O Ministério Público Estadual se manifestou a favor da condenação do deputado estadual Rafel Tavares (PRTB) por incitar a discriminação ou preconceito contra negros, gays e outras minorias. O parlamentar virou réu após comentário feito em uma rede social durante a campanha eleitoral de 2018.
Conforme parecer do promotor Paulo César Zeni, da 67ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, “há elementos nos autos que comprovam a prática do crime” pelo deputado em sua declaração. E cita como precedente o caso do do ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal à prisão por discurso de ódio.
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“Materialidade e autoria estão provadas com abundância pelas evidências que instruem os autos, merecendo destaque o boletim de ocorrência, as cópias das publicações do réu na rede social Facebook, a manifestação registrada na Ouvidoria do MPMS , o depoimento de EZEQUIAS FREIRE MILAN na fase policial, bem como os depoimentos testemunhais e interrogatório colhidos em sede judicial, que corroboram a documentação colhida na fase policial”, defende o promotor de justiça.
Durante o inquérito policial e depoimento em juízo, Rafael Tavares confirmou que fez o comentário, mas negou ter praticado o crime sob o argumento de ter dado sua opinião de forma irônica e sem dolo.
“Não vejo a hora do Bolsonaro vencer as eleições e eu comprar meu pedaço de caibro para começar meus ataques. Ontem nas ruas de todo o país vi muitas famílias, mulheres e crianças destilando seus ódios pela rua, todos sedentos por um apenas um pedacinho de caibro para começar a limpeza ética que tanto sonhamos! Já montamos um grupo de WhatsApp e vamos perseguir os gays, os negros, os japoneses, os índios e não vai sobrar ninguém. Estou até pensando em deixar meu bigode igual (o) do Hitler. Seu candidato coroné não vai marcar dois dígitos nas urnas, vc (você) já pensou no seu textão do face para justificar seu apoio aos corruptos no segundo turno?”, respondeu Tavares em um comentário e que, posteriormente, o levou a ser acusado pelo Ministério Público.
O promotor Paulo Zeni destaca que a Constituição Federal garante o direito à liberdade de expressão, entretanto impõe limites de responsabilidades, porque não pode ser usada para a prática de atividades ilícitas ou de discursos de ódio, contra a democracia ou contra as instituições. E lembrou do caso semelhante do ex-deputado federal Daniel Silveira, condenado pelo STF por discurso de ódio.
“A prática de discriminação e preconceito, conforme a conduta praticada pelo réu, configura racismo, uma vez que entona discurso de suposta superioridade, dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos grupos minoritários citados no referido comentário”, argumenta o promotor.
“O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em recente decisão, analisou conduta bastante semelhante à descrita na denúncia, no famoso “caso do Deputado Federal Daniel Silveira” e reafirmou que não incide a garantia da liberdade de expressão nas hipóteses de propagação de discurso de ódio, sendo tais condutas consideradas crimes”.
O MPE rebateu a justificativa de que a declaração foi apenas uma ironia. “A manifestação irônica, jocosa ou com conotação humorística deixa de ser lícita, no caso em tela, na medida em que o discurso veicula textualmente conteúdo ofensivo a valores e bens jurídicos protegidos pela ordem constitucional e, ainda que revestido com as cores do deboche, claramente não perde o condão de incitar ou estimular incautos à prática de atos de ódio”.
Em seu interrogatório judicial, Rafael Tavares “permitiu constatar de forma clara que ele anteviu, no contexto da época, que pessoas poderiam vir a acreditar no conteúdo e no discurso de seu comentário postado na rede social, externando de tal modo conhecimento e ciência do potencial incitatório de sua conduta, mas ainda assim manteve-se no ímpeto de pratica-la”, discorre o órgão ministerial.
Além disso, o Ministério Público afirma haver “maior grau de reprovabilidade na sua conduta”, por Tavares trabalhar, à época, na área de comunicação e marketing digital na internet, bem como era ativista político e fundador de um movimento de rua denominado Endireita MS.
Por fim, o MPE defende que o dolo em sua modalidade eventual é plenamente aplicável aos crimes de racismo. “A legitimação de manifestações dessa natureza transformar-se-ia em estímulo à repetição dos discursos de violência (além dos riscos logicamente decorrentes dos efeitos incitatórios de tais falas), construindo uma zona de segurança para a veiculação e proliferação de ódios e preconceitos repugnados pelo ordenamento constitucional”, alerta Paulo César Zeni.
O juiz Eduardo Eugênio Siravegna Júnior, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, analisa o processo, que está em fase de alegações finais.