Na primeira sentença da Operação Grãos de Ouro, o juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, condenou quatro pessoas, sendo dois servidores aposentados do fisco estadual, um contador e um técnico de contabilidade. Eles foram condenados a penas de dois a quatro anos e cinco meses por corrupção ativa e passiva.
O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) denunciou 58 pessoas pelo suposto desvio de R$ 44,8 milhões dos cofres estaduais por meio de um esquema de sonegação de tributos estaduais por meio da venda de grãos. O magistrado dividiu o processo em quatro ações para julgar por núcleos.
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O técnico fazendário Moacir Antônio Marchini e o contador Anderson Aparecido Costa foram condenados a maior pena, quatro anos e cinco meses de reclusão no regime semiaberto e sem direito a substituição. O agente fazendário Airton de Araújo e o técnico em contabilidade Nilton Aparecido Alves foram condenados a penas menores. O primeiro foi punido com dois anos e quatro meses, enquanto o segundo a dois anos.
Por falta de provas, o magistrado absolveu o empresário Adilton Cirico e contador Edirson José Bezerra. Araújo foi inocentado da acusação de lavagem de dinheiro, porque o magistrado considerou procedente a tese da defesa, de que ele tinha R$ 70 mil em casa porque vinha sacando o dinheiro da conta bancária para evitar bloqueios e tinha renda, com salário de R$ 38 mil, para comprar dois carros Fiat Toro (R$ 117 mil).
“Em suma: a prova colhida é suficientemente clara a fim de demonstrar o envolvimento real, concreto e efetivo dos corréus Airton, Moacir, Anderson e Nilton nos delitos de corrupção passiva e corrupção ativa, não tendo a mesma força e nem produzindo o mesmo efeito, todavia, com relação aos crimes de lavagem de dinheiro no que tange aos réus Airton e Adilton e, em relação ao réu Edirson, quanto ao crime de corrupção ativa os quais, com base no princípio do indubio pro reo, devem ser absolvidos”, concluiu o magistrado na sentença publicada nesta quarta-feira (24).
Ao longo do despacho, o juiz analisa as interceptações telefônicas do Gaeco e as versões dos réus. “Nesse item, a materialidade dos crimes bem como sua autoria estão comprovadas nos autos mediante a interceptação telefônica ocorrida na data de23 de abril de 2018 (fls. 110-111) na qual houve a solicitação expressa do réu Moacir de vantagem indevida e o seu oferecimento por parte do réu Nilton”, descreveu, sobre o pedido de propina para reduzir o ICMS de 17%.
“Ao revés, o diálogo ocorreu entre um profissional de contabilidade, Nilton, e um funcionário público da SEFAZ, Moacir, sobre a possibilidade de se negociar a diminuição da alíquota de 17% de ICMS, logo após o particular ter se queixado do alto valor que teria que pagar – possibilidade essa que o próprio réu Nilton, quando ouvido no âmbito da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, reconheceu ter sido ilegítimo, ao depor que ‘a menção aos dezessete por cento de tributação talvez não tenha caído muito bem aí’”, destacou Ferreira Filho.
“Ademais, não prospera a tese defensiva do réu Moacir de que o crime lhe imputado necessita da efetiva prática do ato de ofício, já que o delito de corrupção passiva é de natureza formal consumando-se ‘com a solicitação ou o recebimento da vantagem indevida (…) não sendo imprescindível que o agente venha a praticar o ato funcional’, o que ocorreu no caso em apreço”, observou.
“Destarte, restou comprovado que Moacir, servidor público estadual da Secretaria de Fazenda do Estado de Mato Grosso do Sul, praticou o crime do artigo 317, caput, do Código Penal, pois solicitou para si, diretamente, vantagem indevida em razão de sua função pública e que o particular Nilton praticou o crime do artigo 333, caput, CP, pois ofereceu tal vantagem ao funcionário público ao anuir coma negociação proposta por Moacir”, frisou o juiz.
“Por exemplo, no interrogatório judicial Anderson afirmou que já solicitara algumas vezes para Moacir a realização de algumas diligências de seus clientes, citando o pedido de buscar processos em outra cidade, e que o remunerava com os valores que aqueles lhe pagavam, afirmando também essa situação quando depôs na Comissão de Processo Administrativo Disciplinar (fl. 860) e disse que ‘algumas vezes o servidor fez pequenos serviços para o depoente, como ir à Prefeitura de Campo Grande e à Junta Comercial. Que nessas situações a testemunha cobrou se deu cliente o valor da diligência e repassou a Moacir’”, relatou.
“Desta forma, a análise conjunta dos fatos acima enumerados leva à conclusão de que os réus Moacir e Airton receberam vantagem indevida para a diminuição de impostos, o que demonstra, claramente, a consumação do crime do artigo 317, caput, Código Penal”, afirmou.
Sobre o agente fazendário, o juiz destaca conversas em que ele se mostra disposto a colaborar e que as negociações teriam sido feitas no telefone pessoal do servidor. Roberto Ferreira Filho citou que não houve protocolo nem conversa pelo telefone funcional do funcionário público.
“As diversas conversas interceptadas mostram que o réu Airton sempre foi acessível a realizar ‘favores’ aos contribuintes:
A) fl. 446 ‘dar uma olhadinha com carinho numa guia (…) pede para Airton tentar melhorar (…) ‘ai você dá uma olhadinha fazendo favor vê oque que pode baixar ai’;
B) fl. 448: ‘pede pra Airton dar uma olhadinha, ver se dá para dar uma melhorada para eles lá?’;
C) fl. 452: ‘Airton pergunta para HNI se conhece o chefe do posto lá de Jupiá, HNI fala que é um novato, sabe quem é mas não conhece e pergunta o que foi; Airton fala que uma funcionária que foi em SP e trouxe uma mercadoria sem nota fiscal e prenderam e pede apenas para amenizar a multa’”, pontuou o juiz, sobre as interceptações destacadas pelo Gaeco.
A pena de Airton será substituída pelo pagamento de dez salários mínimos e a prestação de serviços à comunidade. Nilton vai pagar quatro salários mínimos e também prestar serviços. O juiz negou o pedido para a perda do cargo público porque os dois servidores são aposentados.
Eles poderão recorrer da sentença.