A juíza substituta Júlia Cavalcante Silva Barbosa, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, declinou competência para a Justiça estadual a ação penal por corrupção e peculato contra o ex-governador André Puccinelli (MDB) e mais 14 réus pelos supostos desvios na obra do Aquário do Pantanal. A decisão é mais um óbice para a agilidade do julgamento do emedebista.
O processo da Operação Lama Asfáltica deve recomeçar do zero ao chegar às mãos do juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal de Campo Grande. Protocolada em 26 de novembro de 2019, a denúncia foi dividida em cinco ações pelo juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, titular da 3ª Vara Federal.
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A primeira vitória dos réus ocorreu com a decisão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que considerou o magistrado suspeito por ter feito mais perguntas aos acusados do que o procurador da República. O MPF não conseguiu reverter a decisão e todas as decisões foram anuladas, com o processo voltando a tramitar do zero praticamente, com a juíza substituta analisando o recebimento da denúncia.
E novo recomeço ocorrerá quando a ação por peculato contra o ex-governador chegar à 1ª Vara Criminal de Campo Grande. O juiz estadual vai dar prazo para a contestação das defesas, analisar pedidos de bloqueio e somente após receber a denúncia, iniciar o tramite moroso para marcar o julgamento.
No despacho publicado nesta quinta-feira (17), a juíza federal pontua que não houve recursos federais na obra do Aquário, inaugurado como Bioparque do Pantanal. “Embora nas obras do Aquário do Pantanal, especificamente, não tenham sido empregados recursos de origem federal, os presentes autos tramitaram nesta unidade da justiça especializada, antes da decisão proferida pela 5ª Turma do TRF3, constante de ID 252466926, porque se adotava entendimento pela existência de conexão entre as supostas condutas criminosas relacionadas a tais obras e outras imputações relativas a outras obras que efetivamente envolveram a aplicação de recursos federais”, relatou.
“O entendimento fundava-se no fato de os crimes terem sido praticados por um mesmo grupo de pessoas dentro de uma multiarticulada organização criminosa, e considerava ainda que as provas das infrações e das circunstâncias elementares influenciariam mutuamente no andamento e julgamento processual”, destacou.
Contudo, Júlia Cavalcante observou que não é o caso. “Não é o que se dá na situação ora analisada, em que os julgamentos dos fatos imputados mostram-se perfeitamente independentes, havendo mero compartilhamento de algumas provas já produzidas, o que não justifica a alteração da competência constitucionalmente atribuída”, frisou.
“Assim sendo, há que se reconhecer a competência da Justiça Estadual para processar e julgar as imputações objeto destes feitos”, concluiu. “Diante do exposto, em consonância com a jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, DECLINO DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR O PRESENTE FEITO, pela ausência de elementos que fixem a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, e determino o encaminhamento dos presentes autos ao Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Campo Grande, sobre o qual recai a competência para processar e julgar criminalmente os processos da Operação Lama Asfáltica no âmbito estadual”, determinou.
Ao longo do despacho, a juíza Júlia Cavalcante Barbosa ressalta os indícios apontados pelo MPF sobre os desvios ocorridos no Aquário do Pantanal. “Ao longo do Contrato OC n. 028/2011 – até a paralisação das obras – ocorreram 11 reprogramações de serviços, que negativaram itens constantes da planilha orçamentária contratada e incluíram serviços extracontratuais não licitados, acarretando a alteração do projeto básico/executivo licitado com um acréscimo financeiro 63,08% sobre o valor contratado”, pontuou, citando auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União).
“Consta que havia entre os denunciados a certeza da pactuação iminente de um termo aditivo de valor ao contrato OC N. 2011, o que restou confirmado no dia 28/02/2014, quando o Segundo Termo Aditivo restou publicado no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul no valor de R$ 21.090.324,81; o saldo do contrato passou para R$ 36.810.421,49, que teria sido ilegalmente transferido para a PROTECO por força da sub-rogação”, destacou, sobre o acordo para a empresa de João Amorim assumir a obra, mesmo tendo perdido a licitação.
“Aponta a acusação que foram interceptadas conversas telefônicas, no bojo de procedimento legalmente autorizado, que demonstram a movimentação dos denunciados para concretizar a sub-rogação ilegal do Contrato OC n. 028/2011 pela EGELTE à PROTECO com o apoio da AGESUL. Consta que, pouco tempo depois de assumir as obras do Aquário do Pantanal, a EGELTE recebeu da PROTECO transferência de R$ 1.978.493,94, em transações bancárias nos dias 24/03/2014, 26/03/2014 e 03/04/2014”, relatou.
“Prejuízo efetivo de R$ 1.446.459,37 decorrente do pagamento indevido à PROTECO por serviços não executados, conforme 51º Boletim de Medição atualizado das obras”, destacou, sobre o valor pago à empresa de Amorim por serviço não executado.
“Como demonstrativo, elenca as constatações da Controladoria-Geral da União: (a) no item 1 – Serviços Gerais de Canteiro, o valor dos serviços foi elevado em 1.349,47% e deste valor final somente 16,85% são de serviços contratados, sendo o restante 83,15% adicionados por meio de reprogramações da AGESUL”, descreveu, citando um dos itens usados no “jogo de planilhas” para justificar o suposto desvio.
“Em tópico pertinente à descrição de elementos pertinentes à autoria delitiva, o Ministério Federal elenca transcrições de telefonemas legalmente interceptados que serviriam para demonstrar os relacionamentos escusos e o esquema criminoso existentes a) entre a PROTECO CONSTRUÇÕES LTDA. (JOÃO ALBERTO KRAMPE AMORIM DOS SANTOS) e agentes públicos da AGESUL/Secretaria de Estado de Obras Públicas e de Transportes; b) entre JOÃO AMORIM e E. G. (então Secretário Estadual de Obras Públicas e de Transportes); c) que evidenciariam o envolvimento determinante de ANDRÉ PUCCINELLI nas atividades da organização criminosa. 23. Também apresenta elementos pelos quais pretende demonstrar a ascendência de ANDRÉ PUCCINELLI nas atividades da suposta organização criminosa. 24. Consta dos autos também a descrição da conduta dos denunciados, devidamente contextualizados e vinculados à descrição dos fatos”, observou, sobre a suposta estrutura da organização criminosa e dos líderes.
A magistrada determinou o envio à Justiça estadual da denúncia envolvendo André Puccinelli, 75 anos, Edson Giroto, 63, Wilson Cabral Tavares, 58, Maria Wilma Casanova Rosa, 67, Edmir Fonseca Rodrigues, 53, Luiz Cândido Escobar, 77, João Amorim, 70, Elza Cristina Araújo dos Santos, 45, Luiz Mário Mendes Penteado, 66, Domingos Sávio de Souza Mariúba, 67, Mari Emília Brancher, 64, Luiz Jorge Bossay, 64, Hélio Loureiro Battilani, 70, Egídio Vilani Comin, 71, e M.D.F..