O Ministério Público Estadual denunciou um ex-diretor administrativo e financeiro do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS), em Campo Grande, e sócios da empresa Cirumed por participarem de um esquema que teria desviado R$ 12 milhões do hospital público. Os acusados simulavam compras fictícias de materiais hospitalares para embolsar os recursos dos cofres estaduais.
De acordo com a denúncia, protocolada em 24 de julho, o ex-diretor e coordenador de logística Rehder dos Santos Batista junto com três empresários ligados à Cirumed, de setembro de 2016 a dezembro de 2019, na gestão Reinaldo Azambuja (PSDB), emitiram 45 notas fiscais “simuladas” com informações falsas sobre a venda de produtos ao Hospital Regional.
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O esquema consistia na falsa compra de materiais hospitalares em quantidades “excessivamente elevadas e desproporcionais ao uso regular do hospital”, desprezando o histórico de consumo, sendo que estes nunca seriam utilizados. Isso porque os produtos nunca davam entrada no estoque do HRMS. Para isso, eram emitidos atestados falsos de recebimento, “dissimulando a baixa, e propiciando pagamentos por produtos jamais entregues” ao Hospital Regional.
Segundo apurado por investigação da 29ª Promotoria de Justiça na Operação Parasita, após a emissão das notas fiscais simuladas pelos empresários e o falso recebimento do material forjado diretamente ou por ordem do coordenador e diretor Rehder Batista, eram providenciados os pagamentos das ordens bancárias, de forma a efetivar o desvio de dinheiro público, que alcançou o montante atualizado de R$ 12.014.362,10.
“Ainda, para ocultar o desvio, logo após o registro falso do ingresso dos produtos, era operada a baixa simulada do estoque virtualmente criado. Essa baixa era feita mediante a transferência fictícia dos produtos médicos para local inexistente ou que não era destinatário do produto; ou mediante a anotação falsa de remessa a setores do hospital que não utilizavam e/ou não recebiam os produtos; ou mediante a transferência, a título de “empréstimo”, para a própria fornecedora Cirumed; ou ainda simplesmente este estoque virtual era “zerado”, atribuindo-se o código de contagem/produto não localizado”, relata a denúncia.
Em diligências no Hospital Regional, conforme informado por O Jacaré em dezembro de 2022, a promotoria constatou que não houve qualquer entrada destes materiais, muito menos solicitação direta ao almoxarifado.
Em resposta a ofícios do MPE, o HRMS também destacou, após levantamento interno, que estes produtos jamais deram entrada no hospital público, e muito menos foram destinados ao uso dos pacientes.
Ao todo, foram emitidas 45 notas fiscais simuladas e, em 38 ocasiões distintas, Rehder dos Santos Batista aproveitou para desviar o dinheiro público em proveito dele e dos empresários Aurélio Nogueira Costa, Clarice Alovisi Costa e Claudenir Donizete Comisso.
O promotor de Justiça Adriano Lobo Viana de Resende relata que, diante dos históricos e registros de consumo, se constatou que as quantidades supostamente adquiridas eram “excessivamente elevadas e desproporcionais ao uso regular do hospital”. Todas as irregularidades foram registradas em relatórios conclusivos da investigação.
Em análise das notas fiscais de compra da empresa Cirumed, enviadas pela Secretaria Estadual de Fazenda (Sefaz), com quebra de sigilo fiscal, também se comprovou que não houve aquisição desses produtos pela fornecedora, “demonstrando cabalmente a falsidade destas revendas ao HRMS”.
“De todo o exposto, conclui-se pela não entrega dos produtos relacionados nas notas fiscais acima ao HRMS, dada a inexistência de estoque ou aquisição, pela fornecedora, de quantitativo compatível com as supostas entregas”, resume Adriano Lobo Resende.
Encontros “obscuros” e viagens internacionais
O Ministério Público Estadual destaca que o esquema somente foi possível com a atuação “dolosa” dos empresários, que forjavam as notas fiscais, simulando a revenda de produtos inexistentes, assim como do diretor Rehder dos Santos Batista, que orquestrava toda a atividade de falsear o recebimento e a baixa dos produtos.
Claudenir Donizete é sócio minoritário da Cirumed e tem sociedade com Aurélio Nogueira Costa em outras duas firmas. O primeiro é o braço direito do casal de empresários e o gestor administrativo da empresa, sendo responsável por grande parte da manipulação dos estoques e falsidades, além de beneficiário do dinheiro desviado do HRMS e recebido via créditos bancários indevidos na conta de sua empresa.
A casa onde Claudenir vive, de alto padrão, foi comprada pelo casal Aurélio e Clarice Alovisi Costa, segundo a denúncia. A mulher é proprietária da empresa RCA Saúde, Comércio e Representações Ltda., ambas localizadas no mesmo imóvel, mesmo ramo de atuação, e com funcionamento conjunto e interligado, ora uma, ora outra figurando como contratada junto ao Poder Público.
Ainda, segundo consta da diligência e documentos obtidos no cumprimento do mandado de busca e apreensão, Clarice exerce o controle financeiro da Cirumed, sendo responsável por gerenciar os recebimentos do HRMS, movimentações bancárias, bem como pagamentos realizados por essa empresa.
Aurélio é sócio majoritário da empresa de produtos hospitalares e seria o maior beneficiário do dinheiro desviado, sendo o responsável pela articulação política junto aos agentes públicos para fins de fraudar e desviar o dinheiro destinado ao HRMS.
A investigação do Ministério Público Estadual apontou que Rehder Batista e o trio de empresários tinham relação estreita, com participações em encontros, jantares e até viagens internacionais.
Após o afastamento de Rehder da direção do hospital, Aurélio ligou para o colega de esquema para demonstrar sua preocupação com as investigações e oferecer conforto ao servidor público, conforme áudios obtidos pela apuração.
“Por mais, eram comuns os contatos mantidos entre o Diretor do HRMS REHDER com a empresária CLARICE, combinando encontros com o requerido AURÉLIO, inclusive na residência deste”, relata o promotor Adriano Lobo Resende.
“E além destes encontros obscuros, ainda há registros de viagens internacionais e a atrações onde estão juntos, denotando o comprometimento do agente público junto aos empresários beneficiários dos esquemas de desvio de dinheiro”, prossegue.
“Tudo isso ao mesmo tempo em que o Hospital Regional restava desprovido de insumos e produtos médicos a afetar o atendimento de pacientes do Sistema Único de Saúde deste Estado”, destaca o promotor de Justiça.
Na denúncia, o Ministério Público Estadual solicita liminar para indisponibilidade dos bens dos acusados, no valor de R$ 12.014.362,10, para garantir o ressarcimento integral aos cofres públicos em caso de condenação pela prática de improbidade administrativa.
Caso condenados, os denunciados devem perder os bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 anos.