As mudanças na Lei de Improbidade Administrativa livraram mais um político de ser condenado em Mato Grosso do Sul. Em sentença publicada nesta quarta-feira (5), o juiz Marcelo Ivo de Oliveira, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, inocentou o vereador Jamal Mohamad Salem (MDB) da acusação de enriquecimento ilícito por não ter provado o acréscimo de R$ 860 mil ao seu patrimônio em 2013.
Conforme o magistrado, a Lei 14.230, aprovada pelo Congresso e sancionada por Jair Bolsonaro (PL) em 2021, dificulta a condenação por improbidade e exige que o Ministério Público Estadual prove o dolo do agente público.
Veja mais:
Julgamento de vereador por não provar ganho de R$ 860 mil em 2013 começa em abril
“Milagre”: ex-vereador vira réu por comprar casa no RJ, fazenda e lote com renda de R$ 539 mil
Juiz bloqueia R$ 2,028 milhões de vereador, ex-secretário e empresário por desvios no SAMU
Desvio no SAMU: Dr. Jamal diz que não interferiu na licitação nem na escolha da empresa
“Entretanto, a Lei nº 14.230/21, trouxe várias novidades e alterou diversos dispositivos da Lei nº 8.429/92, tais como a exclusão das modalidades culposas, a substituição da relação exemplificativa pela lista taxativa de violações aos princípios constitucionais da Administração Pública, a substituição da necessidade de constatação de dolo genérico pela demonstração do dolo específico, a limitação à perda do cargo exercido na época da prática do ato, dentre outras”, pontuou o magistrado.
“Em outras palavras, a Lei nº 14.230/21 surgiu, ao que parece, com o intuito de dificultar ao máximo a caracterização e a punição pela prática de atos de improbidade administrativa, constituindo-se em mais um revez (sic) ao já difícil processo de combate à corrupção no Brasil”, lamentou Oliveira.
Jamal foi denunciado por não provado o acréscimo de R$ 860 mil ao patrimônio em 2013. Denunciado na Operação Coffee Break, ele foi acusado de receber vantagens para votar pela cassação do mandato de Alcides Bernal (PP) no dia 12 de março de 2014. Ele acabou nomeado para comandar a Secretaria de Saúde na gestão de Gilmar Olarte (sem partido).
Conforme a denúncia, apesar de ter tido renda líquida de R$ 539,9 mil naquele ano, o vereador comprou um apartamento por R$ 700 mil no Rio de Janeiro, uma propriedade rural por R$ 540 mil (avaliada em R$ 1,4 milhão), um lote em residencial de luxo por R$ 113 mil e um trator por R$ 86 mil. Além disso, teria movimentado R$ 4,699 milhões nas contas bancárias. Ele diz que tudo foi legal, tinha origem lícito e teria movimentado R$ 5,7 milhões.
“Da leitura da atual redação de tais dispositivos legais, extrai-se que a Lei nº 14.230/21 afastou a possibilidade da mera presunção legal de enriquecimento ilícito caso fosse observada a aquisição de bens em valores proporcional à evolução do patrimônio ou à renda, passando a exigir que isto ocorra em razão do exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública”, destacou o juiz.
“Assim, após análise dos fatos narrados, documentos e depoimentos carreados a este caderno processual, não se verifica que esteja suficientemente comprovado que o requerido cometeu o ato de improbidade administrativa que lhe é imputado”, concluiu.
“Na hipótese, para a configuração do ato de improbidade, haveria a necessidade de ser demonstrado que o requerido possuía a consciência da ilicitude e o desejo de receber bens ou valores em razão da função pública que exercia à época, sendo que, efetivamente, tal dolo específico não restou comprovado no presente caso”, frisou.
“Como dito alhures, uma das principais alterações operada pela Lei nº14.230/21, foi que para a caracterização das hipóteses de atos de improbidade administrativa, passou-se a exigir e dolo específico (diferentemente da exigência de dolo genérico prevista na lei anterior)”, explicou Marcelo Ivo de Oliveira.
“De acordo com o regramento trazido pela Lei nº 14.230/21, não mais se presume o enriquecimento ilícito do agente pela simples evolução patrimonial ou movimentação financeira em desproporção e incompatível com os rendimentos licitamente recebidos”, pontuou.
“Assim, diante do surgimento da Lei nº 14.230/21, a qual alterou o caput do art. 11 e revogou o inciso I do referido artigo e indicado na inicial como de ato praticado pelo requerido, impõe-se o julgamento improcedente da ação quanto ao mesmo, eis que tal ato passou a ser atípico, e, como dito alhures, é possível que a referida lei mais benéfica retroaja para beneficiar o agente”, afirmou o juiz.
“Diante do exposto, julgo o processo com resolução de mérito (art.487, I, CPC) e rejeito os pedidos formulados nesta Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa”, arrematou, inocentando o emedebista da acusação de enriquecimento ilícito.
O MPE pode recorrer contra a sentença.