O Ministério Público Estadual investiga o aterramento de trecho do Corixo Mutum para que comitiva do então governador Reinaldo Azambuja (PSDB) fosse inaugurar a Estação de Tratamento de Água no distrito de Porto Esperança, distante cerca de 80 quilômetros da área urbana de Corumbá. A medida rendeu multa de R$ 3 milhões pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) à Agesul.
O evento ocorreu em 10 de agosto de 2021, quando Reinaldo e o prefeito de Corumbá, Marcelo Iunes (PSDB), inauguraram a estação de tratamento e assinaram ordem de serviço para construção de uma estrada de revestimento primário, com 11,2 quilômetros de extensão, para dar acesso rodoviário ao distrito, a partir da BR-262, ao custo de R$ 13,2 milhões.
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Dias depois, moradores do local alertaram fiscais do Ibama sobre uma barragem construída pela Agesul que obstruiu o leito do riacho, próximo à margem esquerda do Rio Paraguai, em uma fazenda perto do distrito.
“Segundo os moradores, o barramento foi efetuado pela Agesul (Agência de Empreendimentos do Mato Grosso do Sul) para permitir que uma comitiva do governador do Estado pudesse ter acesso terrestre àquele distrito para lançamento de obras no dia 10/08/2021”, relataram os profissionais.
Os fiscais foram até a área aterrada e confirmaram a existência de uma barragem com cerca de 50 metros de comprimento e 10 metros de largura, sem qualquer sistema de drenagem que permitisse a água passar de um lado para o outro.
Segundo os moradores locais, a comunidade de Porto Esperança vive basicamente das atividades relacionadas à pesca, seja na catação e comercialização de iscas vivas, guias de pesca esportiva, piloteiros e como zeladores de ranchos de pesca.
O Corixo Mutum é um importante recurso para a realização da pesca esportiva, pois trata-se de lar de reprodução para várias espécies migratórias, e o seu barramento pode resultar também na mortandade de espécimes que ali permaneceram.
Em justificativa ao Ibama, a Agesul informou que que o Corixo Mutum não é um curso d’água perene e que, na época do barramento, o riacho estava seco e a passagem no local existe há anos para o acesso à comunidade. A agência apresentou como provas fotografias coletadas na data de 26 de novembro de 11, três meses após a execução da obra.
“Tal informação carece de fundamento técnico e fático, pois não há registros de que o Corixo Mutum fique seco sazonalmente, o que pode ser verificado por avaliação de imagens de satélite e consultas aos moradores do citado distrito”, rebateu o Ibama.
O órgão questiona o barramento do curso d’água sem a implantação de nenhum dispositivo de drenagem para possibilitar o fluxo entre o riacho e o rio, “favorecendo a recirculação de nutrientes e a manutenção das qualidades físico-químicas e biológicas do citado corixo, fundamentais para a continuidade das atividades pesqueiras na região”.
Em dezembro de 2021, o Ibama emitiu um auto de infração com multa de R$ 3 milhões à Agesul, pela construção da barragem sem licença ambiental.
Meses depois, em junho de 2022, o Ministério Público Estadual abriu inquérito civil para averiguar a irregularidade. Após um ano, a investigação continua em andamento na 2ª Promotoria de Justiça de Corumbá. O órgão confirmou que a obstrução do corixo não existia até pouco antes da construção pela Agesul para passagem da comitiva do governo.
Em resposta ao MPE, a Agesul disse que está em andamento a construção da ponte de concreto sobre o Corixo Mutum, para acesso à comunidade Porto Esperança. Enquanto isso, foi efetuado um desvio com a construção de uma ponte de madeira “de caráter temporário e totalmente reversível, cuja atividade dispensa licenciamento ambiental”.
Durante vistoria em novembro de 2022, o Ministério Público verificou que o aterro construído no leito do Corixo Mutum conta com a presença de tubulação drenante. Entretanto, devido à posição em que foram instalados os tubos, a passagem de água só é possível quando a altura da lâmina d’água acumulada é maior que a altura da base dos tubos, ou seja, a transposição de água só ocorre provavelmente em períodos de cheia.
“O barramento de um curso hídrico pode gerar diversos prejuízos ambientais ao interromper a conectividade entre habitats, sobretudo no Pantanal, onde o extravasamento da água o Rio Paraguai para a planície proporciona um aumento nas áreas para alimentação e refúgio de diversas espécies de peixes, entre outros animais”, diz relatório técnico do MPE.
A expectativa é que a Agesul firme um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para instalação de drenos de capazes de permitir o fluxo natural da água no Corixo Mutum, mesmo em períodos de estiagem, tanto no local próximo à confluência com o Rio Paraguai, quanto no local de construção da nova ponte de concreto.
A reportagem tentou contato com o ex-governador Reinaldo Azambuja, mas não obteve retorno, e aguarda manifestação da Agesul.