Debate sobre a reforma tributária trouxe perspectivas nada animadoras para Mato Grosso do Sul. Deputados, representantes do Governo do Estado e outros participantes demonstraram preocupação com o que pode vir a ser uma repetição da Lei Kandir e também perdas de arrecadação para o Estado.
Audiência pública na Assembleia Legislativa, na segunda-feira (8), teve início com uma apresentação do gerente-executivo de economia Mário Sérgio Carraro Telles, da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Ele fez um compilado com os principais pontos a respeito das PECs sobre reforma tributária que tramitam na Câmara (PEC 45/2019) e no Senado (PEC 110/2019).
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Mário Telles afirmou que as propostas tendem a convergir e se tornarem uma única. “A gente brinca que provavelmente a reforma tributária que vai ser colocada em discussão vai ser a PEC 155, que é a soma das duas PECs”, disse. O economista informou que a CNI é a favor do que tem sido proposto.
No entanto, alguns pontos foram criticados pelos participantes do debate, como a federalização dos impostos, compensação das perdas do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), fim dos benefícios fiscais e da autonomia dos estados e municípios.
Conforme a proposta debatida no Congresso, os cinco tributos atuais sobre o consumo – IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS – são substituídos por um ou dois impostos sobre consumo (IBS e CBS) e por um Imposto Seletivo (IS). Estes seriam controlados pelo Governo Federal, que criaria uma agência e um fundo para compensar os estados que tiverem perda de receita. E aí tem início a primeira insatisfação, a lembrança da Lei Kandir.
Uma das normas da Lei Kandir, de 1996, é a isenção do pagamento de ICMS sobre as exportações de produtos primários e semielaborados ou serviços. Por esse motivo, a lei sempre provocou polêmica entre os estados exportadores, que alegam perda de arrecadação devido à isenção do imposto nesses produtos, como é o caso de Mato Grosso do Sul.
Os estados exportadores batalham há décadas por uma compensação. Apenas em 2020, um acordo judicial determinou transferências obrigatórias da União para estados, Distrito Federal e municípios de R$ 58 bilhões, distribuídas em um período de 18 anos, ou seja, até 2037. De 2020 a 2030, o valor transferido por ano será de R$ 4 bilhões.
A lembrança de décadas de espera e a promessa de um novo fundo para compensar perdas, resultou em críticas fortes a essa possibilidade.
O secretário-adjunto estadual de Fazenda, Lauri Luiz Kener, falou sobre as mudanças nos tributos e seu impacto na arrecadação. “O principal tributo estadual, o ICMS, migraria para o IBS e seria regulado e legislado pelo Congresso Nacional. Estamos falando do tributo que historicamente representa entre 85% e 95% da arrecadação do Estado”, relata.
“A competência da Assembleia Legislativa estaria sendo passada para o Congresso. Também seria transferido para um ente nacional, uma agência, a gestão sobre a arrecadação. A tributação migraria da origem para o [estado] destino . Tira do Estado a política de incentivos, porque a base dos incentivos é a tributação na origem. Está mudando fortemente este modelo, sendo substituído por um fundo de desenvolvimento. Tem poucas garantias”, declarou Kener.
Conforme apresentado pelo economista Mário Telles, da CNI, este fundo de desenvolvimento seria de R$ 40 bilhões, que o secretário-adjunto de Fazenda diz ser “insuficiente” para compensar as perdas em arrecadação.
O secretário Jaime Verruck, da Semadesc (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), deu um exemplo prático sobre as possíveis perdas, caso não tenham algumas exceções previstas pela reforma.
“Nós somos importadores de gás e tem um efeito direto em cima da nossa estrutura tributária. Quando fizeram a excepcionalidade da Zona Franca [de Manaus], na reforma anterior, nós conseguimos excepcionalizar o gás. Agora, se não excepcionalizar, nós temos uma queda, se o gasoduto rodar cheio, de R$ 1,2 bilhão por ano de ICMS. E isso não será restituído”, explicou Verruck.
Outro ponto é que o crescimento do Estado tem que ser aferido nesta garantia de reparação. “É um dos problemas mais sérios. Estamos crescendo em média 8% ao ano e a nossa arrecadação cresce em função desse crescimento econômico. Se congelarem e nivelar [os repasses], em três, quatro anos, não temos mais como sustentar o estado de Mato Grosso do Sul”, alerta Verruck.
“Nós já temos um histórico de não cumprimento, não recebemos praticamente nada da Lei Kandir, os mecanismos de compensação não foram adequados”, concluiu o chefe da Semadesc.
O ex-presidente da Assembleia Legislativa deputado Paulo Corrêa (PSDB) chamou de “embuste” a criação de uma agência para gerir os impostos que deixarão MS e serão arrecadados no estado destino. “Conversa fiada, não volta o dinheiro”, disparou. “Sabe o que é R$ 40 bilhões para nós? O que ficou devendo da Lei Kandir. Isso aí é conversa para boi dormir. Se deixar aprovar um negócio desse, nós somos muito manés”, finalizou.
O desembargador Alexandre Bastos, do Tribunal de Justiça de MS, seguiu a mesma linha crítica de Corrêa. “Trago uma provocação que considero fundamental. Federalizar ICMS é tornar o Brasil em um estado nacional, não teremos mais uma federação. É isso o que a sociedade está querendo? Por que é disso que se trata”, indagou.
“Quando se fala na criação de um organismo nacional para gerenciar, olhando o histórico brasileiro, isso é uma piada. Se fosse assim, não existiria problema de restituição da Lei Kandir, porque quando criaram o gatilho e tiraram dos estados produtores a tributação dos produtos primários, o desenho era exatamente como este [da reforma]. Um fundo, um cálculo exato, a restituição, e terminou em um péssimo acordo para os estados”, relatou Bastos.
Ao fim do debate, foi lida a Carta de Campo Grande, que resume críticas preocupações dos participantes da audiência em 11 pontos de conclusão, entre os quais estão: combate à federalização tributária; garantias aos estados e municípios de repartição de receitas relativas ao Fundo Nacional a ser criado com a reforma; contraposição entre a pretensa simplificação do sistema tributário e a possibilidade de perda de receita do Estado e municípios e da autonomia legislativa econômica; regra de transição com prazo insuficiente e falta de clareza; aumento da sonegação e “pejotização” (contratação por empresas de pessoas jurídicas e não de empregados formais) no setor de serviços.
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