Aos 49 anos, o advogado, professor universitário e consultor jurídico Ênio Martins Murad perdeu todo o patrimônio construído ao longo de décadas ao insistir nas denúncias de corrupção e peculato contra conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul. Palestrante renomado e docente brilhante, requisitado para ministrar aulas para magistrados, ele foi considerado como louco por insistir nas suspeitas contra a corte fiscal.
Sete anos após deixar o TCE, em decorrência de suposta coação e assédio do então presidente, conselheiro Waldir Neves Barbosa, ele vê com satisfação e esperança a Operação Terceirização de Ouro, denominação da 2ª fase da Mineração de Ouro, deflagrada pela Polícia Federal para apurar os crimes que tanto denunciou.
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Além de quebrar o sigilo bancário e fiscal dos acusados de integrar a organização criminosa, o ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, afastou do cargo e mandou colocar tornozeleira nos conselheiros Iran Coelho das Neves (então presidente), Ronaldo Chadid (corregedor-geral) e Waldir Neves (ex-presidente).
Desde dezembro de 2015, quando decidiu pedir exoneração do cargo de secretário-geral do Ministério Público de Contas, Murad vem gravando vídeos, dando entrevistas, protocolando denúncias no Ministério Público Estadual e Federal e ações na Justiça contra os conselheiros. Na Justiça, as ações patinam. No MPE, muitas foram arquivadas e atestaram a “idoneidade” dos conselheiros.
“A tese deles era que eu era louco e não cometeram crime nenhum”, conta Ênio. Ele perdeu o primeiro processo por danos morais contra Waldir Neves. A esperança é que as operações da PF, deflagradas com o aval do STJ, sensibilizem a magistratura estadual a lhe dar razão e, na sua opinião, faça-lhe justiça contra a suposta organização criminosa que atua no TCE.
Natural de Presidente Venceslau (SP), Murad teve uma carreira exitosa em Mato Grosso do Sul. De 1995 a 97, ele foi gerente comercial de distribuição da Enersul. Após passar pela Assembleia Legislativa como assessor parlamentar, o advogado chegou ao cargo de assessor do presidente do TCE de 2001 a 2003.
Na corte fiscal, ele foi assessor jurídico do MPC por nove anos, de 2003 a 2012, e chegou ao cargo de secretário-geral do Ministério Público de Contas em 2012. Neste período, foi professor universitário e da Escola Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
A referência era tanta que até aula magna para abertura de cursos de magistrados ele foi chamado. No entanto, ao optar pelas denúncias contra os conselheiros, ele acabou caindo em desgraça.
“Vendi todos os imóveis que eu tinha. Hoje não tenho mais nenhum imóvel e passo por muita dificuldade financeira”, lamenta-se, sobre a luta contra tudo e todos que travou em Mato Grosso do Sul para denunciar os supostos crimes cometidos pelos conselheiros do TCE.
O primeiro sinal de esperança surgiu no horizonte com a Operação Mineração de Ouro, deflagrada em junho do ano passado, quando a PF começou a investigar os conselheiros Ronaldo Chadid, Osmar Jeronymo e Waldir Neves. Os crimes vão desde a contratação de funcionários fantasmas até a venda de sentenças.
A sorte do advogado é que os conselheiros possuem foro privilegiado e as denúncias tramitam no STJ, longe do MPE e da Justiça Estadual. O Tribunal de Justiça chegou a arquivar um ação por improbidade administrativa contra o TCE, na qual obrigava a corte a abrir a caixa preta, porque o promotor Marcos Alex Vera de Oliveira não tinha competência para processor um conselheiro.
Os conselheiros seguiram a vida normal. Waldir Neves retornar à presidência do TCE no ano passado. Para driblar as resistências, conforme o Jornal de Domingo, ele tinha até definido uma manobra, colocar o conselheiro Flávio Kayatt como presidente e ficar de vice. Fechada as urnas, o ex-prefeito de Ponta Porã pediria licença e Waldir assumiria o comando da corte.
Os planos foram água abaixo com a Operação Terceirização de Ouro. Iran, Waldir e Chadid foram afastados da corte por seis meses e estão proibidos de manter contatos com outros investigados. Para garantir a aplicação da decisão, o ministro determinou o monitoramento eletrônico.
Waldir Neves alegou cirurgia de urgência em decorrência de um câncer da próstata para tirar o adereço antes do Natal. A cirurgia ficou para o final de janeiro e o conselheiro segue sem a tornozeleira por determinação do juiz Alessandro Rodrigues, do Plantão Criminal.
Com os algozes em apuros, Ênio Martins Murad tem esperança de reconstruir a carreira como advogado e professor. “Eu creio que após os últimos episódios, as pessoas, que se afastaram de mim, em razão de não acreditarem ou por estarem do lado do crime, agora possam nos ouvir com mais atenção”, acredita.
“Todo o meu trabalho como advogado se pautou pelo correto, pelo justo e perfeito”, assegura. Ele tem esperanças de que tenha vez em Mato Grosso do Sul. Aliás, acredita que aqui não seja uma terra onde o crime compensa.