“Frustrado” com irregularidades cometidas pelo padre durante discurso em uma missa que presenciou, o promotor de justiça João Linhares Junior, de Ministério Público de Dourados, enviou um requerimento ao bispo Dom Henrique Aparecido de Lima, da Diocese da cidade. No documento, relata que o sacerdote “politizou ostensiva e desnecessariamente o ato religioso” e teceu comentários “inverídicos”.
João Linhares descreve que o padre sugeriu apoio aos atos golpistas em frente ao quartéis, a que denominou de “movimento democrático e pacífico”, o que, destaca o promotor, pode configurar crime. Além disso, “externou” que uma catequista douradense estava presa “arbitrária e injustamente em Brasília, por ordem do STF, sendo que ela ‘nada teria feito’”.
Ao todo, 1,3 mil pessoas foram presas após os atos golpistas, nos quais bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos três poderes. Desde então, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre o caso no STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu liberdade provisória a 457 pessoas, com monitoramento por tornozeleira eletrônica.
“Eu rezo, com uma certa apreensão no meu coração, pelas pessoas que estão detidas lá em Brasília. Todos que cometeram atrocidades de vandalismo devem pagar, é crime depredar patrimônio público. Mas nem todos que foram presos têm culpa, é uma injustiça”, declarou o padre na missa.
O promotor defende que essa atitude do sacerdote estaria “desacreditando a Justiça e o devido processo legal apuratório e dando azo ao movimento delituoso que vem sendo combatido no país por suas instituições democráticas”.
Em outro momento da missa, foi dito que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende liberar o aborto, o que é mentira. Ainda fez alusão ao petista ao dizer que “o demônio acha que venceu, mas Jesus é maior do que ele”.
A reportagem assistiu à gravação da missa e o padre diz o seguinte sobre aborto: “Já estão cogitando, de novo, para aprovar o aborto no nosso país. […] Só que agora estão querendo aprovar para que façam no SUS. De repente, se isso for aprovado, os lugares carentes às vezes tá só um médico, que deveria atender uma pessoa que chegou com uma urgência, mas o médico está lá ajudando a matar a criança no ventre”.
O próprio padre cita que, atualmente, o aborto não é crime no Brasil em duas circunstâncias: quando se trata de gestação decorrente de estupro ou no caso de risco de morte materna. E, nestes casos, pode ser realizado pelo SUS (Sistema Único de Saúde). No entanto, o clérigo destaca que a Igreja é contra até mesmo nestes casos. Não há, porém, qualquer projeto do governo Lula que busca ampliar o direito ao aborto.
“Enfim, foi uma sucessão de bazófias lorpas e de mensagens que em nada elevam o espírito dos fiéis ou que gerem harmonia e confiança na democracia e na justiça”, conclui o promotor de justiça.
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Irregularidades e mentiras
Em conversa com a reportagem de O Jacaré, João Linhares diz que fez a representação “na condição de cristão católico, e não de Promotor de Justiça”.
“Trata-se de um requerimento ao Bispo para ele analisar algumas coisas que ocorreram durante a celebração da missa em tela e também se a atividade político-partidária convém dentro da Igreja Católica, principalmente neste momento tão delicado de nossa democracia”, explicou sobre a história que foi revelada pelo site Douranews.
No documento, o promotor pede ao bispo que a gravação da missa celebrada pelo padre Leão Pedro, na noite de domingo (22/1), seja preservada. Também que adote providências necessárias para responsabilizá-lo, “conforme preconiza as normas da Igreja e do Código Canônico, pela perpetração das várias irregularidades em tese praticadas”.
Além disso, que seja determinado que o padre Leão e outros clérigos que se “abstenham de tecer comentários que se fundem ostensivamente em inverdades, com conteúdo político-partidário, e que deslegitimem a democracia brasileira”.
“Não importa o colorido ou o perfil político que se tenha, penso que durante a missa, um ato sagrado para os católicos, não se deve abordar assunto político-partidário que gere desarmonia ou sentimentos negativos. Os cristãos católicos vão à missa para orar, elevar o espírito, agradecer, louvar a Deus e buscar paz, amor”, defende o promotor João Linhares Junior.
“Ademais, a democracia deve ser respeitada, especialmente neste momento tão exasperante e delicado. Defender movimentos antidemocráticos como sendo legais ou pacíficos e tentar desacreditar o papel das instituições que estão apurando os crimes não se afigura também profícuo e razoável”, complementa.
O promotor diz que conversou com o bispo Dom Henrique Aparecido de Lima, da Diocese de Dourados, que afirmou ter conversado com o padre Leão Pedro e que analisará o caso.
“As providências serão adotadas, se for o caso, exclusivamente pela Igreja, se ela reputar que o comportamento do padre foi contrário às suas regras”, conclui Linhares.