Leonardo Avelino Duarte
Após as eleições nacionais deste primeiro turno, resolvi escrever como forma de desabafo e como maneira de tentar entender o que está acontecendo. Se conseguir botar no papel o que eu sinto, poderei, ao menos, organizar e compreender minhas emoções. Em momentos confusos, é sábio adotar uma postura de observação, de neutralidade, tanto quanto possível.
A primeira coisa que gostaria de registrar é a respeito das pesquisas. Acho um erro ser condescendente com elas. As pesquisas erraram, e erraram feio, em vários lugares. Não dá para admitir que um instituto de pesquisa apresente um erro de seis pontos em uma corrida presidencial. Institutos de pesquisa são relevantes para o processo democrático, por isso, aliás, que as pesquisas devem ser registradas no TRE. É inadmissível que se diga que o candidato à reeleição tenha 36% dos votos válidos para ele se apresentar com 43%, no dia seguinte. Também não é razoável supor que elas errem tanto, e em tantos estados, como erraram.
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Há duas hipóteses para isso: a do erro grosseiro e o da manipulação. Se for o caso de manipulação, então as teorias conspiratórias que dizem que há um complô da mídia para derrubar o atual presidente têm fundamento, simples assim. Não quero crer nisto. Talvez seja ingênuo. Se tiver ocorrido o erro, ainda que seja de interpretação dos dados, como, talvez ingenuamente, acredito, então algo há de ser feito, com rapidez, sob pena de (mais) ataques ao processo democrático e ao processo, supostamente científico, de feitura das pesquisas.
Agora o principal, a razão do meu desabafo. Para esta direita a democracia não é o valor mais importante, tampouco direitos fundamentais. Aqui não emito uma crítica, uma censura. Apenas uma observação. Na minha visão de mundo, as liberdades individuais seriam asseguradas por meio da democracia constitucional – que privilegia, acima de tudo, direitos fundamentais. Esta não é a questão central que a direita hoje majoritária quer defender.
Para a atual maioria, os valores mais importantes são a tradição, família, propriedade e a religiosidade cristã. Estas seriam as medidas que possibilitariam que todo o restante seria julgado. De fato, parte expressiva desta maioria até pede golpe de estado, porque crê que isto não significa perda da liberdade.
A ameaça a estes valores para eles estaria materializada na proibição do porte de armas, na suposta ameaça à propriedade com reforma agrária ou demarcação de terras indígenas, no combate ao desmatamento, na proibição do garimpo ilegal, na educação sexual e na tolerância e aceitação das minorias sexuais, por aí indo. Pouco importa aqui a necessidade coletiva ou pública de que estas coisas sejam feitas: o que deve preponderar é, sempre, a vontade do indivíduo, especialmente sobre a sua ótica econômica, como se isso fosse suficiente numa perspectiva de direitos.
Estes medos são verdadeiros para a maioria dos brasileiros, ainda que não sejam necessariamente reais. Não é inteligente de minha parte simplesmente negá-los, ou dizer para o interlocutor que eles não existem. Como alguém negaria o seu próprio medo? A esquerda está tão associada as pautas acima que qualquer menção a elas serve para descredenciar o indivíduo para esta multidão: ah, ele é esquerdista, diriam. Corta-se, assim, a linha de comunicação entre esta maioria e o restante da população.
Daí que é inconveniente simplesmente falar o que se pensa. Corre-se o risco de erosão comunicacional com pessoas que a gente quer bem. Essa maioria possui medos que são fortemente agitados pela simples discussão dos temas acima. Para eles, volto a dizer, os valores fundamentais são outros. Eles foram ensinados segundo o discurso de que o que há de sagrado é a tradição, propriedade, família, religião, etc, e estas categorias de pensamento não existem sem sua oposição, o que, portanto, constitui para eles o inaceitável.
Por outro lado, a esquerda não faz a sua auto-crítica. Muitos dos movimentos de direitos fundamentais foram impostos aos brasileiros, em uma sociedade fundamentalmente conservadora. Coisas como o aborto, o casamento gay, a demarcação de terras indígenas e a reforma agrária, ainda que necessárias, causaram muito ressentimento, e precisariam ser melhor discutidas, para que não se agrave o ódio que permeia a sociedade atual. Acho difícil reestabelecer uma linha de comunicação, um campo comum na política, com a maioria atual, se a minoria não fizer a sua parte. É preciso aprender a se comunicar.
De minha parte, a dor é a sensação de perda de capacidade de comunicação, geral, com vários segmentos sociais, com amigos e com pessoas que eu admiro e quero profundamente bem. Como muitos de nós, quando vejo que o meu interlocutor não pensa como eu, me silencio.
Não quero perder afetos, ou impor minha visão de mundo. E muito provavelmente meu próximo não quer ser convencido dos meus valores.
Eu ando muito quieto ultimamente.