Militante do grupo esquerdista MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) nos anos 1980, o desembargador Sérgio Fernandes Martins, 62 anos, assume, nesta quarta-feira (1º), a presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Ele repete o pai, desembargador aposentado Sérgio Martins Sobrinho, 91, que presidiu a corte há 40 anos, de 1983 a 1984.
Ao substituir o desembargador Carlos Eduardo Contar, famoso por seguir a linha bolsonarista e ser fã da monarquia, Martins traça como prioridades dar mais agilidade à Justiça estadual. Além disso, o plano do novo chefe do Poder Judiciário é iniciar a construção do novo Palácio da Justiça, uma obra monumental com 60 mil metros quadrados, a primeira reforma em duas décadas do Fórum de Campo Grande e rever os valores dos emolumentos cobrados sobre imóveis, famosos por serem um dos mais caros do País.
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Sérgio Martins nasceu em Dourados, mas teve a vida marcada pelas constantes mudanças do pai como juiz nos anos 60 e 70. Durante uma das mudanças, aos 12 anos, ficou amigo de Gilmar Mendes, atual ministro do Supremo Tribunal Federal, quando morou em Diamantino, no interior do Mato Grosso. Ele mantém a amizade com o polêmico magistrado da suprema corte até os dias atuais.
O pai passou no concurso de juiz e chegou ao cargo de desembargador, no então Mato Grosso uno, seis anos e meio após exercer a magistratura. Com a criação de Mato Grosso do Sul, ele foi designado para atuar no Estado e acabou se tornando o terceiro presidente do TJMS. Ele assumiu o cargo no dia 1º de fevereiro de 1983.
Martins seguiu os passos do pai ao cursar Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa, ele participou ativamente do MR-8, movimento de esquerda responsável pelo sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick. Também foi um dos coordenadores da campanha vitoriosa de Leonel Brizola para o Governo do Rio em 1982.
Só não virou assessor do pedetista porque o pai o convocou para voltar a MS e ajuda-lo no tribunal. Em Campo Grande, Martins teve uma vida política intensa. Foi subchefe da Secretaria Estadual de Governo na gestão de Pedro Pedrossian. Depois, foi vereador pelo MDB por um mandato, de 1993 a 1996. Apesar de não ter sido reeleito, continuou na política como advogado-geral e procurador-geral do município de Campo Grande na gestão de André Puccinelli (MDB).
Foi presidente municipal do MDB por três mandatos. Na Universidade Católica Dom Bosco, Sérgio Martins foi professor por quase duas décadas, de 1989 a 2007. Apesar da vontade do pai, ele nunca se interessou em realizar concurso público para promotor, defensor ou juiz.
O sonho do pai acabou se tornando realidade em 2007, quando Puccinelli o indicou, na vaga do 5º constitucional da OAB/MS, para a vaga de desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Hoje, exatos 40 anos depois, ele vai repetir a trajetória do pai e assumir a presidência do TJMS. Aos 91 anos, Sérgio Martins Sobrinho vai acompanhar a posse do filho no plenário.
Leitor contumaz de São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, ele ganhou fama, nos últimos meses, de ser bolsonarista e fã do dublê de filósofo Olavo de Carvalho, o guru do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apesar de ser estudioso do marxismo-leninismo, de ideologia comunista.
“Até 1989, eu era radical de esquerda”, relembra o desembargador. Atualmente, ele se enquadra como de centro-esquerda. No entanto, na ocasião, acabou votando em Ulisses Guimarães (MDB) no primeiro turno e em Fernando Collor de Mello no 2º turno. “Nunca votei no PT”, confessou. No ano passado, o magistrado diz que votou em Bolsonaro nos dois turnos. No entanto, ele classifica como “reducionismo” ser chamado de seguidor do ex-presidente. “Não sou bolsonarista”, garante.
No comando do Poder Judiciário, Sérgio Fernandes Martins pretende seguir o exemplo da gestão de Reinaldo Azambuja (PSDB) e implantar contratos de gestão para cada uma das 11 secretarias do Tribunal de Justiça. Cada secretário será convocado para definir metas.
Outra proposta será dar mais agilidade à Central de Processamento Eletrônico, que conta com aproximadamente 500 funcionários e tem o papel de dar maior agilidade ao andamento dos 850 mil processos da primeira instância. A unidade incorporou o trabalho realizado pelos funcionários dos cartórios.
Essa redução no quadro de cartórios levará a outro projeto de Martins, a primeira reforma do Fórum de Campo Grande, inaugurado há 22 anos na gestão de Zeca do PT. O prédio será totalmente reformulado para dar mais espaços para os magistrados e salas de audiência. Também deverá reestruturar o sistema de ar-condicionado e de internet, que será geral e vai contar com o sistema de infovia da administração estadual.
Como parte das obras, Martins vai dar continuidade ao projeto para construir o novo Palácio da Justiça, com capacidade para atender 56 desembargadores e que contará com 60 mil metros quadrados. No entanto, o monumental prédio será executado por etapas. A meta do novo presidente é concluir os novos plenários em dois anos. O plenário do Tribunal Pleno será ampliado em 321%, de 166 para 700 cadeiras. No atual, conforme o magistrado, falta espaço até para todos os integrantes do órgão especial.
Sérgio Martins promete retomar a discussão para reduzir em 20% o valor dos emolumentos, considerados os mais caros do País e que leve milhares de sul-mato-grossenses a atravessar o Rio Paraná para registrar imóveis no estado vizinho. Ele acha que não dá para diminuir em 30%, como desejavam os deputados na época em que a proposta foi discutida pela primeira vez.
“É melhor ter algum avanço do que continuar como está”, justifica-se. Ele ressaltou que todos os poderes, como o Judiciário, o Ministério Público, Defensoria Pública e Procuradoria-Geral do Estado aceitaram abrir mão de meio porcento para colaborar com o esforço para reduzir os valores. Acima deste índice, na sua opinião, poderá levar ao fechamento de cartórios menos rentáveis.
Outro projeto polêmico é o que aumenta em 100% as custas judiciais de ações envolvendo bancos. Martins defende o encarecimento porque os juízes não podem virar meros funcionários das instituições financeiras. Ele explicou que os bancos acabam optando por gastar com ações judiciais ao invés de pagar o cliente.
Martins pretende implementar varas em algumas cidades. Ele citou Ribas do Rio Pardo, que vem crescendo no embalo do mega investimento de R$ 15 bilhões para a implantação da fábrica de celulose da Suzano.
Mas também cogita fechar comarcas com pouco movimento processual, um vespeiro e briga certa com o legislativo. Nas contas do novo presidente, cinco comarcas devem ser desativadas. Em Pedro Gomes, há 500 processos para um juiz. Em Coronel Sapucaia, por causa da fama de cidade violenta, nenhum juiz, promotor ou delegado aceita ser designado e a estrutura fica ociosa.
Martins defende maior interação entre os juízes e a sociedade. “O juiz tem que atender as pessoas, a minha porta fica aberta e atendo todo mundo”, exemplifica. Ele diz que vai melhorar o pronto atendimento para acabar com as queixas dos advogados e jurisdicionados.
Além de Sérgio Martins, a nova diretoria do TJMS que assume nesta quarta-feira é composta pelos desembargadores Dorival Renato Pavan (vice-presidente) e Fernando Mauro Moreira Marinho (corregedor-geral de Justiça).