A 11ª Turma, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, manteve a sentença de um homem condenado por manter um trabalhador em situação análoga à de escravo. A pena havia sido fixada em quatro anos de prisão no regime aberto e pagamento de multa, que foi substituída por prestação de serviços à comunidade.
De acordo com o processo, policiais militares flagraram, em junho de 2015, a vítima em condições degradantes e sendo submetida a trabalhos forçados, o que ocorria desde 1991. O dono da chácara localizada no Distrito da Furnas do Dionísio, em Jaraguari, contratou o trabalhador analfabeto para fazer cultivo de mandioca e tomar conta de seu imóvel.
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Durante os mais de vinte anos em que trabalhou para o denunciado, a vítima nunca recebeu nenhum salário ou remuneração, informou a polícia. O dono da chácara tomou os documentos pessoais do trabalhador, para que este não fosse embora. O denunciado tinha a posse da certidão de nascimento, do documento de identidade (RG) e do cartão do SUS.
Em sua defesa, o acusado alegou que a vítima morava em sua casa e era tratado como membro da família e que jamais o tratou como escravo, pois desfrutava “de liberdade e de ampla assistência material e afetiva”. Afirmou que embora o portão de entrada da chácara ficasse trancado com cadeado, nada impedia a vítima de sair.
Disse, também, que não havia contrato de trabalho e tampouco salário, pois se tratava de uma relação socioafetiva. E guardava os documentos a pedido do trabalhador. Ainda defendeu que a vítima “se encontrava naquela condição, era porque lhe dava prazer e porque gostava da situação, tanto que lá permaneceu vários anos”.
No entanto, com as provas apresentadas e depoimentos de vizinho e da vítima, o dono da chácara foi condenado pela 5ª Vara Federal de Campo Grande.
O homem então recorreu ao TRF3, que manteve a condenação, em acórdão do último dia 23 de junho.
“No caso dos autos, restou comprovada a submissão da vítima a condições degradantes de trabalho, face à privação de condições mínimas de higiene, alimentação e moradia, além de meios indiretos de cerceamento da sua liberdade, bem como em vista da ausência de qualquer remuneração pelos serviços prestados, o que denota desprezo à dignidade da pessoa humana”, relata o acórdão.
“Os policiais que se dirigiram à propriedade do Réu encontraram a vítima em condições parcas de higiene, abrigada em uma casa precária de madeira, sem chuveiro para banho, e em cuja geladeira havia apenas sobras de alimentos em situação imprópria para consumo, o que demonstra a caracterização de condições de trabalho que violam a dignidade do trabalhador”, prossegue.
“A autoria do Réu restou comprovada, destacando-se que, para além da prova testemunhal produzida, o próprio acusado, em seu interrogatório judicial, confirmou ser o proprietário da fazenda em que a vítima trabalhava, bem como o responsável pela manutenção do ofendido no local. Comprovado, ainda, o elemento subjetivo, consubstanciado no dolo, cuja aferição se extrai do exame de todas as circunstâncias do caso concreto”, continua.
“Há provas seguras, colhidas sob o crivo do contraditório, de que o Réu praticou, voluntária e conscientemente, a conduta que lhe foi imputada, impondo-se a manutenção da condenação”, finaliza.