Catalisada por crimes brutais pelo Brasil e pela temporada de ameaças de ataques em Mato Grosso do Sul, a Assembleia Legislativa vive uma temporada de projetos de lei contra a violência nas escolas.
As propostas vão da exigência de que o poder público compre armas não letais para as unidades de ensino a programas de apoio psicológico. Nos debates, os deputados, tão estupefatos como todos nós diante da escalada das ameaças, também relataram preocupação e exemplificaram com casos vivido em família sobre a delicada relação com os adolescentes.
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Bolsonarista, o deputado João Henrique Catan (PL), que já participou de sessão na Assembleia descarregando pistola em estande de tiro, apresentou projeto que torna ao Estado obrigatória a aquisição de armas não letais para cessão, armazenamento e utilização, por funcionários treinados e habilitados, nos termos da legislação pertinente.
As escolas públicas estaduais que tiverem interesse em ter acesso às armas não letais, dentro das suas dependências, deverão externar o interesse mediante reunião da Associação de Pais e Mestres, com eleição dos funcionários, que trabalham todos os dias na escola, no mínimo um e no máximo três, que participarão do curso de capacitação para uso de equipamentos não letais, com duração de 14 horas.
A proposta determina ainda o fornecimento de “espargidor de agente químico lacrimogêneo (CS e OC) de até 70g, em solução (líquida), espuma ou gel e armas de choque elétrico de contato direto e de lançamento de dardos energizados”, que deverão ser guardados em um cofre. Segundo o texto, “só poderão ter acesso a chave ou a senha do cofre os profissionais habilitados, sendo vedado o repasse para outro funcionário, sob pena de caracterizar falta grave, com consequente abertura de processo administrativo”.
Catan também é autor de projeto que dispõe sobre a instalação de detectores de metais nos acessos aos estabelecimentos de Ensino Fundamental, Médio e Superior da Rede Pública de Ensino, a toda e qualquer pessoa, sem exceções.
A terceira proposta prevê a obrigatoriedade da instalação de sistema de segurança baseado em monitoramento por meio de câmeras de vídeo nas escolas públicas estaduais do Mato Grosso do Sul, nas áreas internas e externas.
“Estes projetos são uma forma de contenção, de prevenção e também um recado que estamos enviando à bandidagem. Não podemos continuar com a sociedade acovardada pela marginalidade, como ovelhas esperando o abate. E quando a gente demonstra, estatisticamente, que a aplicação de uma política de segurança ostensiva, inclusive armamentista – letais ou não –, quando devidamente treinadas as pessoas serviriam para conter o dano, como por exemplo as armas de choque”, diz Catan.
Com base em pesquisa divulgada pela associação Nova Escola, que ouviu mais de cinco mil professores e revelou que 51,23% foram agredidos verbalmente e 7,53% relataram violência física, o deputado Antonio Vaz (Republicanos) apresentou um projeto que estabelece medidas orientadoras e preventivas destinadas à inibição de toda e qualquer forma de violência contra os professores da Rede Estadual de Ensino.
A proposta prevê o afastamento, a transferência e a assistência como medidas preventivas e cautelares.
“O objetivo é dirimir a violência perpetrada contras os nossos educadores, que além do estresse diário de terem que lidar com falta de estrutura escolar e remunerações que não condizem com suas funções, também lidam com agressões físicas e verbais”, destacou o parlamentar.
O deputado Neno Razuk (PL) oficializou projeto para um programa de orientação psicológica voluntária nas escolas públicas. As universidades públicas e privadas que aderirem ao programa disponibilizarão estudantes da área de psicologia para estagiar voluntariamente nas escolas estaduais, devidamente supervisionados, auxiliando no acompanhamento psicológico dos estudantes do ensino médio.
A violência nas escolas também resultou em debates na Casa de Leis. De chegada à Assembleia, a professora Gleice Jane (PT) lembrou que os alunos reproduzem no ambiente escolar uma realidade com a qual convivem extramuros.
“Por vezes observamos que a criança que chega com violência na escola, já vem de um processo de violência fora dela. Na escola a gente precisa ter uma rede de enfrentamento e de observação, inclusive, de como funciona a mente desses adolescentes para construir políticas nesse sentido. Quanto mais se dá valor a isso, mais casos teremos, quanto mais fala, mais estimula. Precisamos ter serviço de inteligência, falando isso com seriedade, para não incentivar o processo. Eu trabalhava em uma escola monitorada e tivemos um caso de violência. Os Cras [Centros de Referência da Assistência Social] são fundamentais nesse processo. A escola recebe os problemas sociais e não dá conta e precisamos dividir com outros instituições e não só da Segurança”, afirmou a deputada.
Mara Caseiro (PSDB) ponderou sobre a necessidade de reconhecer quando é necessário atendimento psicológico.
“Em 2012, o meu filho apresentou uma síndrome de pânico e eu comecei a perceber que tinha algo de errado. Pensei: ‘meu Deus deve ter acontecido alguma coisa no ambiente escolar que o traumatizou’. Eu cuidei, tive condições, foi ao psicólogo, fez tratamento, conseguiu superar e voltar à escola. Eu digo que percebi a mudança de comportamento, mas quantos e quantos pais não conseguem diagnosticar, não conseguem levar tratar, não conseguem perceber por tanto trabalhar? Precisa de uma equipe multidisciplinar nas escolas, com psicólogo, assistente social, para dar auxílio aos professores e possa identificar alguém com transtorno de comportamento. É louvável a ação do governo agora de patrulha intensificada, sabemos que tem custo, mas tem que começar a pensar numa forma de dar condições para que o professor possa identificar e encaminhar o aluno a um atendimento”, destacou a parlamentar.
O deputado Rinaldo Modesto (Podemos), que é professor, destacou o múltiplo papéis que o profissional precisa exercer no cotidiano com os alunos.
“Vamos pensar na carga excessiva que o professor vive. Não bastassem as dificuldades as escolas, com problemas estruturais, ainda há os problemas psíquicos, tendo o professor, por vezes, que ser irmão, pai, mãe, psicólogo. O clima de medo irradia todo mundo. Professores são ameaçados de morte. Não podemos encarar esse tema como político-partidário. Esse é um tema da vida”, afirmou Rinaldo.
Em São Paulo, adolescente matou uma professora e deixou quatro pessoas feridas. No Estado de Santa Catarina, homem invadiu creche e matou quatro crianças. Em Mato Grosso do Sul, avisos de ataques passaram a circular levando pais, professore e alunos a constante clima de pânico. Também houve registro de aluno esfaqueado por colega e estudante com arma de brinquedo ameaçando diretor.
O governo do Estado respondeu com aumento de policiamento na porta das escolas, incluindo sobrevoo de helicóptero, monitoramento por câmeras e investigação sobre as ameaças. A prefeitura de Campo Grande adotou o botão do pânico.
Resta saber como se reverter esse quadro diante de uma sociedade que estimula a competitividade, a violência e discurso de ódio. Onde a tecnologia substituiu o olho no olho e adolescentes preferem se mutilar com lâmina, “preferindo” a dor física à total inabilidade diante das dores da alma.