Nota técnica do Ministério do Meio Ambiente critica a legislação de Mato Grosso do Sul e a considera “permissiva” à destruição do Pantanal. O documento foi elaborado diante de denúncias de que as leis estaduais facilitam o desmatamento e a conclusão é de que o Governo Federal deve intervir para promover a regulamentação da “exploração ecologicamente sustentável” do bioma.
O órgão conclui que é necessária a atuação do Governo Federal tanto para regulamentar o artigo 10 do Código Florestal como para avaliar “medidas jurídicas cabíveis” para sustar os efeitos das normativas estaduais vigentes em Mato Grosso do Sul.
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O alerta foi feito pelo Instituto SOS Pantanal e pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), que informaram sobre a ausência de regulamentação a nível federal do artigo que trata da exploração sustentável de áreas de uso restrito nos pantanais brasileiros, inclusive no Pantanal.
Relatórios elaborados pelas entidades mostram que as normas estaduais de MS facilitam a derrubada de vegetação nativa para limpeza de pastos e drenagem de áreas úmidas.
Diante disso, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) fez uma análise dos documentos apresentados e elaborou uma nota técnica com sugestões de medidas para melhor fomentar a exploração ecologicamente sustentável no Pantanal.
Entre as conclusões está que as regras estaduais autorizam a drenagem de áreas úmidas, afetando as áreas mananciais na bacia hidrográfica do Alto Paraguai e a planície do Pantanal, afetando o pulso de inundação, que por sua vez pode gerar modificações na estrutura e composição da vegetação nativa.
“Neste contexto, se somam os incêndios florestais de grande proporção. Estes fatores, quando associados entre si e às mudanças do clima, poderão ser potencializados, desastrosos e irreversíveis tanto para o meio ambiente quanto para a economia”, avalia o relatório da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais, órgão do MMA.
“Nota-se permissividade das normas estaduais ao desbaste de árvores e arbustos para limpeza de pastos, assim como da supressão da vegetação nativa, que culminam em relevantes e crescentes taxas de desmatamento, aumentando as emissões nacionais de gases de efeito estufa e prejudicando a conservação da biodiversidade”, define.
“Caberá ainda a este Ministério propor e articular a regulamentação por meio de medidas jurídicas adequadas, a qual deve levar em consideração a diversidade ecológica e sua relação com o pulso de inundação no bioma, a bacia hidrográfica, os mecanismos de gestão local, estadual e federal, mas também a necessidade de viabilidade econômica e os mecanismos de fomento e de mercado que agregam valor às boas práticas de produção agropecuária no Pantanal”, avalia.
“Além disso, cabe uma avaliação das medidas jurídicas cabíveis para sustar as normativas estaduais, as quais estão vigentes e continuam produzindo efeitos e permitindo o aumento das taxas de desmatamento no bioma Pantanal”, finaliza a nota técnica de 21 de julho.
Abertura de inquérito civil
A conclusão é utilizada pelos promotores Luiz Antônio Freitas de Almeida e Luciano Furtado Loubet, da 34ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, na abertura de inquérito para investigar denúncia de possível omissão do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), em virtude da ausência do licenciamento ambiental, no desmatamento do Pantanal.
Em apuração preliminar, os promotores concluíram que “os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul editaram normas próprias, especialmente para a exploração de atividades econômicas no bioma. Tais normas, contudo, criam regimes jurídicos diferentes para uma mesma realidade ambiental e apresentam padrões protetivos muitos inferiores aos necessários à adequada preservação do Pantanal”.
Entre as normas de MS, está o Decreto Estadual n° 14.273, de 08 de outubro de 2015, que permite a supressão de 60% de vegetação nativa de campo e 50% de vegetação nativa florestal. A Embrapa, por sua vez, entende que a maior exploração sustentável nessa área seria de supressão de 35% da vegetação nativa.
Os promotores revelaram que a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), “entidade privada e com interesse representativo de classe”, contratou estudo de professores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo para embasar o nível permitido de desmatamento. No entanto, a Esalq afirma que o estudo não é de sua responsabilidade e não representa o posicionamento da instituição.
Recente estudo da Embrapa recomenda que a formação de pastagens cultivadas se realize em uma faixa entre 30 e 40% da área da propriedade “visando manter a heterogeneidade das paisagens, sua conectividade e a biodiversidade”.
Os promotores argumentam que o Decreto Estadual n. 14.273/15 contrariou a única recomendação técnica de órgão oficial de pesquisa, a Embrapa, “apoiando-se única e exclusivamente em um estudo contratado por uma entidade privada, representativa de um dos setores econômicos interessados, e elaborado por professores que não representam o entendimento oficial da ESALQ”.
O Ministério Público Estadual destaca ainda que, no Estado, apenas 64% das áreas com constatação de desmatamento potencialmente ilegal foram vistoriadas para fiscalização. E resolução da Semade dispensa o licenciamento para atividades agropecuárias, inclusive atividades de monocultura, e viola a legislação federal.
Recomendação
Além da abertura de inquérito civil, o MPE recomendou ao Governo do Estado e ao Imasul que “se abstenham de emitir quaisquer autorizações de supressão vegetal na área do Pantanal até que haja pronunciamento oficial de órgão de pesquisa, nos termos do art. 10 da Lei Federal n. 12.651/12, e a elaboração de uma Avaliação Ambiental Integrada para avaliar os impactos sinérgicos das atividades de supressão vegetal”.
“Que procedam ao embargo de todas as áreas de monocultura existentes no Pantanal que não possuam licença ambiental e, nas áreas superiores a mil hectares, que não possuam licença ambiental válida precedida de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)”, prossegue.
“Que não licenciem mais atividades de monocultura antes da realização de uma Avaliação Ambiental Integrada para avaliação dos impactos sinérgicos da monocultura no Pantanal e que, após sua realização, passem a exigir licenciamento ambiental de todas as áreas de plantio de monocultura no Pantanal, nos termos da Resolução CONAMA n. 237/97, o qual deverá exigir Estudo Prévio de Impacto Ambiental caso a área de plantio seja superior a mil hectares, conforme Resolução CONAMA n. 1/86”, encerra.
A recomendação não possui caráter vinculante ou obrigatório, mas poderá embasar processo criminal, ação civil pública ou responsabilização pelos prejuízos ambientais.
Depois de notificado, o Governo do Estado deve informar o Ministério Público Estadual, dentro de 20 dias, se pretende ou não atender a recomendação e firmar um termo de ajustamento de conduta com o MPE.