Sem um tostão, Marilza Helena Bissoli Medeiros decidiu recorrer a um empréstimo para trocar a vida de bancária pelo próprio negócio, vender obras de artes. Com determinação, persistência e garra, ela abriu a loja Mundo dos Quadros na Rua 13 de Maio, no Centro da Capital, no dia 2 de setembro de 1971.
Até hoje, mais de meio século depois, ela ainda mantém o negócio, uma raridade no Brasil. A façanha pode ser considerada ainda maior por sobreviver da venda de quadros em meio as intempéries da economia brasileira, marcada pela inflação galopante, trocas de moedas e juros extorsivos.
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Para sobreviver a tantos percalços, a empresária tem a receita na ponta da língua: o fundamental é atendimento com qualidade e preço justo. E completa que é preciso persistência e amor pela profissão. Aliás, o prazer pela venda de obras de arte é tanto que mantém a comerciante na ativa ainda hoje, por 10 horas por dia, das 8h às 18h, de segunda a sexta e aos sábados, até meio-dia.
“Penso em parar, mas depois penso, gosto de trabalhar. Parar pra que?”, questiona-se. Graças ao empreendimento, ela conseguiu criar as duas filhas.
Ao longo das cinco décadas, Marilza enfrentou os altos e baixos de qualquer empresário no Brasil. Nos anos 80, a taxa de inflação brasileira era acima de 100% ao ano. Em 1990, o índice chegou aos inacreditáveis 2.947%. “Cada dia era um preço”, relembra. Ela conta que as obras perdiam o valor rapidamente.
Uma das maiores crises que enfrentou foi o plano econômico do então presidente Fernando Collor de Mello, início dos anos 90, que confiscou a poupança dos brasileiros. Marilza frisa que perdeu o dinheiro para realizar novos investimentos e viu as vendas de quadros e obras de arte despencarem. Sem dinheiro, os clientes deixaram de investir em decoração e agravaram a crise..
A empresária teve pontos altos ao longo da sua história. Marilza chegou a contar com quatro lojas e duas galerias de arte na Capital. “Eu realizava um leilão de arte por semana”, lembra. Além de revelar os talentos das artes, ela trabalhava com os artistas mais renomados da Capital.
“Por muitos anos, eu dei aulas de pintura e passaram, por aqui, muitos artistas de renome”, conta. Marilza tinha o hábito de realizar exposições para apresentar os novos artistas à sociedade campo-grandense.
Os tempos áureos ficaram no passado. No entanto, o negócio não só sobrevive, como mantém clientes cativos de décadas. Em alguns casos chega a atender três gerações, mãe, filha e neta.
A loja ficou menor, mas segue firme, mesmo diante dos desafios dos novos tempos, como falta de mão de obra qualificada e de uma concorrência acirradíssima. O número de funcionários foi reduzido drasticamente, de 12 para três. No entanto, um dos quadrinistas está na empresa há mais de duas décadas. “A persistência segura o comércio de porta”, avalia.
A tecnologia também evoluiu muito em meio século. Quando Marilza abriu a loja, o telefone era apenas fixo e tinha quatro números (x-xxx). Atualmente, o telefone não só tem oito números, como existem outras opções de comunicação para propagar o negócio, como os aplicativos de mensagens e as redes sociais.
“Todo sacrifício valeu a pena”, conclui a empresária, ao fazer um balanço do negócio. Marilza se arrisca, após muita insistência, a elencar a receita do sucesso. O primeiro conselho é garra e determinação. O segundo é ter controle do dinheiro e ser prático. “Eu tinha um objetivo, construir o negócio”, lembra.
“O cliente é meu patrão, dali sai o meu sustento”, repete a vendedora de quadros, para deixar claro porque prioriza o bom atendimento no estabelecimento.
Para o economista Eugênio Pavão, a longevidade de uma empresa em um setor como obras de arte, que não seja vestuário e alimentação, é muito rara. Na sua avaliação, o negócio só sobreviveu a tanto tempo graças ao “sucesso pessoal e carisma”, da empresária.
O pequeno negócio resistiu ainda, graças ao bom atendimento e consumidores amigos. “E principalmente um trabalho de qualidade e preços na média do mercado”, diz.