Foi a expressão preocupada de uma jovem médica cubana que fez a cozinheira Sebastiana da Silva Fernandes suspeitar de algo grave relacionado ao diagnóstico de uma anemia persistente, que lhe rendia cansaço, dores, hematomas e feridas pelo corpo. O castelhano da médica não impediu o diálogo com a paciente que, na juventude, morou com o marido e dois filhos na Argentina.
“Já havia passado por outros médicos e ninguém entendia o que eu tinha, mas foi uma cubana bem novinha quem explicou ser algo errado no sangue. Ela percebeu as alterações no exame”.
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Até então, a falta de ânimo era interpretada pelos médicos que atenderam Sebastiana na unidade de saúde pública de Rio Brilhante como o caminho inerente à idade. Logo começaram as dores e a carência de um diagnóstico preciso seria um alívio, mas a cozinheira esbarrou na arrogância de uma das profissionais que a atendeu.
“Me queixei das dores e, no posto de saúde, pedi uma explicação para a médica que me atendeu. Ela disse que a busca pelo diagnóstico deveria ocorrer por minha conta. Lembro que ela olhou para mim e disse que eu deveria ir atrás do que estava me causando aquilo. Como sou uma pessoa simples, não respondi, fiquei triste, mas não consegui responder. Eu saí dali sem entender nada”.
Enquanto o tempo passava, o quadro de Sebastiana era agravado e a falta de respostas persistia. “Tinha as dores, o cansaço e começaram a sair umas feridas na minha pele. Foi quando recebi atendimento da médica cubana. Ela disse que minhas plaquetas estavam elevadas e usou outros termos médicos que eu não consigo repetir. Também explicou que me encaminharia para outro médico, um hematologista”.
Sebastiana precisou mudar de Rio Brilhante para Campo Grande
Para ter acesso à consulta com o hematologista, Sebastiana precisou percorrer 68,9 quilômetros de Rio Brilhante até o Hospital Evangélico, na cidade de Dourados. “Soube, assim, que tenho leucemia e comecei a fazer quimioterapia”. Ela não lembra quanto tempo durou até começar a receber os primeiros tratamentos, mas sabe que a quimioterapia foi iniciada em 2015, mas não tinha mais atendimento em Dourados e, agora, vive em Campo Grande, distante 150 quilômetros de Rio Brilhante.
Na Capital sul-mato-grossense, Sebastiana fixou residência no bairro Los Angeles e tem orgulho dos 500 metros de quintal recheados das frutas, das verduras e dos legumes usados para a alimentação diária. “Meus filhos encontraram essa casa para mim. Estou onde eu posso e consigo viver, eles me ajudam, meu filho mais velho limpa o quintal. Como tomates, folhas, goiabas e tangerinas plantadas aqui mesmo. São produtos muito bons”.
Há cerca de um ano, o cuidado familiar foi redobrado porque o tratamento está paralisado como forma de compreender a evolução da doença; “Essa foi a explicação dos meus médicos, na Santa Casa. Eu passo por novos exames e estou esperando por exames de neurologia marcados para setembro”.
A solicitação de mais um neurologista para o atendimento de Sebastiana ocorreu há quatro meses, quando ela sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral). “Precisei ficar quatro dias internada e parte do meu corpo ficou paralisada. Já melhorou um pouco, mas ainda tenho sequelas”.
Até essa etapa, todo o atendimento à cozinheira é feito pelo SUS (Sistema Único de Saúde), serviço que ela classifica como essencial, mas inconstante. “É o que temos e eu não posso reclamar, porque meu médico me atende muito bem e aquela médica cubana fez toda a diferença para eu estar aqui hoje. Acredito que há problemas com as pessoas mesmo, especialmente quem é responsável pelos atendimentos, porque não compreendem o que os pacientes sentem. Para os médicos e enfermeiros eu senti uma mudança, os que estão comigo me compreendem”.
Costureira lembra mau atendimento para conseguir exames
Sebastiana coleciona histórias de mau atendimento e destaca as últimas, após sofrer o AVC, como muito tristes. “Meu médico viu o resultado dos meus exames e precisou solicitar outros. Eu gostaria de saber explicar, mas não sei quais eram. Ele me disse que poderia fazer os exames dentro da própria Santa Casa e eu fui. Só que a pessoa que marcava os exames me atendeu muito mal, eu caí no chão, porque sinto muitas dores e minha pressão é alterada rapidamente”, relembra.
“Eu fiquei deitada no chão e a pessoa da marcação foi ver. Expliquei que havia sofrido um AVC e ela disse que todo mundo ali tinha sofrido AVC. Eu fiquei no chão, tive que esperar muito, fiz o exame, mas o horário do meu médico havia acabado e ele foi embora. Vou lá novamente, mas só consegui marcar para quase um mês depois”, relata.