No dia 25 de janeiro de 2015, uma jovem de 18 anos aceita o convite de um colega para passear. Ele a busca em casa e, antes do destino final – altos da Avenida Afonso Pena –, passa na casa de outros dois amigos e numa conveniência para comprar cerveja. Ainda dentro do carro, a jovem aceita um chiclete Bubbaloo e uma lata da bebida aberta por um dos passageiros. O grupo chega à avenida, onde permanece por cerca de 40 minutos, com ingestão de cerveja e fumando narguilé.
De volta ao carro, ela e o colega que fez o convite entram no banco de trás. A moça relata que apagou e quando recobrou os sentidos viu que estavam próximos a uma conveniência. Do carro, ouve um deles, à época menor de idade, falando: “Essa aí já era. Se der alguma coisa não vai ser para vocês”. A jovem decide ir embora e pede para a mãe buscá-la. Em casa, sente dores pelo corpo e região anal.
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A denúncia por estupro de vulnerável chega à 4ª Vara Criminal de Campo Grande em 22 de fevereiro de 2017 e aí começa uma história que retrata a morosidade da Justiça em Mato Grosso do Sul. Desde então, não houve sentença, levando até a defesa de um dos réus a cobrar por desfecho, considerando que a ação penal impede que o denunciado consiga emprego.
Na denúncia, o promotor Clovis Amauri Smaniotto pedia condenação por estupro de vulnerável, com pena de 8 a 15 anos. A promotoria aponta que exame comprovou presença de esperma na região genital da vítima. A denúncia contra dois homens, que agora tem 27 anos e 32 anos, foi aceita em 28 de março de 2017 pelo então juiz da 4ª Vara Criminal, Wilson Leite Correa.
As defesas apontaram provas frágeis e que não havia confirmação de esperma nas peças de roupas das vítimas.
O processo entrou num ciclo de audiências agendadas com frequência de uma a cada ano. Em 6 de junho de 2018, aconteceu a primeira. A segunda ficou para 23 de julho de 2019.
Mas, como nesta data a magistrada titular May Melke Amaral Penteado Siravegna estava de férias e o juiz substituto Waldir Peixoto Barbosa tinha audiência na mesma data, a audiência foi redesignada para 28 de maio de 2020.
Neste ano, entra em cena a pandemia do coronavírus. A juíza titular remarcou a audiência para 30 de julho de 2020 em observância à resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) com medidas de prevenção à disseminação da covid, dentre elas a vedação da realização de atos presenciais em processos não urgentes.
No dia 8 de julho, a decisão foi suspender o processo por 60 dias ou até o término do regime de plantão extraordinário. O caso acabou esquecido por dois anos, com movimentação somente em 2022, quando audiência foi marcada para 21 de julho do ano passado.
A defesa de um dos réus, que estava no carro naquele 25 de janeiro de 2015, cobrou uma resolução. “Destaca-se que o requerido não está trabalhando em razão da existência desta ação penal, posto que em todos os locais que já se candidatou à laborar, cita-se as empresas de transporte privado urbano (Uber e 99), suas solicitações foram rejeitadas, por estar respondendo este processo criminal, o que lhe causa além de prejuízos, indignação, impotência e frustrações, uma vez que não teve qualquer participação nas alegações, sendo de forma injusta mantido no polo passivo do feito, mesmo sem nenhuma acusação da suposta vítima à seu respeito”.
Representante da vítima, o MPE (Ministério Público Estadual) não tomou medida semelhante. A defesa pediu a realização de videoconferência para acelerar o rito processual, mas foi negado pela magistrada.
“Indefiro o requerimento de fl. 449/450.Isto porque, em que pese haver determinação do CNJ e TJ/MS autorizando a realização de audiência por videoconferência, a regra é presencial. Aliás, a modalidade pretendida é opcional e este Juízo não vislumbra nos autos excepcionalidade relevante a justificar o requerimento. No mais, aguarde-se a audiência designada nos autos, cumprindo os atos processuais para tanto”.
A última movimentação da ação penal foi em 13 de janeiro deste ano. A juíza acolheu pedido do MPE para atualizar os antecedentes dos réus e negou pedido da defesa para quebra de sigilo das conversas por aplicativo.
“As diligências junto à empresa de WhatsApp e o depoimento estão preclusos porquanto não requeridos por ocasião da resposta à acusação”.
O caso chama atenção pela quantidade reduzida de envolvidos, dois réus, e por não envolver recursos a instâncias superiores ou análise de quebra de sigilo financeiro, como em longos processos por organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Contradições e vida devassada – Sobre o fato de a jovem ter ficado sonolenta, com poucas lembranças em flashes, foi apontado que ela disse em depoimento que o consumo de bebida alcoólica já a tinha deixado sonolenta em outras ocasiões. Também foi contestado o “apagão” de três horas, porque a jovem manteve contato com a mãe pelo aplicativo WhatsApp. Com diálogo até 23h17 e ligação para que fosse buscá-la às 23h50.
Um dos advogados também apontou ausência de lesão no ânus ou presença de esperma. No depoimento, a vítima disse que sentiu dor na região ao urinar e suspeitou da violência sexual. Até o fato de ela ter relatado ter mantido relação sexual anal em outra ocasião não escapou de entrar no processo, numa clara demonstração que a vida intima de quem faz denúncia de estupro é devassada.
“Ocorre que, a descrição e conclusão dos laudos de exame de corpo delito e de esperma, também, contradizem a versão da suposta vítima, sobre a existência de violação sexual anal, que foi justamente a causa da suspeita e o que levou a todo o desenrolar do feito, iniciando com o registro de um Boletim de Ocorrência que destoa de todo o contexto trazido na denúncia.
Por fim, ressalta-se que na instrução deve-se levar em conta as condições da suposta vítima, idade, grau de instrução e, dentro, dessas experiências afirma ela no depoimento judicial (minuto 44:47), que já teve relação sexual anal antes e disse que é diferente a dor, quando a vítima consente e quando não há consentimento”.