“As pessoas deveriam ter um pouco mais de compaixão pelas outras, até porque não sabe o que cada uma está passando no momento”, diz Luísa*, 28 anos, que luta para conseguir o auxílio-reclusão e, assim, garantir o sustento dela e da filha, uma bebê de 8 meses.
O auxílio-reclusão é um benefício pago pelo Governo Federal apenas aos dependentes do segurado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que seja de baixa renda e que esteja cumprindo prisão em regime fechado.
O benefício foi alvo de fake news, durante esta semana, amplamente divulgada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A informação falsa diz que o governo Lula (PT) havia reajustado o auxílio-reclusão para R$ 1.754,18; quando na realidade o valor máximo pago é de um salário-mínimo.
Neste mês, o salário mínimo subiu para R$ 1.302. Assim, todos os benefícios atrelados a ele foram reajustados, a exemplo do auxílio-reclusão, que chegou aos mesmos R$ 1.302.
Além do valor, o bando bolsonarista atacava também o direito que os presos têm de receber o recurso, como se o fato de terem cometido delitos, além de cumprirem pena, deveriam junto perder seus direitos. O deputado federal bolsonarista Loester Trutis (PL-MS), em 2021, chegou a apresentar uma proposta que suspenderia por quatro anos o pagamento de auxílio-reclusão.
No entanto, um dos requisitos para garantir o auxílio é ter contribuído com o INSS nos últimos 24 meses, pelo menos, e ser considerado de baixa renda.
“Sinto pena das pessoas por não entenderem que mesmo ele tendo errado isso não cabe a ninguém julgar”, desabafa Luísa. “As pessoas teriam que entender que o auxílio só recebe o preso que trabalha de carteira assinada, ou seja, ele não só errou, também trabalha como todo mundo”.
O benefício é pago apenas aos dependentes do preso, enquanto o segurado estiver recolhido à prisão. A partir do momento em que o segurado volta para a liberdade, o benefício é encerrado.
Em Mato Grosso do Sul, são pagos atualmente 402 auxílios-reclusão, segundo dados repassados pelo INSS a O Jacaré. Em 2022, foi pago um total de R$ 7.387.365,97 em auxílios no estado.
De acordo com a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), em novembro do ano passado, havia 14.167 presos e presas em regime fechado em instituições estaduais. Ou seja, apenas 2,83% recebem o benefício.
Sobrevivência
Com o marido preso desde dezembro de 2021, em Campo Grande, Luísa se viu contando apenas com a ajuda da mãe para cuidar da filha de 8 meses. Como trabalhava e desestimulada pelos relatos de burocracia, ela não se preocupou em conseguir o auxílio-reclusão a que tem direito.
“Todas que conheço que foram atrás disseram que é muita burocracia para conseguir esse auxílio, fora a humilhação que tem no INSS. Quando as pessoas vão para a entrada, eles [funcionários] acabam comentando em voz alta [sobre a situação do marido] e, no meu ponto de vista, isso é preconceito”, conta Luísa.
A situação, porém, mudou drasticamente em dezembro do ano passado, quando sua mãe ficou doente, teve que ser internada, e agora está em coma.
Sem ter com quem deixar a filha para ir ao trabalho, Luísa agora tenta conseguir o benefício.
“Estou há uma semana sem trabalhar por conta da minha bebê. A creche só começa em fevereiro. Então como estou faltando, será descontado do meu salário, que já não é o suficiente para pagar as contas e comprar tudo que uma bebê precisa. Com a chegada desse auxílio-reclusão já será uma ajuda e tanto, principalmente no momento que me encontro”, diz a auxiliar de perecíveis.
O caminho para conseguir o benefício tem suas pedras, ainda mais como no caso de Luísa, que mora no interior do estado de São Paulo, longe de onde está o marido, algo comum entre familiares de presos.
“Bem difícil, ainda mais pra mim que sou de outro estado. Eu tenho que mandar a documentação por e-mail escaneada porque não tenho condições de ir até o presídio onde ele se encontra. Então comecei ontem [18 de janeiro] a imprimir e assinar os papéis para hoje escanear e mandar para o e-mail do presídio. Aí eles têm 10 dias para me enviar para eu poder ir até no INSS da minha cidade para dar entrada. E mesmo assim não é certeza que eu vou conseguir receber”.
Luísa conhece outras mulheres de presos que tiveram a concessão do benefício recusada, por causa da renda familiar acima do permitido e outras situações, e teme que isso possa acontecer com ela.
As intempéries pelo caminho podem acontecer mesmo. Sônia*, que tem um filho de 7 anos com o marido preso, por exemplo, diz que levou 6 meses para o pedido ser aprovado, mas recebeu os valores relativos a esse período.
O marido está preso desde 2017 em Campo Grande e, em julho de 2022, o INSS alegou ter recebido a informação da Receita Federal de que seu esposo estava foragido e cortou o benefício. Ela contratou um advogado para analisar a situação e foi informada de que não havia irregularidades. “Agora vai entrar com danos morais e recorrer para voltar a receber”, diz.
Sobre a perda do benefício, Sônia diz que “me quebrou as duas pernas”. “Me prejudicou bastante, tive que cortar muita coisa. Agora só tenho um salário do meu pagamento, só consigo pagar o básico. É aluguel, água, luz e comida. Mal consigo ajudar meu esposo na sacola dele. O auxílio ajudava muito”.
Estigma
O advogado João Cyrino destaca o papel social do auxílio-reclusão, voltado para famílias que, em alguns casos, perderam o arrimo da família, quem garantia o sustento.
“Existe um estigma muito grande sobre a prisão e a pessoa encarcerada. A gente vive em uma sociedade em que o discurso que desumaniza essas pessoas é muito forte. Só que nem todo mundo que está preso é porque é um monstro”, defende Cyrino.
“Às vezes, uma pessoa foi presa numa eventualidade, errou, mas a família dela fica à mercê de nada, sem nenhum tipo de apoio. Às vezes era aquela pessoa que colocava comida dentro de casa, com filho pequeno, esposa. E essas pessoas ficam sem um mínimo de amparo”, complementa.
O relato de Luísa reforça este estigma: “Tem muitas pessoas que falam que a família que recebe é vagabunda, que quer receber pra não trabalhar, mas a realidade é outra. As pessoas deveriam deixar de ser mesquinhas e ampliar mais a mente, porque hoje é eu, amanhã pode ser elas, e aí elas vão sentir na pele a dificuldade e a realidade que muitas famílias passam para conseguir levar o sustento para dentro de casa”.
Sônia destaca o apoio financeiro aos filhos. “Isso me dá uma raiva, sabe? É direito dos filhos. Os filhos acabam tendo direito porque eles [presos] contribuíram por um tempo”.
“Outra coisa que me revolta muito é quando dizem que ‘a sociedade que banca os presos com imposto’. Só que se a família não levar sabonete, um xampu, eles não têm nada. Os familiares não têm culpa pelo que os entes fizeram. É super errado a sociedade julgar de uma tal forma que nem sabem o que acontece realmente. É fácil julgar quando se está do lado de fora olhando”, conclui a manicure.
Desinformação
Outro aspecto abordado pelos defensores é a falta de informação que leva algumas famílias a não saber que têm direito ao benefício.
“Muitas pessoas que querem solicitar, por exemplo, não sabem que conseguem na unidade prisional. O setor jurídico oferece a documentação e [o dependente] consegue fazer a solicitação via aplicativo do INSS. É muito mais fácil do que se imagina. Muita gente não consegue receber porque não sabe como faz”, explica o advogado Fernando Dias.
João Cyrino concorda com o colega: “Muita gente não sabe, muita gente mesmo. É porque é um benefício previdenciário, ele não é, digamos, ‘de graça’. É para quem estava contribuindo para a previdência, trabalhando de carteira assinada ou contribuindo de outras maneiras. E não é um benefício divulgado igual aos outros, como aposentadoria, auxílio-doença, pensão por morte. Não tem esse apelo, essa divulgação”.
*Os nomes das entrevistadas foram alterados para proteger suas identidades.
O que é preciso para ter direito ao Auxílio-Reclusão?
O segurado precisa ter contribuído com o INSS nos últimos 24 meses (pelo menos) e ser considerado de baixa renda.
Além disso, o segurado não pode estar recebendo remuneração ou algum dos seguintes benefícios do INSS: auxílio por incapacidade temporária, pensão por morte, salário-maternidade, aposentadoria ou abono de permanência em serviço.
Quem tem direito ao Auxílio-Reclusão?
Assim como a pensão por morte, o Auxílio-Reclusão é pago aos familiares que dependem economicamente do segurado que foi recolhido à prisão.São considerados dependentes:
- Companheiro ou companheira;
- Cônjuge;
- Filhos menores de 21 anos ou filhos inválidos ou com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
- Pais do segurado;
- Irmãos do segurado, menores de 21 anos ou irmãos inválidos ou com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.
Quais os documentos necessários para pedir o auxílio?
- Documentos de identificação do segurado e dos dependentes, como CPF;
- Declaração de Cárcere;
- Procuração com documentos do procurador, no caso de representante;
- Documentos que comprovem o tempo de contribuição, quando solicitado;
- Documentos de comprovação dos dependentes.
Mais informações podem ser consultadas no site do INSS (clique aqui para entrar).