Pela primeira vez, o fim das eleições não acabou com a polarização e a guerra contra os petistas ou eleitores do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um médico de Nova Andradina e a reitora da Unigran e filha do vice-governador Murilo Zauith (União Brasil) ganharam destaque nacional por comentários que podem resvalar para o crime e xenofobia e até omissão de socorro.
O clima de guerra é mantido até pelo deputado federal mais votado, o advogado Marcos Pollon (PL). Nas redes sociais, o bolsonarista engrossou o grupo que vem fazendo lista de boicote de quem votou em Lula no 2º turno.
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“Eu tenho orgulho do meu voto 22. Atenção petistas, coloquem esse adesivo na porta do seu negócio (PT). Mostre que você tem orgulho de quem elegeu”, desafia o deputado, com uma estrela e o símbolo do partido de Lula no meio. A postagem teve 381 curtidas e115 compartilhamentos.
A questão é que Pollon foi eleito deputado federal de todos os sul-mato-grossenses e não apenas dos bolsonaristas. Em MS, Lula ficou com quase 40% dos votos, enquanto Bolsonaro 60%. Não existe deputado para um grupo ou segmento, mas todos os brasileiros.
O caso mais emblemático foi do diretor clínico do Hospital Regional de Nova Andradina, o médico Ygor José Saraiva Carvalho Silva. Ele afirma, em áudio que viralizou nas redes sociais, de que não atenderia nenhum eleitor petista.
“O Lula é bandido e quem vota em bandido, bandido é. Se votar no Lula e chegar morrendo lá no hospital, vai morrer. Não vou ajudar”, bradou Ygor, para espanto de quem esperava de um médico ter o propósito de salvar vidas.
A repercussão deixou o médico em maus lençóis, O vereador de Nova Andradina, Josenildo Ceará (PT), pediu a abertura de inquérito pelo Ministério Público Estadual e cobrou providências da administração do hospital. O MPE abriu inquérito para apurar improbidade administrativa e crime de prevaricação.
Ygor não negou a autoria dos áudios, mas se defendeu após a repercussão nacional do episódio. “A única resposta que posso dar à pessoa que tiver alguma dúvida do meu serviço é puxar a minha história como médico. E tenha certeza que nunca fiz distinção de nenhuma pessoa que me procurou, tanto no meu período de serviço e até mesmo nos meus dias de folga. Faço meu trabalho da melhor forma possível, vou continuar cada vez me empenhando mais. Não faço e nunca vou fazer distinção de ninguém”, afirmou.
Outra infeliz foi a reitora da Unigran, Mariana Zauith. “Ganhamos onde se produz e perdemos onde se tira férias… Bora trabalhar pq [sic] se o gado morrer os carrapatos vão passar fome”, postou em uma rede social. O post xenófobo é semelhante ao feito por uma diretora do Flamengo e também teve repercussão nacional, principalmente, pela universidade ser uma das maiores do Estado.
De acordo com o colunista Guilherme Amado, do Metrópoles, a reitora se diz arrependida do episódio. “O post foi compartilhado, porém, no mesmo dia, compartilhei outro post, afirmando que São Paulo decidiu as eleições, ou seja, corrigindo o erro da postagem anterior. Aproveito esta oportunidade para me desculpar com o povo nordestino pelo meu erro, ainda mais porque não faz parte da minha índole me manifestar contra nenhum ser humano”, afirmou Mariana.
“Eleição acabou; chegou a hora da paz; o país é um só e todos amamos a mesma bandeira; se o que o médico falou foi apenas uma chacota, levará apenas um puxão de orelha; mas se o dito se transformar em realidade, o mundo cairá na cabeça dele; porque a conduta será ao mesmo tempo criminosa e contrária à ética profissional; cabe às autoridades tudo investigar”, afirmou o advogado e ex-juiz eleitoral, André borges.
Para ex-presidente da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Mato Grosso do Sul) e deputado federal, Fábio Trad (PSD), as manifestações são preocupantes. “Em relação ao fanatismo bolsonarista expresso nas manifestações mimadas e nonsense de um deputado eleito e de um médico do interior do estado, merecem ser lidos como um sinal de debilidade da qualidade moral e política de quem as proferiu”, lamentou o parlamentar.
“O mais preocupante é que há ressonância social para este tipo de discurso criminoso. A tarefa dos democratas autênticos é confrontá-los mostrando o caráter ridículo e patético de suas posições”, aconselhou o deputado.
O advogado Yves Drosghic ressalta para as pessoas perderam a vergonha de cometer crimes, inclusive, os tipificados no Código Penal, como xenofobia, discriminação e racismo. “O médico deve ser punido”, defendeu, ao citar o caso do presidente Jair Bolsonaro (PL), de que não estupraria uma deputada federal por ser feia. Na sua avaliação, o episódio ficou impune e acabou incentivando as pessoas a repetirem os crimes.
Sobre o caso do deputado Marcos Pollon, o advogado vê prática similar a adotada pelo nazismo na Alemanha, quando os judeus eram marcados para serem discriminados. Ele também defende que o médico não pode discriminar uma pessoa pelo partido ou ideologia, porque o Código de Conduta Médica determina que atua para salvar vidas.