O produtor rural José Aparecido Thomazelli foi condenado a sete anos, cinco meses e sete dias de reclusão no regime fechado por manter nove trabalhadores indígenas em situação ao de trabalho escravo. Entre 2005 e 2019, conforme a sentença publicada nesta quinta-feira (1º), os índios viviam em condições degradantes e tomavam a mesma água usada pelo gado na Fazenda Copacabana, em Aquidauana, a 130 quilômetros de Campo Grande.
A sentença é do juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande. Os operários foram resgatados pelos auditores da Superintendência Regional do Trabalho no dia 28 de agosto de 2019.
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“Em suma: as condições degradantes de trabalho são indubitáveis, em particular as condições do alojamento (de lona dentro do mato), as questões sanitárias (ausência de quaisquer condições dignas de asseio), a falta de equipamentos de trabalho (EPIs), sistematicamente negligenciados e a falta de água potável (trabalhadores consumindo a mesma água que o gado), resultando em um ambiente degradante, são induvidosas”, concluiu o magistrado.
“O argumento defensivo de que os indígenas e os trabalhadores locais preferiam ‘culturalmente’ assim trabalhar não merece acatamento, pois inserem-se entre os deveres do empregador a preservação da dignidade das relações de trabalho, sendo que, mesmo que hipoteticamente essa dignidade fosse renunciável, isso não restou comprovado: o trabalhador ouvido em Juízo afirmou categoricamente que o réu nunca ofereceu alojamento e os trabalhadores precisavam comer improvisadamente, pois não havia refeitórios, nem sequer banheiros”, pontuou.
A sentença não é a primeira a condenar acusados por manter trabalhadores rurais em condições de escravidão em Mato Grosso do Sul. O produtor rural de Camapuã foi condenado a dois anos. A 5ª Vara Federal de Campo Grande condenou uma fazendeira de Porto Murtinho a prestação de serviços à comunidade.
Neste caso, conforme o juiz Bruno Cezar, os trabalhadores eram moradores da Aldeia Ipegue, no Distrito de Taunay, em Aquidauana, e eram recrutados para trabalhar na propriedade localizada a duas horas de carro.
“Em 29/08/2019, após levantamento feito pelo serviço de inteligência da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de Mato Grosso do Sul, Auditores-Fiscais do Trabalho teriam constatado in loco: a) ausência de registro de empregados; b) ausência de exame médico admissional; c) ausência de material necessário à prestação de primeiros socorros; d) ausência de água potável e fresca; e) ausência de instalações sanitárias; f) ausência de alojamentos; g) ausência de local adequado para preparo de alimentos aos trabalhadores; h) ausência de local para refeição aos trabalhadores; i) ausência de camas no alojamento; j) ausência de lavanderia aos trabalhadores; e, l) ausências de equipamentos de proteção”, descreveu.
“Não foram disponibilizados alojamentos aos trabalhadores, que necessitavam pernoitar na fazenda entre as jornadas de trabalho, pois a distância de seus locais de residência (cerca de duas horas por estradas de terra) não permitia o deslocamento diário para lá. Por isso, os empregados improvisaram barracos com toras de madeira (galhos de árvore) cobertos com lona e palha, sobre piso de terra, sem qualquer vedação”, descreveu o juiz as condições degradantes.
“Para o descanso noturno, devido à indisponibilidade de camas (AI 21.830.883-3), os trabalhadores improvisaram ‘tarimbas’ (tábuas de madeira sobre tocos) com colchões e espumas deteriorados, levadas pelos próprios trabalhadores para o local”, frisou.
“A preparação de alimentos era feita em local inadequado (AI 21.830.881-7), em um barraco de lona improvisado, sobre piso de terra, sem pia, sem local adequado para a guarda de gêneros alimentícios, com uso de um fogareiro improvisado instalado diretamente sobre o piso de terra”, prosseguiu.
“Não havia local para as refeições dos trabalhadores. As refeições diárias, preparadas pelos próprios trabalhadores, eram consumidas nas imediações dos barracos de lona, sem qualquer estrutura mínima, tais como mesas, assentos e demais requisitos previstos na NR-31”, pontuou.
“No local de acampamento e nos locais de trabalho não foi disponibilizada água potável aos empregados. A água utilizada para consumo, preparação de alimentos, banho e lavagem de roupas era a mesma, escura e turva, retirada de uma caixa de água existente nas proximidades da área de acampamento e armazenada em recipientes plásticos”, descreveu. Um trabalhador contou que a água era a mesma consumida pelas vacas.
O produtor rural alegou que firmou TAC com o Ministério Público do Trabalho e registrou os trabalhadores. “Ressalto que as providências adotadas ou o desfecho ocorrido no âmbito administrativo, ou mesmo perante a Justiça do Trabalho, ante a celebração de Termo de Ajustamento e Conduta – TAC, não prejudica ou interfere na persecução penal, tampouco causa bis in idem, dada a independência das instâncias administrativa, civil, trabalhista e penal”, ponderou o magistrado.
“A redução a condição análoga à de escravo é um crime de ação múltipla ou conteúdo variado, considerando-o praticado se quaisquer dos verbos nucleares estiverem presentes, ainda que isoladamente. Considera-se caracterizado o crime, quer seja pela submissão a trabalhos forçados; quer seja pela existência de jornada exaustiva; pela sujeição a condições degradantes de trabalho; ou ainda pela restrição de sua liberdade em razão de dívida contraída”, afirmou.
Thomazelli poderá recorrer da sentença em liberdade.