Em meio ao noticiário nacional de mortes e bloqueios de rodovias causados por deslizamentos, autoridades e órgãos ambientais ignoram o grito de alerta de um grupo de moradores do Jardim dos Estados, em Campo Grande. Há meses, eles percorrem os corredores da burocracia estatal para alertar para o risco para a construção em uma encosta na região central e uma das áreas mais nobres da Capital.
“Existe risco de desabamento, estamos preocupados porque é um barranco”. “Uma árvore despencou lá embaixo”. “Existem rachaduras, o solo não vai aguentar”. “A minha preocupação é desabar isso aí e minha casa ir junto”. Essas frases são repetidas diariamente pelos moradores à imprensa, à Defesa Civil, ao Corpo de Bombeiros, ao Ministério Público e à Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano).
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No entanto, os alertas e gritos de socorro são ignorados. Ou, pelo menos, descartados pelos órgãos responsáveis por manter a autorização da obra em pé, sob a alegação de que não há risco. A intenção do grupo é evitar o que mais acontece no Brasil nos últimos anos, os questionamentos após as tragédias, as mortes, a destruição: “por que deixaram construir na encosta?”
Uma das líderes do grupo é a filósofa e assessora parlamentar Maria Luiz Pimenta, a Lucka. Residindo há 40 anos no bairro, ela fez parte do grupo que construiu a calçada e cercou a área para preservar a floresta da encosta.
Célia Regina Xavier Martins, representante comercial, contou que ajudou a cuidar porque achava que a área era da prefeitura. Ela plantou ipês e aroeiras no terreno. A mata acabou servindo de proteção da encosta, que nunca deslizou nem deixou pedras descerem até a Avenida Ricardo Brandão, que, a poucos metros do local, já foi totalmente destruída por uma hecatombe de água no final de 2009.
A paz dos vizinhos acabou quando foram acordados por máquinas arrancando as árvores. Na autorização da Semadur constam dois pés de ipês entre as 13. Os vizinhos juram que eram 27 árvores, sendo 10 ipês amarelo, branco e rosa. “Cortaram tudo no sábado e domingo, quando não havia ninguém para denunciar”, lamentou Lucka.
A Defesa Civil esteve no local mais de uma vez e limitou-se a recomendar, no laudo, a colocação de taludes para impedir acidentes com desavisados que entrassem no terreno e despencariam morro baixo.
A DECAT (Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais e Turísticos) abriu inquérito a pedido do grupo de moradores. O Corpo de Bombeiros esteve no local em mais de uma ocasião. A Semadur e a Promotoria do Meio Ambiente também descartaram, em mais de uma oportunidade, o risco do desastre ambiental, como deslizamento, ocorra no local, apesar da queda íngreme da encosta.
A Rosso Construtora segue firme no propósito de construir sobrados no local. “Cometeram um crime”, indigna-se Célia, que recebeu um bilhetinho da empreiteira, comprometendo-se a construir o residencial e valorizar a região.
Dono de uma casa construída há 22 anos, vizinha da área envolvida na polêmica, o produtor rural e administrador de empresas André Ribeiro Corrêa, dorme e acorda preocupado com o risco causado pela obra. “Era mata. A minha preocupação principal é desabar isso aí e minha ir junto”, afirma.
No laudo da Defesa Civil encaminhado aos moradores na semana passada, os técnicos alertam que não é o cenário ideal para uma construção. “No desbarrancamento, as casas e árvores tombam para fora e vão rolando por cima das casas de baixo que ficam soterradas”, descrevem, o hipotético cenário que pode ocorrer na região.
“A natureza procura sempre uma situação de equilíbrio e o equilíbrio mais estável é um plano horizontal, uma terra que não tenham montanhas nem vales, tudo plano”, recomenda. É um alerta de que os moradores têm razão na peregrinação pela burocracia estatal com o grito de socorro?