Audiência na Câmara de Vereadores de Campo Grande discutiu medidas para evitar que se repitam casos como o brutal assassinato da menina Sophia, morta aos 2 anos, depois de sofrer várias agressões e até estupro, em janeiro deste ano. O debate rendeu 10 providências a serem tomadas. Até elas saírem do papel, porém, mais casos de violência contra crianças são registrados diariamente.
Na véspera da discussão, que ocorreu na quarta-feira (15), a mãe e o padrasto de um bebê de 1 ano e 1 mês foram presos depois de a criança ser levada a um pronto-socorro da Capital com clavículas quebradas, traumatismo craniano, e internada em estado grave. O casal é investigado pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), após dar versões conflitantes sobre a causa dos traumas.
Nesta semana, um rapaz de 20 anos procurou a DEPCA para denunciar o ex-companheiro por estuprar, agredir e torturar a enteada de 2 anos. O caso aconteceu no Jardim Canguru, na última sexta-feira (10), também na Capital.
O debate na Câmara contou com a presença do pai de Sophia e outros familiares que usavam camisetas com a foto da menina e o pedido de “Justiça por Sophia”. “Agradeço por estarmos aqui e lutarmos por justiça para minha filha”, declarou Jean Ocampos, que estava acompanhado do parceiro Igor Andrade.
Também foi lembrado o caso da menina Isadora, conhecida como Estrelinha, de apenas 11 anos, que foi estuprada e morta por um vizinho, enquanto a mãe estava em um bar. O crime aconteceu no dia 11 de dezembro de 2022, no Bairro Nossa Senhora das Graças, em Campo Grande.
A defensora pública Neyla Mendes, representante do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana, relatou as nove chances perdidas para que a vida de Sophia fosse salva, entre as buscas ao Conselho Tutelar, Polícia Civil, Defensoria Pública e os atendimentos médicos realizados.
“É necessário que os órgãos que falharam estabeleçam protocolos internos para que isso não volte a ocorrer”, afirmou Neyla. Durante o relato, integrantes do Fórum Permanente pela Vida das Mulheres e Crianças, citaram as legislações pertinentes e as normas que deveriam ter sido seguidas em cada uma das situações.
“A menina Sophia teve quase dez chances de ser salva porque o pai procurou os serviços adequadamente. Foi ao Conselho Tutelar duas vezes, procurou a Delegacia, juiz e promotor souberam do caso dela, assim como saúde, assistência social. E toda essa rede não foi capaz de salvar a vida dela. Precisamos entender as falhas da rede e assumir essa responsabilidade de proteção da criança”, disse a vereadora Luiza Ribeiro (PT).
Representando a Pastoral do Menor, Márcia Gomes questionou as deficiências para proteção da criança.
“Precisamos que seja efetiva a intervenção para não termos mais crianças com as vidas ceifadas”, afirmou. Ela questionou o fato de as duas vítimas recentes morarem em áreas urbanas, com vizinhança próxima. Ainda, a questão do curto atendimento e acompanhamento das denúncias realizadas.
Barbara Nicodemos, do Conselho de Assistência Social, declarou que estão discutindo crimes e que todos os dias estão estampados casos. “Tivemos há pouco tempo o caso da menina Estrelinha e logo na sequência da Sophia. Precisamos agir como profissionais e agentes públicos. Nossa rede é fragilizada. Nossa rede deve ser institucional. Acredito nas Audiências para que a gente mostre à sociedade que precisamos agir nas políticas públicas”, disse.
Judiciário
Atualmente, 170 crianças estão afastadas de suas famílias em Campo Grande, vivendo no serviço de acolhimento por terem seus direitos violados pelos seus familiares. O dado foi repassado pela juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Adolescência e Idoso de Campo Grande. “Infelizmente, Sophia não é primeiro nem último”, afirmou.
Devido ao segredo de justiça dos casos, a magistrada se referiu ao que é de conhecimento público: “nossa rede não atende a demanda do município”, salientou. Katy Braun lembrou de ação judicial para criação de mais três conselhos tutelares em Campo Grande, que ainda não foi cumprida e prevê multa diária. “É indispensável que tenham estrutura para trabalhar”, disse. Ela falou ainda que o Centro Integrado iria melhorar esse trabalho, citando exemplo que o exame de corpo delito em Sophia poderia ter sido feito na hora.
A defensora pública Débora Paulino lembrou que existia em Campo Grande o Centro de Atendimento às Crianças, que foi fechado, além do Programa de Proteção às crianças, que foi desativado. “Já estivemos aqui na Câmara falando desse tema. Precisamos discutir o que iremos avançar”, afirmou.
“Seja qual for a estrutura, essa instituição jamais vai se furtar do seu papel, do seu dever. O Conselho deve ser acionado quando a omissão traz violação de direitos. Se mais de 40 mil atendimentos foram feitos, algo está errado na nossa sociedade”, declarou Adriano Vargas, presidente do Conselho dos Conselheiros Tutelares.
10 medidas
Ao final do debate, o vereador Alírio Villasanti (União), presidente das comissões de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente e de Segurança Pública, apresentou as providências a serem tomadas conforme o que foi coletado na audiência pública.
Além disso, a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sejusp), Polícia Civil e prefeitura prometeram ativar imediatamente o atendimento especializado para crianças e adolescentes 24 horas na Casa da Mulher Brasileira, voltada para denúncias de mulheres vítimas de violência. Posteriormente, deve ser implementado na Capital o Centro Integrado de Atendimento da Infância e Juventude.
1) Melhoria da capacitação contínua dos profissionais da saúde, segurança, assistência social, educação e Conselho Tutelar;
2) Melhoria da escuta especial;
3) Ampliação do número de Conselhos Tutelares para pelo menos nove (atualmente são cinco);
4) Criação do Centro Integrado da Criança e Adolescente, onde todos estarão atuando juntos no mesmo prédio acelerando atendimento. Os vereadores comprometeram-se a buscar recursos com a bancada federal para o prédio;
5) Fiscalização frequente pela recém criada Comissão de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente, composta pelos vereadores Coronel Villasanti (presidente), Clodoilson Pires (vice-presidente), Ayrton Araujo, William Maksoud e Paulo Lands;
6) Solicitação à Delegacia Geral de Polícia Civil para plantão 24 horas na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente;
7) Melhorar estrutura dos conselhos tutelares;
8) Campanha para divulgar a rede de proteção;
9) Criar alerta no sistema E-saj para garantir prioridade no sistema judicial nos casos de crianças de situação de risco;
10) Avaliar alteração na forma de escolha de conselhos tutelares, para que seja realizado concurso público.
*Fotos: Izaías Medeiros/CMCG