Maria Dilnéia Espíndola Fernandes e Fátima Silva
A tarefa de revogar o abominável Novo Ensino Médio (NEM) não é só do MEC. As Secretarias Estaduais de Educação são as principais responsáveis por esta revogação. A educação no Brasil possui uma política de alto grau de descentralização.
Ainda que o MEC tenha a coordenação e orientação nacional, a ação complementar e supletiva da política educacional pela legislação e capacidade técnico-administrativa pela sua condução, os principais responsáveis e competentes pelo ensino médio são as unidades federativas.
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A política educacional no Brasil atende ao modelo federativo quando se estabelece um pacto social, cujo fiador é a Constituição Federal de 1988. Por isso, os municípios são responsáveis pelo ensino fundamental e educação infantil, da mesma forma que os estados se responsabilizam pelo ensino fundamental e médio, e a União conduz a educação superior.
No contexto federativo, os entes têm autonomia e liberdade para formular, executar e financiar a política educacional, situação amparada na legislação. Diante disso, muitas perguntas precisam ser feitas às unidades federativas sobre o abominável NEM, ainda antes da gestão Camilo Santana no MEC.
Por exemplo, vamos olhar o estado de Mato Grosso do Sul. Mesmo antes da famigerada Medida Provisória nº 746/2016, de Michel Temer, as unidades da Federação já andavam às voltas com um novo tipo de ensino médio sem pedir licença ao MEC para labutar por ele. Assim o principal programa endereçado ao ensino médio no estado de Mato Grosso do Sul foi o “Escola da Autoria”, concebido em 2016 em parceria com o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), o que já demonstra a Parceria-Público-Privada e nela já continha todos os objetivos e finalidades do NEM.
Neste caso em particular, o que acontece: o estado abre mão de sua legitimidade para elaborar sua política, e assume enquanto sua, a política elaborada pelo ICE. A política educacional continua sendo pública na dimensão da oferta, mas passa a privatizar o conteúdo da política por meio do currículo. Em outras palavras: não é mais a Secretaria de Estado de Educação que decide o que ensinar nas escolas, mas sim o instituto parceiro.
Por trás desta decisão, a questão fundamental: à medida que institutos dessa natureza vão se fazendo presentes nos múltiplos sistemas de ensino, parcela importante do fundo público que até então, eram de exclusiva decisão de uma secretaria de educação e de sua rede, passa a ser creditada para que institutos ou fundações se apropriem dele no comando da política educacional por meio de assessorias, consultorias com vistas a ditar o que os sistemas de ensino e suas escolas devem fazer.
É desse tipo de ação que se suprime sociologia, filosofia, história e tudo que as humanidades tem a oferecer para desenvolver o pensamento crítico que toda cidadania tem direito na escola.
Ao mesmo tempo que surrupiam os conteúdos construídos pela humanidade, colocam o que no lugar? Os desvarios e descalabros que temos no NEM. Os responsáveis pela negação da ciência que impera nas escolas de ensino médio a partir da sua contrarreforma não são as/os professoras: são homens e mulheres de negócios que sempre estiveram por ali, rondando, feito abutres para aquinhoar os recursos da educação para seus cofres.
São os mesmos que defendem o “enxugamento do Estado”, o Estado mínimo. Porque sabem que uma educação de qualidade socialmente referenciada precisa de um Estado amplo, garantidor de direitos. Não se faz educação de qualidade sem um grande quadro de trabalhadoras/es da educação sob o comando do Estado e tal feito pode não ser barato.
Assim, ao defenderem o Estado mínimo e alegaram que o Estado gasta mal, quando a falácia convence, retiram do Estado sua capacidade de prover direitos da população e colocam no lugar seus serviços gerenciais muito mais cara que a educação de qualidade que o Estado pode oferecer.
As iniciativas de Parcerias-Público-Privadas na educação – em Campo Grande remonta a 2004, com o Instituto Ayrton Senna, na gestão do então prefeito André Puccinelli – grassam desde há muito entre estados e municípios.
Se tais entes federativos têm autonomia para implantá-las também a tem para encerrá-las em defesa da educação pública de qualidade, laica, inclusiva e socialmente referenciada.
É urgente que o MEC revogue o NEM!
É urgente que a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul revogue suas Parcerias-Público-Privadas de toda ordem para que se revogue o NEM construído em solo próprio!
(*)Maria Dilnéia Espíndola Fernandes é pesquisadora sênior do PPGEDU/UFMS e militante do Setorial de Educação do PT Campo Grande
*Confederação Nacional Trabalhadores em Educação.
** Internacional Educação América Latina.