A “rivalidade política” entre os advogados Mansour Elias Karmouche e Jully Heyder da Cunha Souza foi parar no Judiciário. O ex-presidente da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil) não gostou de uma postagem do colega com críticas a sua gestão e o uso do termo “energúmenos”. O descontentamento foi tamanho que o fez entrar com uma queixa-crime por injúria.
A treta teve início em 1º de julho de 2021, quando Jully Heyder fez a seguinte postagem no seu perfil do Facebook: “Parabéns ao presidente da OAB/MS, que se negou a lutar pelos advogados por pura politicagem. O mérito é todo seu! Deu às costas à advocacia apenas porque a Rachel Magrini, sua adversária política, se antecipou no pedido de prioridade para os advogados.”
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“Isto é o exemplo da politicagem nefasta que tomou conta da OAB. Seu pupilo, Bito, candidato da situação, foi na mesma linha, adotando discurso de que é o contra privilégios… Ora, privilégio!!! Estamos falando de segurança para quem está no dia-a-dia, exposto ao vírus…. Estamos falando de preservação de vidas dos advogados. Tomem vergonha, seus energúmenos!!!”, finaliza.
Mansour Elias Karmouche considerou os termos utilizados como ofensa a sua honra e registrou a postagem em cartório para atestar a autenticidade da publicação.
“Vale frisar que o querelado [Jully] é recorrente em proferir injúrias, as mais diversas, por meio de suas redes sociais, à figura do querelante [Mansour], tendo inclusive no dia 7 de junho de 2021, ofendido o querelante ao chamá-lo de “debilitado” entre outras ofensas. Assim, exsurge a imperiosidade da propositura da presente queixa-crime, a fim de que seja punido o ofensor”, relatou o advogado de Karmouche no processo.
Houve proposta de conciliação, mas sem sucesso. O Ministério Público Estadual opinou pela improcedência da queixa-crime, porque as provas colhidas demonstraram que a “postagem foi realizada num contexto de desabafo político”.
A defesa de Jully Heyder afirmou que a palavra utilizada “representa bem o momento que nós vivíamos e, ao contrário do que sustenta a queixa-crime, o termo energúmeno, na verdade, ficou claro até pelo depoimento do querelado nessa audiência, que ele se referia a simples vontade de não fazer algo pela presidência da OAB naquele momento porque a oposição é que havia instado-o a fazê-lo”.
“O fato dele não ter utilizado o nome do doutor Mansour na postagem mostra bem que a crítica foi uma crítica institucional a presidência, a instituição presidência, da ordem dos advogados”, argumenta.
A defesa afirma ainda que a manifestação ocorreu em um contexto “dentro do absoluto direito de crítica da posição”, poucos meses antes da eleição dos novos dirigentes da Ordem dos Advogados de MS, da qual Bitto Pereira saiu vencedor para presidente.
“A crítica não teve qualquer caráter injurioso, caráter de ofensa a honra da pessoa do doutor Mansour e, sim, a figura do presidente que ele estava investido naquele momento, portanto, é caso inegavelmente de absolvição e da rejeição da queixa-crime apresentada”, conclui a defesa.
A juíza Eliane de Freitas Lima Vicente, da 10ª Vara do Juizado Especial Central, verificou que o “imbróglio” ocorreu antes da disputa eleitoral e que as partes são “reconhecidamente combativos em seus posicionamentos”.
A magistrada considera que a conduta de Jully Heyder merece repúdio, mas não configurou injúria, e ainda fez um alerta. “Tendo em vista o uso de expressões que não devem fazer parte do vocabulário de um advogado, esperando-se que não venham a se repetir, exigindo-se uma forçada mudança de postura de sua parte”, com grifo feito pela mesma.
“Em razão das circunstâncias pelas quais foram proferidas, não se mostram hábeis para a caracterização da infração ofensiva, mesmo porque, como reconhecido pelo representante do Ministério Público Estadual atuante no processo, não houve direcionamento pessoal ao Querelante”, afirma a juíza.
“Portanto, restou suficientemente demonstrado que as expressões proferidas pelo Querelado não teriam sido dirigidas especificamente ao Querelante. A crítica teria sido dirigida à organização diretiva (presidência) da OAB e não à pessoa de seu presidente, tanto que o Querelado não cita nominal ou diretamente o querelante, tendo direcionado sua fala à Direção ou grupo diretivo de forma geral, usando a expressão combatida no plural. Portanto, não há falar em ofensa à honra ou à reputação do Querelante, já que a crítica não foi, direta ou reflexamente, a ele direcionada”, prossegue.
“Ademais, sob o ponto de vista da tipicidade subjetiva, não se demonstrou que ao proferir as expressões, o querelado preordenou imputar fato ofensivo à reputação do Querelante, apenas traduziu seu posicionamento contrário à forma que imputa à (des)organização dos trabalhos da presidência da OAB (em especial quanto ao evento “vacinação preferencial dos advogados”), como ente impessoal (despersonalizado), não obstante estar à época sob o comando do Querelante”, define.
“Conclui-se que, objetivamente, a expressão utilizada pelo Querelado se encontra abrangida pela classificação de imprópria, deselegante, desnecessária e descabida, ao passo que, subjetivamente, dela não se extrai a intenção dolosa de ofender, presente o contexto em que se deram. Dessa forma, acolho o entendimento do douto representante ministerial por não vislumbrar, pela prova produzida, dolo especifico na conduta do Querelado”, afirma a juíza Eliane de Freitas Lima Vicente.
“Desse modo, conclui-se que não havendo o dolo específico e nem a comprovada individualização da vítima, não há se falar em crime de injúria”, decide a magistrada, para julgar improcedente a queixa-crime e inocentar o advogado Jully Heyder da Cunha Souza, em sentença publicada no início deste mês de maio.