A juíza Júlia Cavalcante Silva Barbosa, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, inocentou um grupo de cinco pessoas, sendo quatro da mesma família, acusado de envolvimento em esquema de lavagem de dinheiro, associação criminosa e evasão de R$ 13 milhões, entre 2017 e 2020, por falta de provas.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), Antônio Del Rigo, Antônio Del Rigo Filho, Araken Conde, Inês Taborda e Lucas Del Rigo teriam se associado para promover evasão de divisas para a Bolívia de mais de R$ 13 milhões, entre janeiro de 2017 e julho de 2020. O dinheiro, supostamente, seria resultado de atividades criminosas e foi identificado em transferências bancárias.
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As investigações começaram quando Antônio Del Rigo e Inês Taborda foram presos pela Polícia Federal tentando levar R$ 20,5 mil do Brasil para a Bolívia, pela fronteira de Corumbá, em maio de 2018.
Durante a elaboração do flagrante, o filho do casal, Antônio Del Rigo Filho, pediu para seu amigo, Araken Conde, retirar R$ 130 mil da casa onde morava com a família. Ele acabou preso com o dinheiro e um caderno de anotações.
Conforme a PF, os dois amigos cursavam medicina na cidade boliviana de Puerto Quijarro, e se aproveitavam do trânsito diário na fronteira Brasil/Bolívia, para praticarem crimes contra o sistema financeiro.
A partir das prisões, as investigações levaram à quebra dos sigilos bancário e fiscal dos denunciados e à quebra do sigilo de dados telefônicos do celular apreendido com Araken Conde, nas quais se constatou a numerosa e vultosa movimentação bancária nas contas dos acusados.
Segundo o MPF, o dinheiro era transferido em “contas de passagem” e mediante fracionamentos com o intuito de burlar os sistemas de controle e fiscalização.
Inocentados pela evasão de divisas
Ao analisar a denúncia, a juíza Júlia Cavalcante Silva Barbosa inocentou Antônio Del Rigo e Inês Taborda por tentarem passar a fronteira com R$ 20,5 mil em espécie. Mudança na lei, em 2021, estabeleceu o limite de US$ 10 mil dólares, por pessoa, para saída de dinheiro sem a necessidade de declaração.
“Embora ainda não haja jurisprudência consolidada num sentido ou noutro, este Juízo adota o entendimento no sentido da retroatividade do novo limite aos fatos anteriores à alteração legislativa, por se cuidar de norma penal mais benéfica”, justificou Júlia Barbosa.
Os quatro membros da família e o estudante de medicina também acabaram inocentados pelos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
“Verifica-se que a conduta descrita na denúncia consiste basicamente no recebimento de valores de diversos depositantes nas contas bancárias dos réus, frequentemente de forma fracionada, e posteriormente no saque desses valores, que eram trocados por pesos bolivianos no Brasil ou já na Bolívia, e, por fim, levados até a cidade de Santa Cruz de La Sierra”, relata a magistrada.
“Todavia, ainda que se tomem por verdadeiras a materialidade e a autoria das condutas descritas, tenho que os fatos, tais como descritos, não constituem o tipo penal da evasão de divisas. Isso porque, como já foi dito, a conduta criminalizada pela norma penal não é qualquer saída de moeda para o exterior, mas apenas aquela que se dê sem autorização legal. Entretanto, a legislação estabelece um limite de valor, que à época era de dez mil reais, dentro do qual o transporte físico da moeda pode ocorrer independentemente de declaração às autoridades”, prossegue.
“Ocorre que a denúncia não narra, e tampouco restou provado, que os réus tenham cruzado a fronteira levando, de uma só vez, montante em espécie superior ao limite legal. Em verdade, sequer se apontam os valores transportados a cada dia pelos denunciados. Embora os valores dos saques levem a crer que milhões chegaram a ser levados para o exterior nesse esquema, esse transporte, também conforme a denúncia, foi feito ao longo de anos, durante os quais eram extremamente frequentes as visitas dos denunciados ao país vizinho. Sendo assim, é possível que os valores fossem fracionados entre essas visitas, a fim de não extrapolar o limite legal”, defende.
“Na medida em que o que se incrimina é a forma como a saída do capital se dá, e não simplesmente sua saída, há que se reconhecer que não existem provas, ou mesmo descrição, de todos os elementos constitutivos do tipo penal imputado”, avalia.
“Muito embora admitamos que os réus, ao assim procederem, atingiram o bem jurídico tutelado pela norma que incrimina a evasão de divisas, é de rigor técnico-jurídico reconhecer que eles não incidiram na conduta incriminada, isto é, que o modus operandi adotado escapa à tipicidade formal. E é sabido que normas penais incriminadoras não podem ser interpretadas extensivamente em detrimento dos réus. Por todo o exposto, impositivo reconhecer que a conduta dos réus não se adequa ao tipo penal que incrimina a evasão de divisas, razão pela qual é de rigor a absolvição de todos os acusados quanto à imputação do art. 22 da Lei n. 7492”, conclui.
Inocentados pela lavagem de dinheiro e organização criminosa
Sobre os crimes de lavagem de dinheiro, a juíza Júlia Cavalcante Silva Barbosa verifica que o Ministério Público Federal atribui origem ilícita a alguns dos valores movimentados pelos réus, exclusivamente em razão do perfil dos autores, que foram condenados por outros crimes, e de alguns dos depósitos realizados em favor deles.
“Muito embora concordemos que toda a situação descrita e provada inspira fundada desconfiança de que estivessem sendo desenvolvidos negócios escusos, as condutas que restaram efetivamente provadas não contemplam todos os elementos normativos de nenhum tipo penal, tampouco do de lavagem de dinheiro”, defende a julgadora.
“Com efeito, verificaram-se numerosíssimas transações bancárias nas contas de titularidade dos denunciados, com características de fracionamento, envolvendo valores vultosos e sem lastro de origem lícita. Todavia esses fatos, por si sós, não caracterizam crime, sem que se prove a efetiva origem criminosa do capital e o dolo de branqueamento dos ativos, isto é, que as condutas eram adotadas com a finalidade de dar aparência de licitude ao capital para fim de reintroduzi-lo no mercado formal”, justifica.
“Nessa toada, há de se ressaltar que o fato de alguns dos autores ou destinatários de depósitos serem pessoas envolvidas, ou até mesmo condenadas por crimes, é notoriamente insuficiente para fazer concluir que aqueles específicos recursos que foram movimentados pelos denunciados tinham origem ilícita”, prossegue.
“Para além disso, a acusação não traz suficientes elementos que evidenciem que os denunciados tenham atuado com dolo de dissimular a suposta origem criminosa dos recursos. De fato, não há qualquer indicativo de intenção de reinserção no mercado formal sob a aparência de licitude, na medida em que, mesmo os depósitos feitos pelos denunciados em favor de terceiros eram, em sua grande maioria, desprovidos de lastro que emprestasse aos valores uma aparente origem lícita”, argumenta.
“Logo, quanto à imputação de lavagem, faltam provas tanto da efetiva origem criminosa dos valores movimentados, quanto do dolo de branqueamento por parte dos denunciados, razão pela qual se impõe a absolvição”, finaliza.
Por fim, como o quinteto foi absolvido das acusações de evasão de divisas e de lavagem de dinheiro, por falta de provas, a denúncia por associação criminosa perdeu o sentido e todos foram absolvidos também desta denúncia. A decisão é de 30 de março de 2023.