Investigada na Operação Cascalhos de Areia, a empresa MS Brasil é um verdadeiro caso de sucesso. Em menos de quatro anos, sem funcionários ou estrutura de maquinários suficientes, a firma venceu licitações com as prefeituras de Campo Grande e Três Lagoas, faturando R$ 102,9 milhões, e passou dos R$ 50 mil de capital social para os R$ 3 milhões. O enriquecimento vertiginoso atraiu a atenção e entrou na mira do Ministério Público Estadual.
A MS Brasil iniciou suas atividades em setembro de 2011, registrada em nome de Edcarlos Jesus Silva e de sua esposa, Kathiuce Marques Fernandes, para atuar no ramo de serviços combinados de escritório e apoio administrativo. O capital social da empresa foi de R$ 50 mil até julho de 2017. Em fevereiro de 2021, o valor saltou para os R$ 3 milhões, um crescimento de 5.900%.
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Segundo o MPE, a firma ganhou sua primeira licitação de destaque em 2015, para executar serviços de limpeza e manutenção de vias públicas em Água Clara. Inicialmente, o contrato com o município seria entre novembro de 2015 a fevereiro de 2016, ao custo inicial de R$ 259 mil. No entanto, chegou ao total de R$ 3,7 milhões, em dezembro de 2020, por meio de diversos aditamentos.
Em março de 2017, “em contraponto ao ramo e ao histórico de atuação da empresa”, a MS Brasil foi vencedora de um pregão e conquistou R$ 15,5 milhões para locação de máquinas pesadas, caminhões, ônibus, veículos leves, e equipamentos para a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos de Campo Grande.
Assim como em Água Clara, o valor final do contrato ficou bem acima do estipulado, chegando a R$ 94,2 milhões. Naquele ano, a empresa apresentava apenas R$ 50 mil de capital social e, conforme o MPE, não possuía estrutura suficiente para prestar os serviços contratados.
“Assim, tem-se que a empresa MS Brasil conquistou licitação pública cujo valor global inicial era de R$ 15.506.400,00, havendo no decurso da vigência contratual, diversos aditamentos que elevaram o valor do contrato para R$ 94.258.100,45, no período em que ela contava com capital social de apenas R$ 50.000,00”, explica o Ministério Público Estadual, no inquérito da Operação Cascalhos de Areia.
Sete meses após assinar com a Capital, a MS Brasil também firmou contrato com a Prefeitura de Três Lagoas, no valor de R$ 8,7 milhões.
Ainda conforme o MPE, em consulta aos ramos de atuação historicamente cadastrados pela MS Brasil, foi apurado que até agosto de 2017, a empresa não era registrada para os ramos de atuação necessários para atender os objetos licitados e conquistados por ela no mês de março daquele ano com a Prefeitura de Campo Grande.
De acordo com o Detran-MS, a empresa possui atualmente cerca de 75 veículos cadastrados, a maioria caminhões. No entanto, o primeiro foi comprado em 2018, sendo apenas um único, outros 16 em 2019, mais 16 em 2020, e 13 em 2021, somando 46 caminhões ao longo destes anos.
A MS Brasil sequer possuía funcionários vinculados a ela antes de novembro de 2015, quando iniciou o contrato com a Prefeitura de Água Clara. Destaque também para a inexistência de funcionários cadastrados em funções específicas e necessárias para a execução do contrato firmado com a Secretaria de Infraestrutura da Capital, aponta o MPE.
“Em resumo, o histórico trabalhista da empresa faz referência à contratação de apenas três motoristas de veículo pesado (caminhão) no ano de 2018”, diz o Ministério Público. “Como demonstrado, até o ano de 2016, a empresa atuou, ao menos em relação a licitações públicas, em ramos relacionados ao fornecimento de materiais de consumo e de limpeza urbana”.
Ganhou os contratos, mas outra empresa fazia os serviços
Diante dessa situação discrepante, os promotores de Justiça Humberto Lapa Ferri e Adriano Lobo Viana de Resende suspeitam que a MS Brasil terceirizou para outras empresas os serviços conquistados com as prefeituras. Esta é apenas uma das investigações no escopo da Operação Cascalhos de Areia.
Entre os indícios de irregularidades, os promotores apontam que houve transferência de R$ 4,6 milhões da MS Brasil para a A.L dos Santos, do empresário André Luiz dos Santos, o André Patrola.
“Podendo indicar que André Luiz possa atuar como fornecedor de veículos e maquinários e/ou possua participação oculta na execução dos objetos conquistados pela empresa MS Brasil”, argumentam.
Ainda sobre a licitação com a Prefeitura de Campo Grande, a MS Brasil conquistou dois lotes, e a empresa JR Comércio e Serviços conquistou catorze. Esta última é atualmente registrada em nome de Adir Paulino Fernandes, sogro de Edcarlos Jesus Silva, sendo que este atuaria como responsável ou sócio oculto da firma do pai da esposa.
Ao fim desta parte das investigações, os promotores de Justiça demonstraram que a MS Brasil no período entre julho de 2017 a fevereiro de 2018, mesmo aparentando não possuir estrutura, e em total desconformidade com a sua atuação histórica, a empresa conquistou contratos com as prefeituras de Campo Grande e de Três Lagoas, no valor global de R$ 102.971.200,90.