recebendo acompanhamento psicológico, medicamentos e internações pelo SUS”.
Houve, lógico, o desejo de procurar o profissional responsável pelo mal atendimento, mas viver era urgente e não havia espaço para embates desnecessários. Com a nova realidade na vida profissional, Sandra também passou a contar com um plano de saúde oferecido pelo serviço público e passou a fazer uso dele.
Não é o desprezo pelo SUS, mas a abertura de uma porta para outra pessoa necessitada, como ela foi durante tanto tempo. Do período em que esteve sob os cuidados de médicos no sistema público, a professora só tem gratidão e, claro, oferece sugestões.
“Hoje reconheço o apoio das terapias complementares para o fortalecimento do sistema imunológico. Acredito que o SUS deve atentar, também, para o atendimento à família dos doentes, à qualidade dos alimentos que ingerimos e às questões afirmativas. Acredito que o SUS é a organização de maior alcance da população, atendendo da criança ao idoso, com elevada capilaridade. O SUS pode ajudar o Brasil, embora existam grupos privados que o queiram desqualificar”, alerta.