O Governo do Estado divulgou, nesta sexta-feira (4), dados que mostram que o Pantanal de Mato Grosso do Sul conta com quase 85% de sua cobertura original preservada. A informação é anunciada após abertura de inquérito do Ministério Público Estadual e alerta do Ministério do Meio Ambiente de que normas estaduais facilitam a destruição do bioma.
De acordo com o titular da Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), Jaime Verruck, o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de MS), autorizou, de 15 de agosto de 2019 a 14 de abril de 2023, que fossem realizadas intervenções em 194 mil hectares de vegetação em propriedades do Pantanal sul-mato-grossense, que correspondem a 2,16% da área do bioma.
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O governo diz que foram licenciados 275 processos no período apresentado pelo Imasul, somando 194.059,88 hectares. Desse total, apenas três tiveram sua situação cancelada. Segundo a Embrapa, a área total do Bioma Pantanal em MS representa cerca de 89.818,95 km². Realizando a comparação da área total com a área licenciada, a mesma representa cerca de 2,16% do bioma.
Além disso, de janeiro a abril de 2023, com o pleno funcionamento do Monitor Alertas de Desmatamento do Imasul, foram identificadas ações irregulares em um total de 931,44 hectares de área de uso restrito do Pantanal, sendo 155,5 hectares em área de reserva legal. Nesse período, o Instituto notificou e autuou 9 propriedades pantaneiras nas quais foram encontradas irregularidades nas intervenções na vegetação.
Implementado no início deste ano, o Monitor Alertas de Desmatamento do Imasul permite ao órgão ambiental antecipar as ações de fiscalização, evitando maiores perdas ao meio ambiente. Além disso, o sistema possibilita uma redução de até 72% da análise manual de processos de desmatamento.
“É uma decisão baseada em dados garantindo segurança técnica, jurídica e institucional e que utiliza dados oficiais em conformidade com Autos Autorizativos do Imasul”, explicou André Borges na reunião do Conselho Estadual de Controle Ambiental (CECA).
A plataforma de monitoramento do Imasul possibilita o controle e combate ao desmatamento e às queimadas no Estado com uma gestão mais eficiente e sustentável dos recursos naturais. O sistema utiliza imagens de satélite e recursos da plataforma ArcGIS para solucionar um problema enfrentado há anos pelo Instituto, que é o gerenciamento e acompanhamento de alertas de desmatamento, assim, está sendo aprimorado a tomada de decisão e fortalecendo a atuação das equipes de monitoramento.
O governo informa também que Mato Grosso do Sul teve redução na área desmatada em 2022, em comparação com o apurado em 2021. Os dados estão no Relatório Anual do Desmatamento no Brasil publicado pelo projeto MapBiomas Alerta, uma iniciativa do Observatório do Clima desenvolvida por uma rede multi-institucional envolvendo universidades, ONGs e empresas de tecnologia com o propósito de mapear anualmente a cobertura e uso da terra do Brasil e monitorar as mudanças do território.
Aponta ainda que apenas quatro estados e o Distrito Federal tiveram redução na área desmatada no ano passado. O top 5 está assim organizado: Rio Grande do Norte em primeiro com -47%, depois vem Paraná com -42%, Distrito Federal com -28%, Mato Grosso do Sul com -12% e por fim, Paraíba, com -6%.
Alerta de ministério e inquérito do MPE
Como revelado por O Jacaré, técnicos do Ministério do Meio Ambiente criticam esta regulamentação por facilitar o desmatamento e concluem a necessidade de o Governo Federal intervir para promover a regulamentação da “exploração ecologicamente sustentável” do bioma. Quase oito anos depois, nota técnica aponta que, desde o decreto de 2015, as licenças emitidas pelo Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) autorizaram o desmatamento de 400 mil hectares no Pantanal.
“As licenças emitidas pelo Governo do Estado não são disponibilizadas no portal do IMASUL. Entretanto, pode-se afirmar que foram mais de 400 mil hectares licenciados no Pantanal do Mato Grosso do Sul desde 2016 baseados no Decreto 14.273/2015, que não tem base ou sustentação legal e científica”, informa a nota técnica elaborada pelo Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais, órgão do Ministério do Meio Ambiente.
A nota técnica do Ministério do Meio Ambiente é utilizada pelos promotores Luiz Antônio Freitas de Almeida e Luciano Furtado Loubet, da 34ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, na abertura de inquérito para investigar denúncia de possível omissão do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), em virtude da ausência do licenciamento ambiental, no desmatamento do Pantanal.
Em apuração preliminar, os promotores concluíram que “os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul editaram normas próprias, especialmente para a exploração de atividades econômicas no bioma. Tais normas, contudo, criam regimes jurídicos diferentes para uma mesma realidade ambiental e apresentam padrões protetivos muitos inferiores aos necessários à adequada preservação do Pantanal”.
Entre as normas de MS, está o Decreto Estadual n° 14.273, de 08 de outubro de 2015, que permite a supressão de 60% de vegetação nativa de campo e 50% de vegetação nativa florestal. A Embrapa, por sua vez, entende que a maior exploração sustentável nessa área seria de supressão de 45% da vegetação nativa.
Os promotores revelaram que a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), “entidade privada e com interesse representativo de classe”, contratou estudo de professores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo para embasar o nível permitido de desmatamento. No entanto, a Esalq afirma que o estudo não é de sua responsabilidade e não representa o posicionamento da instituição.
Recente estudo da Embrapa recomenda que a formação de pastagens cultivadas se realize em uma faixa entre 30 e 40% da área da propriedade “visando manter a heterogeneidade das paisagens, sua conectividade e a biodiversidade”.
Os promotores argumentam que o Decreto Estadual n. 14.273/15 contrariou a única recomendação técnica de órgão oficial de pesquisa, a Embrapa, “apoiando-se única e exclusivamente em um estudo contratado por uma entidade privada, representativa de um dos setores econômicos interessados, e elaborado por professores que não representam o entendimento oficial da ESALQ”.
O Ministério Público Estadual destaca ainda que, no Estado, apenas 64% das áreas com constatação de desmatamento potencialmente ilegal foram vistoriadas para fiscalização. E resolução da Semade dispensa o licenciamento para atividades agropecuárias, inclusive atividades de monocultura, e viola a legislação federal.
Recomendação
Além da abertura de inquérito civil, o MPE recomendou ao Governo do Estado e ao Imasul que “se abstenham de emitir quaisquer autorizações de supressão vegetal na área do Pantanal até que haja pronunciamento oficial de órgão de pesquisa, nos termos do art. 10 da Lei Federal n. 12.651/12, e a elaboração de uma Avaliação Ambiental Integrada para avaliar os impactos sinérgicos das atividades de supressão vegetal”.
“Que procedam ao embargo de todas as áreas de monocultura existentes no Pantanal que não possuam licença ambiental e, nas áreas superiores a mil hectares, que não possuam licença ambiental válida precedida de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)”, prossegue.
“Que não licenciem mais atividades de monocultura antes da realização de uma Avaliação Ambiental Integrada para avaliação dos impactos sinérgicos da monocultura no Pantanal e que, após sua realização, passem a exigir licenciamento ambiental de todas as áreas de plantio de monocultura no Pantanal, nos termos da Resolução CONAMA n. 237/97, o qual deverá exigir Estudo Prévio de Impacto Ambiental caso a área de plantio seja superior a mil hectares, conforme Resolução CONAMA n. 1/86”, encerra.
A recomendação não possui caráter vinculante ou obrigatório, mas poderá embasar processo criminal, ação civil pública ou responsabilização pelos prejuízos ambientais.
Depois de notificado, o Governo do Estado deve informar o Ministério Público Estadual, dentro de 20 dias, se pretende ou não atender a recomendação e firmar um termo de ajustamento de conduta com o MPE.
Posição da Fealq
A respeito do contrato da Famasul com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo para embasar o nível permitido de desmatamento no Pantanal sul-mato-grossense. A Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) esclarece:
Conforme descrito na Cláusula Primeira, Parágrafo Segundo do contrato firmado: “à contratada caberá o gerenciamento financeiro dos recursos disponíveis para a execução do projeto” e como relatado no Parágrafo Primeiro da mesma Cláusula: “a execução do projeto será de responsabilidade de seu Coordenador”.
E o esclarecimento da Fundação de que, diante do objetivo elucidado no contrato firmado entre as partes de (…) “desenvolvimento do projeto “Exploração Ecologicamente Sustentável do Bioma Pantanal, do Ponto de Vista Econômico e Social, de acordo com a Lei Federal 12.651, Capítulo III, Art. 10”, com enfoque na avaliação dos impactos sociais e econômicos da execução, o projeto cumpriu com as 4 Etapas descritas na prestação do serviço.
*Matéria editada no dia 25 de agosto de 2023 para inclusão da posição da Fealq.