Sentença do juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, publicada nesta quinta-feira (11), anulou decretos estaduais usados para criar “cabide de empregos” no Detran (Departamento Estadual de Trânsito). Com a criação ilegal de 164 cargos comissionados, gestões de André Puccinelli (MDB) e Reinaldo Azambuja (PSDB) usaram do artifício para contratar apadrinhados e até familiares.
A decisão é resultado da ação civil pública protocolada em 27 de setembro de 2018 pelo promotor Adriano Lobo Viana de Resende. Conforme o Ministério Público Estadual, a Lei 4.197/2012 definiu a estrutura do órgão com 145 cargos comissionados. Ao longo de 2012 e 2014, Puccinelli editou quatro decretos que elevaram para 290 cargos de confiança.
Veja mais:
Menos politicagem: Detran deve cumprir lei e ocupar 50% dos cargos de chefia com efetivos
Ex-diretora desviou dinheiro da venda de papel e aluguel de cantina no Detran, acusa MPE
Ex-presidente do Detran e diretor do TCE viram réus por peculato e corrupção
“Diversos agentes passaram a obter lotação em cargos comissionados no DETRAN/MS, inclusive entre familiares, a ponto do nepotismo virar regra naquela instituição e tornar os cargos comissionados de grande interesse particular e político”, denunciou o promotor. “Foi averiguada a sucessiva edição de decretos transformando cargos comissionados em mais novos cargos comissionados com denominações diferentes; tais transformações não guardam correspondência quantitativa e qualitativa com os cargos criados, tratando-se, na verdade, de manobra para alteração de estrutura funcional sem autorização legal”, destacou.
Os comissionados eram nomeados para exercer cargos técnicos, que deveriam ser contratados mediante concurso público. Levantamento do MPE apontou que havia 130 cargos efetivos vagos e o Detran não convocava nenhum aprovado em concurso público.
A manobra serviu até para o então presidente do órgão, Gerson Claro, nomear a sobrinha Franciele Baldo Bernardo dos Santos, a prima Thais Amanda Wanderley Bernardo de Lima e o sobrinho Lucas Bernardo Barbosa Marques, conforme trecho da sentença do juiz. O então diretor-adjunto Donizete Aparecido da Silva aproveitou para nomear a irmã, Vera Luzia da Silva, e a sobrinha, Joice Helena da Silva de Faria.
“Além da burla da exigência do concurso público, os cargos criados servem para a prática de nepotismo, onde familiares de dirigentes e gestores são agraciados com cargos em comissão, tornando-se comum a prática de favorecimento de interesses privados e a promoção de ‘cabide de empregos’ para aqueles que possuem vínculo de parentesco com as autoridades nomeantes ou servidores com funções de confiança e cargos em comissão”, destacou o magistrado.
Os parentes citados foram exonerados para por fim aos questionamentos. No entanto, o Ariovaldo Nantes Corrêa citou que outros parentes continuavam lotados no órgão de trânsito, apesar de não terem sido aprovados em concurso público.
“Considerando as transformações e transferências promovidas mediante decretos do Chefe do Poder Executivo Estadual, constata-se que em menos de um ano o DETRAN/MS saltou de 145 cargos em comissão para mais de 290 e, conforme informação prestada pelo referido órgão, na data de 15.04.2016 havia 291 cargos em comissão e 936 cargos efetivos existentes em sua estrutura”, relatou.
“Ainda em relação aos cargos em comissão, observa-se da informação de fls. 263-5 que alguns de seus ocupantes não executam atividades de direção, chefia ou assessoramento, mas sim meramente técnicas e burocráticas, como, por exemplo, emitir guias, cadastrar e arquivar processos, abrir, receber, despachar, fechar e distribuir malotes, realizar protocolo e agendamento médico, receber ofícios, entregar CNH ao público, digitação e emissão de CRLV, abertura de processo de renovação e alteração de CNH e atendimento ao público, que são próprias da carreira do quadro de pessoal do DETRAN/MS”, destacou.
“A prova colhida deixa evidente que a transformação e transferência de cargos em comissão do DETRAN/MS por meio de decretos do Chefe do Poder Executivo Estadual com aumento significativo da quantidade de servidores em tal situação e em desproporção ao número de servidores efetivos serviu de sucedâneo à verdadeira reestruturação do referido órgão público sem a edição da lei necessária para tal fim”, avaliou.
“Ademais, os documentos de fls. 139-242 demonstram que ainda existia no órgão situação de nepotismo vedada pela Súmula Vinculante433 fomentada pela denominada transformação dos cargos de provimento em comissão dentro da estrutura do DETRAN/MS, sendo que os requeridos sequer negam tal situação, limitando-se a afirmar que promoveram as devidas regularizações a fim de solucionarem o problema, o que não restou suficientemente demonstrado, tendo o requerido comprovado que apenas parte dos servidores apontados, a título de exemplo, como em situação de nepotismo pelo requerente foram exonerados, haja vista que seguem nomeados para cargos comissionados e ativo”, ressaltou.
“Reconhecida a nulidade dos Decretos Estaduais nº13.450/2012, 13.515/2012, 13609/2013 e 13.885/2014, evidente a consequente nulidade das nomeações e as investiduras de servidores em cargos de provimento comissionado dentro da estrutura do DETRAN/MS com amparo nas referidas normas, devendo, para fim de regularização, serem respeitados os cargos de provimento em comissão descritos e instituídos pela Lei Estadual nº 4.197/2012 até a edição da Lei Estadual nº 5.305/2018”, concluiu o juiz.
Apesar da anulação dos decretos e das nomeações, os ocupantes dos cargos nulos não serão obrigados a ressarcir os cofres públicos.