A construtora que vai reformar a sede da Câmara de Vereadores de Dourados por R$ 17,2 milhões tem como responsável técnico o arquiteto José Moacir Bezerra Filho, que teve a mesma função na construção da Concha Acústica de Coxim. A obra no município do norte do Estado foi demolida em 2018, interditada após três anos da inauguração por problemas estruturais e risco de desabamento.
A situação foi tão escandalosa que o Ministério Público Estadual (MPE), em 2012, investigou e constatou irregularidades na construção da concha acústica na Praça João Ferreira de Albuquerque, inaugurada em 2008. O órgão denunciou à Justiça oito réus por improbidade administrativa, entre eles a empresa responsável Projetando Arquitetura e Construções Ltda, representada pelo seu dono, José Moacir Filho.
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Conforme consta nos autos, a obra foi construída com recursos da União de R$ 250 mil e contrapartida do município de R$ 24.511,69, totalizando o montante de R$ R$ 274.511,69 desperdiçados de dinheiro público que virou pó. O convênio foi firmado por meio do Ministério do Turismo.
Na ação, o MPE aponta que laudos periciais demonstram que a construção foi interditada, em 2011, por causa de “equívocos no projeto, na construção e na manutenção do bem público”. Somente a reforma ou demolição contornariam os problemas. A Justiça acabou determinando a segunda opção, 10 anos após a inauguração, com sete de interdição.
O arquiteto José Moacir Filho e a Projetando Arquitetura foram denunciados como responsáveis pela edificação da obra “com equívocos estruturais e utilizaram materiais de baixa qualidade”.
Entre as falhas apresentadas nos laudos estão os “pilares externos do palco com fissuras em razão da qualidade do material agregado; problemas na geometria da construção dos pilares; não havia juntas de dilatação no concreto empregado no piso; ausência de impermeabilização na cobertura da Concha; ausência de instalação de bomba para drenagem da água que se acumula sobre a cobertura; geometria irregular nas vigas invertidas na sustentação da laje”.
O processo que cobra os danos materiais e morais coletivos do responsável por “conceber o projeto equivocado”, da empresa construtora e das autoridades que, a partir de 2011, abandonaram a obra, corre na 2ª Vara de Coxim desde 2017, sem uma decisão.
Reforma em Dourados
Em dezembro de 2022, a Projetando Construtora e Incorporadora Ltda venceu a licitação para reformar a sede da Câmara de Vereadores de Dourados, pelo valor de RS 17,2 milhões. Nos documentos de habilitação, José Moacir Bezerra Filho assina como administrador e responsável técnico da empresa.
Apesar das razões sociais, CNPJs, e endereços diferentes, a Projetando Arquitetura e Construções Ltda e a Projetando Construtora e Incorporadora Ltda têm o mesmo nome fantasia registrado na Receita Federal: Projetando Arquitetura. Ambas têm sede em Coxim, separadas por 750 metros, e o mesmo telefone de contato.
A mudança de cadastro de pessoa jurídica para simular ser uma empresa diferente também ocorreu no processo da Concha Acústica de Coxim. Em sua defesa, os advogados de José Moacir Bezerra Filho e da Projetando Construtora afirmaram que ambos não foram responsáveis pela obra, e sim uma tal de Nova Era Engenharia Ltda, com CNPJ diferente, e portanto deveriam ser retirados da lista réus.
No entanto, o Ministério Público Estadual acusou a empresa de ter mudado o próprio CNPJ e a razão social para escapar da denúncia e que deveria ser penalizada por “litigância de má-fé”.
Como prova, apresentou notas fiscais que revelam compras de materiais, para a construção da obra, na empresa Projetando Arquitetura, que aparece como vencedora da licitação e certidão do CREA que indica Jose Moacir Bezerra Filho como técnico responsável pela Projetando Arquitetura e Construções.
“O que se pode presumir é que os sócios da Projetando Arquitetura, dentre eles JOSÉ MOACIR BEZERRA FILHO, também criaram outra empresa, com o mesmo nome (CNPJ nº 33.748.369/0001-36), e a transferiram para a cidade de Porto Velho/RO. Mantiveram, entretanto, a atividade empresarial ativa nesta cidade de Coxim”, informou o MPE.
“A tentativa de ludibriar o juízo é tão patente que se verifica que o número dos telefones da empresa Projetando Arquitetura timbrados nas notas fiscais de fls. 481-482 (67.3291-1822), e o CNPJ (04.619.668/0001-72) são os mesmos da nova empresa Nova Era Engenharia LTDA-EPP”, completa.
A situação acima é semelhante ao que ocorreu na licitação da reforma da Câmara de Dourados, com a manutenção do nome fantasia e o mesmo contato, neste caso um telefone celular. Em um dos contratos de atestado de atividade técnica, José Moacir Bezerra Filho inclusive utiliza o nome Projetando Arquitetura e Construções, alterado durante o processo em Coxim.
Denúncia ao Ministério Público
Ciente do destino trágico que teve a Concha Acústica de Coxim e temendo que o mesmo possa acontecer com o prédio da Câmara de Vereadores de Dourados, o farmacêutico bioquímico Racib Panage Harb apresentou denúncia ao Ministério Público Estadual.
Racib informa que o “mesmo complexo empresarial e profissionais” que atuou na obra que passou anos interditada e foi demolida em Coxim vai ser responsável pela reforma no Legislativo douradense. Destacou também que o arquiteto José Moacir Bezerra Filho responde a processo na Justiça pelo ocorrido no município no norte do Estado.
“Em se tratando de um profissional que se apresenta como responsável técnico apresentando atestados diversos e, como consta nos autos do TJMS, que o processo está recheado de laudos periciais contra a empresa PROJETANDO ARQUITETURA é um risco enorme para a Câmara de Dourados assumir, mesmo com um CNPJ novo, não irá garantir a prestação de bons serviços, que podem colocar em risco vida dos servidores”, defende Racib Panage Harb.
A denúncia está sendo investigada pela 16ª Promotoria de Justiça de Dourados, que aguarda manifestação da presidência da Câmara de Vereadores.