Mário Pinheiro, de Paris
A reforma da previdência tanto desejada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, contra a vontade popular, revela a brutalidade política de um lado e a fraqueza de outra. Macron jamais recebeu os representantes sindicais para discutir a possibilidade de alguma mudança, em nenhum momento, apesar de insistentes pedidos, o que demonstra apenas uma arrogância perfumada, de terno e Rolex.
Entre esquerda e direita, o atual presidente francês se diz não ter lado ideológico na terra dos grandes pensadores, ou mesmo do sociólogo Bourdieu, os quais sustentam que todos possuem um lado: a do oprimido ou o do opressor.
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A democracia francesa está nua como a verdade que se desespera no poço, desrespeitada como se fosse uma puta atacada em sua honra. A primeira ministra, Elisabeth Borne, ao atender a exigência macroniana, fez passar o projeto ao utilizar o artigo da Constituição que permite aprovar algo como um rolo compressor (o 49.3), sem ouvir os deputados, sem dar chance ao debate, ao enforcar a democracia e derrubá-la da corda bamba.
As greves continuam, apesar do atendimento mínimo, mas a paciência começa a bater no fundo do que se pode chamar de aceitável. As manifestações bem seguidas, geralmente são dirigidas pelos líderes sindicais e políticos que aderiram à causa dos trabalhadores contra o projeto aprovado de cima para baixo de maneira ditatorial, mas também pela polícia sempre disponível pra descer o cassete. A última possibilidade de os deputados agirem contra a reforma da previdência era a moção de censura que também perdeu por nove votos.
A democracia está doente e fraca. Macron se esquece que foi eleito somente pra impedir a eleição da extrema direita de Marine Le Pen. Se, de um lado não se permite que a democracia respire e exerça seu papel digno da herança grega, de outro, usam seu nome para pisar na vontade popular e não permitir que o trabalhador possa se aposentar depois de 35 anos de cotização ao Estado.
A democracia pede socorro, leva surra e grita no desespero de sua retórica para que a burguesia monte em seu cavalo, ou no avião privado, e libere a estrada, pois os trabalhadores unidos pedem passagem. O sistema democrático tem que ser a energia da boa articulação entre a representatividade e a participação.
Fazer aprovar algo contra a vontade do povo, é bajulação, assim como fez Borne e seu grupo. Se a democracia não é respeitada, se ela é violada, vilipendiada, jogada contra a sarjeta, o povo, por mais que se manifeste, estará algemado enquanto ela, a democracia, pronta pra cair do picadeiro. É pura demagogia.
É bom lembrar que o desrespeito contra a democracia no tempo de Péricles em Atenas, causou a guerra do Peloponeso e deu início a monarquias e ditaduras. Se bem que o último presidente socialista, François Hollande facilitou a chegada de Macron ao poder, mas quando o liberalismo entra por uma porta, a democracia sai por outra.
O caminho agora pode até estar se abrindo para a extrema direita, mas ainda contamos com líderes políticos de esquerda que podem resgatar a confiança.