Mato Grosso do Sul lidera entre os estados com maior quantidade de famílias de políticos com fazendas em terras indígenas (TIs), segundo levantamento do observatório De Olho nos Ruralistas. Das 42 áreas incidentes em TIs cujos titulares são políticos, ou seus parentes de 1º grau, 17 estão no Estado.
O observatório aponta o caso da família do ex-governador Pedro Pedrossian como “ilustrativo”. O clã está em sua terceira geração de políticos com o deputado estadual Pedrossian Neto (PSD), eleito em 2022. Pecuarista e criador de gado Nelore, o ex-chefe do Parque dos Poderes era dono da Fazenda Petrópolis, com 2.250 hectares. Dados do Incra mostram que 1.172,81 hectares avançam sobre a TI Cachoeirinha.
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Pedrossian morreu em 2017 e o imóvel passou para as mãos dos filhos, Pedro Paulo Pedrossian e Regina Maura Pedrossian. Ambos figuravam em diversas ações de reintegração de posse contra as retomadas do povo Terena, impetradas entre 2008 e 2018, reivindicando a remoção de famílias que ocupavam partes da fazenda.
Pedro Paulo é pai do deputado estadual Pedrossian Neto. Sócia na fazenda e na Agropecuária Petrópolis, Regina doou R$ 1 mil à campanha de Bolsonaro em 2022.
Segundo Pedrossian Neto, as fazendas foram demarcadas em 1904 por Marechal Rondon, mas um estudo antropológico resultou em uma portaria que criou um grupo de trabalho para ampliar a propriedade. Isso fez com que a família contratasse antropólogos para estudar a história da terra.
“Após o estudo, vimos que em 1897, há muito tempo no passado, aquela terra foi concedida pelo Império, a uma outra família. Tinham mais de dez donos antes da gente. Nós compramos por boa fé e agora temos que pagar por um crime que ocorreu em 1897”, relatou Pedrossian Neto ao site Campo Grande News.
O dossiê “Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas” mostra a participação direta de outros políticos sul-mato-grossenses. O deputado estadual Zé Teixeira (PSDB), o ex-secretário e ex-deputado Ricardo Bacha (Cidadania) e a advogada Luana Ruiz, com trânsito livre na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), protagonizam conflitos territoriais com os povos Guarani Kaiowá e Terena, segundo o observatório De Olho nos Ruralistas.
Ao Campo Grande News, Bacha diz que não tem mais nenhuma influência política. “Eu fui deputado, há muitos anos atrás. Não tenho mais poder político, mas se quiserem me classificar assim, não posso fazer nada”, explicou.
Ele afirma que a terra foi comprada em 1927 pelo seu avô. “Se o Governo quiser a terra, nós estamos abertos a vender. Agora, se o Governo quiser dá-las aos indígenas, é uma decisão por parte deles. A terra é da União”, diz Bacha.
Personagem central do filme “Vento na Fronteira”, Luana Ruiz é herdeira dos proprietários da Fazenda Fronteira, que se sobrepõe à TI Ñande Ru Marangatu e foi palco dos assassinatos de Simião Vilhalva, em 2015, de Dorvalino da Rocha, em 2005, e de Marçal de Souza Tupã-i, em 1983.
Ela foi chamada em 2018 para integrar a equipe de transição do governo Bolsonaro, a pedido de Tereza Cristina. E assumiu o posto de secretária-adjunta de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, logo abaixo do ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia.
Luana Ruiz atua em ações de reintegração de posse e processos que contestam a demarcação de terras indígenas com base no marco temporal. Ao todo, De Olho nos Ruralistas identificou 17 proprietários de fazendas sobrepostas a TIs que foram representados judicialmente pela advogada. Dois deles doaram à campanha da advogada para a Câmara, em 2022 pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que ficou com a suplência.
“A minha carreira política e o problema agrário que minha família enfrenta não possuem relação. Esse problema já existe há 25 anos”, declarou Luana ao Campo Grande News.
Outro político de MS que aparece no relatório é Zé Roberto Arcoverde (MDB), vice-prefeito de Iguatemi, tendo sido chefe do Paço Municipal por dois mandatos. A irmã dele declara quase 2 mil hectares sobrepostos à TI Iguatemipeguá I, do povo Guarani Kaiowá, no município.
Zé Roberto afirma que seu pai adquiriu a área em 1968 de antigos donos. “Meu pai é médico e comprou em 1968. Nós herdamos após a morte dele, eu tenho uma quarta parte. Essa relação entre a política e a propriedade da terra nunca existiu”, contou ao Campo Grande News.
O dossiê do observatório aponta Mato Grosso do Sul como estado onde há maior desigualdade fundiária do país, com 92% das terras agrícolas em mãos privadas, liderando o ranking geral de sobreposições de fazendas em terras indígenas registradas pelo projeto “Os Invasores”: acumula 630 dos 1.692 casos analisados.
O deputado estadual Zé Teixeira também tem destaque na publicação. O observatório diz que o parlamentar, que está em seu sétimo mandato, nunca negou o conflito territorial entre sua Fazenda Santa Claudina, um imóvel rural de 4.323,592 hectares, localizado em Caarapó, e a TI Guyraroká.
Teixeira é o deputado mais rico do Mato Grosso do Sul, com um patrimônio de R$ 46,4 milhões. Em 2014, o procedimento administrativo de demarcação da TI Guyraroká foi anulado pelo STF, acolhendo a tese de produtores rurais da região — entre eles, Zé Teixeira — de que os indígenas só teriam direito ao território se pudessem comprovar sua ocupação ininterrupta desde 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.
O processo da TI Guyraroká foi reaberto em 2021 e se tornou um caso de repercussão geral, assim como o da TI Ibirama-La Klãnõ, em Santa Catarina.
O dossiê “Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas” foi publicado no último dia 14 de junho. O relatório foi elaborado a partir do cruzamento das bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O relatório está disponível na íntegra aqui.