A Prefeitura de Campo Grande pretende estabelecer uma nova Lei do Silêncio na cidade. Um projeto foi enviado para a Câmara de Vereadores, mas após reação negativa do setor de bares, restaurantes e cultura, a proposta foi retirada. O tema é debatido há décadas na Capital e remonta ao ano de 1992, quando foi instituído o Código de Polícia Administrativa.
Outro marco importante foi a Lei Complementar n. 8, de 28 de março de 1996, conhecida por Lei do Silêncio, que alterou artigos referentes à poluição sonora da Lei n. 2.909, de 28 de julho de 1992. Desde então, a regulamentação foi sendo alterada para atenuar as regras até chegar em 2018. Naquele ano, o Tribunal de Justiça determinou a extinção de várias alterações e retomou o rigor da lei, que virou o pesadelo de estabelecimentos com música.
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Ainda em 2018, a prefeitura passou a reforçar o “Disque-Silêncio”, em que o cidadão incomodado pelo excesso de barulho liga para o número 156 e formaliza a sua denúncia contra o local de origem do som.
Os estabelecimentos onde a música ao vivo era o carro-chefe sentiram os efeitos da redução do limite sonoro de 90 para 45 decibéis em bares noturnos. Vários espaços destinados à cultura fecharam.
No último dia 25 de abril, deu entrada na Câmara de Vereadores o Projeto de Lei Complementar n. 859/23, em que a prefeita Adriane Lopes (Patri) estabelece uma nova Lei do Silêncio e reacendeu o debate, que culminou na retirada do projeto na quinta-feira (11).
“A prefeita foi sensível com a classe artística, os produtores culturais e os setores do comércio e do turismo de eventos, além de todas as atividades que vivem da noite. O foco é alterar a Lei após uma discussão profunda que viabilize as atividades culturais e o bem estar”, justificou o vereador Beto Avelar (PSD), líder de Adriane no Legislativo.
O Paço Municipal justifica a necessidade de uma nova lei por causa dos 29 anos da instituição do Código de Polícia Administrativa municipal, dos 25 anos da Lei do Silêncio em vigor, e determinação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Campo Grande, de 4 de dezembro de 2018.
“E considerando por fim que ao longo do período de vigência do Código de Polícia Administrativa o município de Campo Grande-MS sofreu um grande processo de urbanização o que acarretou em novas dinâmicas em seu território urbano o qual justifica-se o encaminhamento do presente Projeto de Lei Complementar devidamente aprovado pelo Comitê de Meio Ambiente”, relata a prefeita Adriane Lopes em mensagem à Câmara.
A proposta trazia multas que variam de R$ 1,6 mil a R$ 9,7 mil, conforme a infração dos níveis de pressão sonora superiores aos determinados pela legislação Federal, Estadual ou que contrariem os níveis máximos de intensidade fixados por esta Lei Complementar.
E também a instalação ou operação de empreendimento e/ou atividade com emissão sonora desprovida de tratamento acústico suficiente e eficaz para conter a emissão de ruídos aos limites legais, com multa prevista de R$ 516.
Os limites de decibéis permitidos variam para cada uma das seis “zonas de ruído” estabelecidas no projeto, que levam em consideração aéreas hospitalares, industriais, culturais de lazer e turismo, comerciais, rurais, e residenciais.
O projeto estipulava como período diurno entre às 07h01min até às 21h59min; e noturno entre às 22h e às 07h do dia seguinte, o que também impacta no nível de decibéis permitido.
Uma demonstração de como a atual Lei do Silêncio está ultrapassada está na utilização da finada UFIR (Unidade Fiscal de Referência) como índice para aplicação de multa, extinta em 2000. No mesmo ano, o então prefeito André Puccinelli (MDB) estabeleceu a UFIR no patamar de R$ 1,0641 sendo atualizada pelo IPCA-E.
Audiência cancelada
Com a retirada do projeto da Câmara de Vereadores, foi cancelada a audiência pública que ocorreria na próxima quarta-feira (17), que discutiria a nova Lei do Silêncio, que estabelece normas, critérios e procedimentos para o planejamento e a fiscalização de ruídos, vibrações, sons excessivos ou incômodos de qualquer natureza, produzidos por qualquer forma que gere perturbação sonora em Campo Grande.
Na última década, pelo menos quatro audiências públicas sobre o tema foram realizadas pela Casa de Leis.
“É complicado para tocar em qualquer barzinho, O MPE e a Semadur deveriam parar de usar dois pesos e duas medidas, pois estão segregando o direito de expressão musical, os empresários em sua maioria não tem condições de bancar o alto custo de um projeto de acústica”, reclamou o músico Raimundo Galvão, em debate promovido em 2013.
“Queremos que mude três pontos fundamentais: Lei do Silêncio, Lei do Uso do Solo e a liberação de alvarás. Você não pode fazer um evento no Parque dos Poderes, mas o Governo pode? Não queremos que tudo vire bagunça, mas que essas leis sejam reestudadas”, cobrou o empresário João César Mattogrosso, em audiência em 2014. Anos depois ele viria a ser eleito vereador e atualmente é deputado estadual.
“Ainda em 2013, essa Casa fez audiência tratando sobre assunto e trouxe contribuições da sociedade. Houve proposta de alteração aprovada e sancionada em 2014, mas questionada no Tribunal de Justiça que opinou pela inconstitucionalidade da proposta”, relatou o ex-vereador Eduardo Romero (Rede), durante audiência em 2018.
Há cinco anos, o presidente da Abrasel-MS (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Juliano Wertheimer, marcou presença no debate. Ele argumentava que a Lei do Silêncio trazia impactos negativos para economia da Capital uma vez que muitos estabelecimentos tiveram de fechar as portas diante das exigências da lei.
No dia 8 de maio de 2023, Juliano se encontrou com o presidente da Câmara Municipal, vereador Carlos Augusto Borges, o Carlão (PSB). O Legislativo possui um Termo de Cooperação Técnica com a Abrasel-MS para o acompanhamento e contribuições das ações legislativas ligadas ao setor.
Três dias depois do encontro, o líder da prefeitura anunciou a retirada do projeto da nova Lei do Silêncio. A reportagem de O Jacaré tentou obter declarações de Juliano Wertheimer, por meio da assessoria, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.
“As alterações foram desenvolvidas sem diálogo e têm vários pontos que prejudicam o setor, principalmente os que têm música ao vivo. O projeto também atribui responsabilidades à iniciativa privada que não são dela. Há multa do mesmo valor para um pequeno estabelecimento de um bairro afastado e para uma casa noturna na Afonso Pena”, declarou Juliano ao Campo Grande News.