O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, inocentou o ex-prefeito Nelsinho Trad (PSD), seu ex-diretor-presidente da Agência de Regulação e a empresa Águas Guariroba de improbidade administrativa. Eles foram acusados de adiar reajustes na tarifa na véspera de eleição, que depois resultou em aumento de 15,53% nas contas de água dos campo-grandenses em 2009.
Considerado abusivo, o tarifaço dobrou o lucro da Águas Guariroba, que teve a taxa interna de retorno ampliada de 17,27% para 30,73%, de acordo com a denúncia do Ministério Público Estadual. O início do imbróglio, porém, remonta aos anos de administração de André Puccinelli (MDB) na Capital.
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A história começou com o contrato de concessão, firmado pelo emedebista, em outubro de 2000. O acordo previa que a tarifa de esgoto subiria 10 pontos percentuais a partir do sexto ano, passando de 70% até ser equiparada com a tarifa de água.
A concessionária do serviço cobrou o cumprimento do contrato em 2007, 2008 e 2009. No entanto, Nelsinho iria disputar a reeleição em 2008 e não pretendia ir para a disputa como o prefeito que elevou a tarifa de esgoto de 70% para 90%.
Após Trad conquistar a reeleição, a Águas cobrou, em 2009, a equiparação da tarifa e o reajuste extra de 3,5% para garantir o equilíbrio econômico-financeiro previsto no contrato de concessão.
O então prefeito e o presidente da Agência Municipal de Regulação, Marcelo Luiz Bonfim do Amaral, decidiram propor uma alternativa. Ao invés de elevar a tarifa de esgoto, que atingiria somente 94,1 mil imóveis, eles decidiram promover reajuste de 15,53% na conta de todos os 230 mil clientes da concessionária, inclusive sobre as taxas e serviços.
Em contrapartida, a empresa aceitou manter a tarifa de esgoto em 70% até o fim do atual contrato, em 2030. Caso elevasse o percentual do esgoto para 100%, o aumento na conta de água seria de 17,2%.
O Ministério Público ainda apontou outra irregularidade. A taxa interna de retorno deveria ser de 17,21%. Pelo contrato, esse é o índice garantido à empresa no contrato de concessão. Se o percentual ficar menor, a prefeitura deve, automaticamente, elevar a conta de água para compensar o investimento da concessionária.
Só que a perícia realizada a pedido do MPE constatou que a empresa contabilizou duas vezes, como despesa, o patrimônio líquido de R$ 55 milhões. Com esta manobra contábil, a taxa de retorno ficou em 17,21%. No entanto, se for desfeito o erro, a TIR chega a 30,73%, praticamente o dobro do previsto em contrato.
Na prática, para o consumidor de água, a conta ficou 26% mais cara. Na época, em 2009, o metro cúbico deveria custar R$ 2,30, mas ficou estabelecido em R$ 2,90. Se fosse desconsiderar outros valores, a conta seria ainda menor, de R$ 1,99.
A ação foi protocolada na Justiça por determinação do Conselho Superior do Ministério Público, que rejeitou a proposta para arquivar o pedido e considerou haver indícios graves de improbidade administrativa, em 2015.
Ao contrário do que alega o MPE, Nelsinho Trad e Marcelo do Amaral negaram que tenham cometido qualquer irregularidade no reajuste de 15,53% em 2009. Na realidade, afirmam que a medida foi favorável aos clientes da concessionária. Em troca do reajuste, a empresa concordou em manter a tarifa de esgoto em 70%. Caso cumprisse o contrato, deveria elevar para 100%.
Quase oito anos depois, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa levou em consideração mudanças na Lei de Improbidade Administrativa ocorridas em 2021, aprovadas pelo Congresso, com voto favorável do agora senador Nelsinho Trad, e sancionadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para inocentar os réus.
Entre os incisos do artigo 11 revogados em 2021, está o que apontava a ação de “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício” como conduta punível por improbidade administrativa.
“Assim, como o artigo 11 da Lei nº 8.429/92 passou a contar com rol taxativo das condutas aptas a configurar ato de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da administração pública e tendo em conta que houve a revogação do inciso II, bem como que não mais é possível a condenação do agente com amparo em dolo genérico e no caput do referido dispositivo, incabível condenação dos requeridos ante a ausência dos requisitos para a configuração do ato de improbidade administrativa”, relata o magistrado.
Desta forma, como não ficou comprovado o dolo por parte dos acusados e o ato de “retardar ou deixar de praticar” atos de ofício não consta mais na lei de improbidade, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa julgou improcedente a denúncia e inocentou Nelsinho Trad e Marcelo Luiz Bonfim do Amaral, em sentença publicada nesta terça-feira (30).