Meninas de idade entre 10 e 19 anos deram à luz 6,1 milhões de bebês no Brasil no período de 2008 a 2019, de acordo com estudo da Fiocruz em parceria com a Unfpa (Fundo de População das Nações Unidas). A maioria delas, aponta o levantamento, é negra ou indígena, com baixa escolaridade e impactada pela pobreza.
Os dados da pesquisa estão compilados na cartilha “Sem Deixar Ninguém para Trás: Gravidez, Maternidade e Violência Sexual na Adolescência”, lançada em 2023, e que traz um alerta sobre as condições das meninas mães no Brasil. De acordo com a publicação, no período compreendido da pesquisa (2008-2019) meninas entre 10 e 14 anos deram à luz 4,86% (296.959) do total de bebês nascidos de adolescentes. A faixa etária subsequente, dos 14 aos 19 anos, foi responsável pelo nascimento de 95,14% (5.821.246) dos bebês.
Partos em meninas negras e indígenas superam em 4 vezes os de brancas
Os dados indicam que os partos realizados em meninas negras e indígenas superam em quatro vezes os procedimentos em meninas brancas. As meninas tiveram, ainda, pouco acesso à escolaridade, a maioria (57,5%) teve entre 8 a 11 anos de estudo e 34,3% a apenas 4 a 7 anos. Somente 2,4% estudaram 12 anos ou mais.
Na avaliação da epidemiologista Dandara Ramos, que integra a pesquisa, os resultados ajudam a direcionar as políticas públicas. “No momento atual do país, urge a reconstrução das políticas voltadas para saúde sexual e reprodutiva, especialmente para as populações negra e indígena. Os dados são de acesso público, mas o esforço que fizemos em sumarizar e discutir as desigualdades teve a intenção de apontar prioridades. O percentual de maternidade adolescente entre meninas brancas observado em 2008, por exemplo, só foi observado entre meninas negras em 2020. Mais de dez anos depois. O ‘sem deixar ninguém para trás’ fala sobre isso, sobre como políticas públicas universalistas acabam por atender mais rápido ou primeiro aqueles grupos que já estão em melhor situação. Precisamos de políticas voltadas à redução das iniquidades”.
Falta acesso a tudo, a informação e ao atendimento médico
A iniquidade é traduzida, ainda, na garantia à saúde. Além do ato de engravidar por violência ou falta de acesso à informação, a pesquisa demonstra que as adolescentes têm pouco ou nenhum contato com o atendimento pré-natal. Chegou a 43,6% o total de meninas de 10 a 14 anos que tiveram acesso a sete ou mais consultas de pré-natal. Para aquelas que estavam na faixa etária compreendida entre 15 e 19, o acesso chegou a 52,2%.
Entre as meninas indígenas de 10 a 14 anos, apenas 20,8% tiveram acesso a sete ou mais consultas de pré-natal. O número não varia muito para as de 15 a 19 anos, com 26,6% tendo até sete consultas. Já as adolescentes negras nos dois grupos etários (10 a 14 anos e 15 a 19), 40,4% e 47,4% das pardas e 41,9% e 50,2% das jovens pretas tiveram acesso a no mínimo sete consultas. O quadro muda quando é feita a análise das adolescentes brancas, 56,6%; 64,3%.
A pesquisa destaca, ainda, que 29,2% vivenciavam algum tipo de relação conjugal (casamento ou união consensual) o que demonstra que o casamento infantil ainda é uma prática comum no País. O índice foi maior entre jovens indígenas em ambas as faixas etárias em comparação com os outros grupos raciais estudados.
Gravidez como resultado da violência sexual
O estudo de há “fortes evidências de gravidez relacionada a situações de violências sexuais” na faixa de 10 a 14 anos e, portanto, a possibilidade de acesso ao aborto legal, conforme a legislação brasileira. Um total de 69.418 atendimentos em serviços de saúde decorrentes de violência sexual contra meninas e adolescentes foram registrados no país, segundo o Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), de 2015 a 2019. As meninas de 10 a 14 anos foram as principais vítimas (66,92%) destes casos; as de 15 a 19 anos representaram 33,08% do total.
Mais uma vez, a pesquisa demonstra que a ênfase à violação de adolescentes conforme a raça. As adolescentes negras (pretas e pardas) foram as que mais sofreram violência sexual, com 64,18% do total de casos. A maioria dos casos (63,16%) foi registrada dentro de casa.