Albertino Ribeiro
A lógica capitalista é bem clara: existe um conflito distributivo que rege a existência desse sistema dominante no mundo. Não quero nestas linhas – para decepção dos meus amigos de esquerda – fazer juízo de valor e dizer que o capitalismo é o grande mal da humanidade; não, o objetivo não é este. Mas é importante lembrar que o sistema não é perfeito e gera muita desigualdade. “E qual a solução?” Tratar seus efeitos colaterais.
De acordo com o liberalismo econômico, o mercado se autorregula. Em certa medida, isso até pode acontecer, mas o ponto de equilíbrio deste ente auto regulável não significa que todos (patrão e empregado) saem ganhando. Trata-se de um equilíbrio bem obliquo, pendendo mais para o lado daqueles que detém os meios de produção.
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Sendo assim, na visão dominante, as relações entre enfermeiros (empregados) e hospitais/clínicas (patrões) estavam conforme os ditames do equilíbrio de mercado. Entretanto, para a ocorrência deste equilíbrio, o arrocho salarial seria condição “sine qua non”. Para ter uma renda melhor, os enfermeiros são obrigados a dobrarem o seu turno e fazerem plantões insanos para ganhar um salário digno de suas funções.
A pandemia, embora tenha sido um desastre humanitário, teve um efeito colateral positivo para os profissionais de saúde, pois os deixou em evidência. Esta evidência reacendeu a discussão do projeto sobre o piso da enfermagem, que estava parado no Congresso desde o ano do seu ingresso, em 1989.
A Lei 14.434, que estabelece o piso de R$ 4.750,00 para a categoria, vai de encontro ao pensamento de direita, que é contra a intervenção do Estado na economia. Segundo esta visão de mundo, o equilíbrio em que se encontra a política salarial do mercado de trabalho dos enfermeiros não deveria ser alterado, pois resultará em sérias complicações para o setor.
Trata-se de um grande exagero, pois este mercado se deixado livre, ao arbítrio do acaso, continuará transformando muitos enfermeiros em portadores da síndrome de burnout – doença que provoca esgotamento físico e exaustão extrema; acomete mais os profissionais da saúde; uma morbidade que compromete, inclusive, a produtividade do setor.
Contudo, o mercado não faz essa leitura; é como se ele fosse uma inteligência artificial presa, exclusivamente, aos seus algoritmos de acumulação. E é por isso que o Estado se torna um agente desejável e eficaz para desobstruir os vasos que podem transportar nossa economia para um estado de justiça social. Nosso sistema sofre de uma doença crônica, mas um Estado regulador pode manter as coisas sob controle.
E o enfermeiro de direita?
Quanto ao enfermeiro de direita, se ele acredita fielmente na doutrina do liberalismo econômico, ele está numa situação muito conflitante, próxima à esquizofrenia, cuja etimologia significa “mente partida”.
Ele sabe que precisa de uma maior valorização do seu salário, o que lhe permitirá passar mais tempo com a família. Hoje os múltiplos plantões não permitem esse privilégio. No entanto, como negar sua essência? Para ele o mundo seria mais saudável se não existisse o Estado. “Como posso ser contra algo que trará mais qualidade de vida para minha família?”
Se nosso amigo procurar um médico psiquiatra, o ideal é que este profissional seja de esquerda. Um profissional capacitado, tanto no reconhecimento da importância dos medicamentos – que podem regular nossa carência de neurotransmissores -, como também no reconhecimento da importância do Estado para equilibrar as relações econômicas de maneira saudável e justa.