Um dos católicos mais atuantes de Campo Grande, o deputado estadual Pedro Kemp (PT) decidiu publicar uma carta aberta aos cristãos para falar da perseguição dos petistas pelos padres, pastores e religosos bolsonaristas. Expulso de uma igreja pela orientação política, o parlamentar conta a sua história e critica a atuação de quem é capaz de tudo para defender os valores políticos, inclusive mentir e disseminar o ódio.
“Atuei na Paróquia Nossa Senhora de Fátima por 37 anos. Mudei de bairro e me engajei na Comunidade Imaculado Coração de Maria, no Carandá Bosque, onde os problemas da minha participação na Igreja começaram, primeiro com o pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, uma vez que o mesmo era um militante bolsonarista ativo nas redes sociais e fazia vídeo pedindo voto dos católicos para Bolsonaro nas eleições de 2018”, relata.
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“Confesso que há pelo menos dois anos tenho insistido em professar minha fé, que recebi dos meus pais e da Igreja, e participar de alguma comunidade como fiz a vida toda, para servir e colaborar de alguma forma com a construção do Reino pregado por Jesus Cristo. Mas digo, com profunda tristeza, que está ficando cada dia mais difícil fazê-lo”, lamenta.
“Sinto que já não sou mais aceito e acolhido como antes, quando atuava no ministério da animação litúrgica, na pastoral do batismo e da crisma, como catequista de adultos, como coordenador diocesano da Campanha da Fraternidade, membro da pastoral da juventude, da pastoral social, da coordenação de promoções e eventos para construção de igreja. Hoje muitos participantes da Igreja não me veem mais como um simples católico na sua comunidade, mas como um político infiltrado, e pior, um ‘esquerdista’”, conta.
“E resolvi escrever esta carta/confissão pública depois do que aconteceu comigo neste último domingo (02/10), dia das eleições em nosso país”, diz.
“A celebração transcorreu normalmente, até que nos recados finais o padre se pôs a ‘orientar’ os fiéis para que votassem como verdadeiros cristãos. O discurso que ele passou a fazer induzia sutilmente os presentes a votarem no presidente Bolsonaro e nos candidatos da direita e da extrema-direita, porque reproduzia as acusações que estes costumam fazer à esquerda e ao presidente Lula, falando de aborto, ‘ideologia de gênero’, de casais homoafetivos, de liberação de drogas, etc”, conta.
“Ao me retirar do templo, percebi que estava sendo filmado, mas nunca poderia imaginar que alguém (quem sabe um cristão autêntico, defensor da família, de Deus, da Pátria e da liberdade) pudesse fazer um vídeo para postar nas redes sociais e nos grupos de igreja, procurando reprovar meu comportamento e queimar minha imagem como político e como católico”, ressalta.
“O vídeo viralizou, e as imagens, divulgadas sem minha autorização, foram acompanhadas de comentários ferindo minha honra, minha reputação e minhas convicções. Não foi a primeira vez que católicos fizeram este tipo de coisa tentando prejudicar minha eleição. Mas sempre segui em frente com minha consciência tranquila como cristão e como homem público, defendendo meus princípios e minha fé”, conta.
“Desculpem a franqueza, mas o ódio que muitos de vocês sentem do Lula e do PT, para mim, no fundo, é ódio ao que eles representam, ódio dos pobres, dos excluídos e marginalizados.
Senhores pastores bolsonaristas, vocês afirmam nos púlpitos que se Lula for eleito vai fechar igrejas evangélicas. Por que vocês mentem dessa forma? Não se envergonham de tamanha desfaçatez?”, conclui.
Confira a mensagem na íntegra:
“CARTA ABERTA AOS CRISTÃOS
Meus irmãos e minhas irmãs em Cristo. Paz e bem!
Nasci num lar católico e herdei minha fé dos meus amados pais. Fui batizado na Basílica Nacional (antiga) de Aparecida-SP, para pagar uma promessa que minha mãe fizera à Nossa Senhora Aparecida pelo nascimento de um filho homem, depois de ter tido quatro filhas.
Frequentava minha paróquia desde criança, a Catedral de São Sebastião de Presidente Prudente-SP, onde fiz a catequese, a primeira comunhão e a crisma. Aos dez anos, já era coroinha numa capela da Santa Casa de Misericórdia da cidade, onde o capelão me confiava as chaves e o ofício de abrir as portas da igreja todos os dias para receber as pessoas que iam à missa das 17 horas.
Sentia-me orgulhoso e importante por exercer esta função de segunda à sexta-feira. Após as missas, o padre, que eu estimava muito, um santo homem, alegre e amável, me levava consigo ao visitar os doentes internados no hospital. O que mais me impactava era entrar na ala pediátrica e ver bebês prematuros nas incubadoras e outros recém-nascidos tomando soro e remédio com agulhas espetadas na cabeça.
Isso me marcava muito e, à noite, quase não dormia lembrando daquelas cenas. Influenciado por amigos da minha escola, aos treze anos fui estudar no seminário menor da minha cidade, e estava convicto de que tinha vocação para ser padre, querendo ser como o capelão bondoso da Santa Casa, que eu tanto admirava.
Concluí o curso secundário e fui transferido para o seminário maior diocesano de Londrina-PR, onde cursei filosofia e o início da teologia. Depois de muita reflexão, cheguei à conclusão que não era para mim a vida sacerdotal. Saí do seminário no final de 1982, mas não deixei de atuar nas pastorais da Igreja como leigo engajado.
Já em Campo Grande, onde minha família residia, fui atuar numa favela da periferia com os freis capuchinhos, nos finais de semana. Atuei na Paróquia Nossa Senhora de Fátima por 37 anos. Mudei de bairro e me engajei na Comunidade Imaculado Coração de Maria, no Carandá Bosque, onde os problemas da minha participação na Igreja começaram, primeiro com o pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, uma vez que o mesmo era um militante bolsonarista ativo nas redes sociais e fazia vídeo pedindo voto dos católicos para Bolsonaro nas eleições de 2018.
Aos poucos, sutil e covardemente, sem qualquer diálogo comigo, excluiu-me de todas as funções que eu exercia, chegando até mesmo a retirar da comunidade os serviços e pastorais para que eu não atuasse mais como catequista.
Depois, com o novo pároco da recém-criada Paróquia do Carandá Bosque, a situação se tornou insustentável devido a postura autoritária do sacerdote que praticamente expulsou toda a coordenação da comunidade, da qual eu fazia parte, e que havia iniciado os trabalhos desde a fundação da mesma, para implantar uma paróquia do seu jeito, com pessoas de fora, que fossem submissas às suas determinações e caprichos.
Confesso que há pelo menos dois anos tenho insistido em professar minha fé, que recebi dos meus pais e da Igreja, e participar de alguma comunidade como fiz a vida toda, para servir e colaborar de alguma forma com a construção do Reino pregado por Jesus Cristo. Mas digo, com profunda tristeza, que está ficando cada dia mais difícil fazê-lo.
Sinto que já não sou mais aceito e acolhido como antes, quando atuava no ministério da animação litúrgica, na pastoral do batismo e da crisma, como catequista de adultos, como coordenador diocesano da Campanha da Fraternidade, membro da pastoral da juventude, da pastoral social, da coordenação de promoções e eventos para construção de igreja. Hoje muitos participantes da Igreja não me veem mais como um simples católico na sua comunidade, mas como um político infiltrado, e pior, um “esquerdista”.
Em anos passados, meu nome sempre constou em carta divulgada pelo então arcebispo de Campo Grande, Dom Vitório Pavanello, como um dos candidatos recomendados aos católicos nas eleições. Hoje sou vetado nos espaços onde sempre atuei como leigo, nos serviços, movimentos e pastorais como persona non grata. Já não sou mais confiável.
Pergunto-me sobre o que aconteceu nestes últimos tempos: eu mudei ou foi minha Igreja? Por isso, sinto a necessidade de compartilhar com vocês as angústias que estou sentindo, e fico muito à vontade para fazê-lo, porque sempre fui um católico praticante desde a minha mais tenra idade. E resolvi escrever esta carta/confissão pública depois do que aconteceu comigo neste último domingo (02/10), dia das eleições em nosso país.
Acordei logo cedo, com o corpo doendo, cansado e muito ansioso, depois de 45 dias fazendo campanha eleitoral e de ter percorrido mais de 40 municípios e muitos bairros de Campo Grande, debatendo propostas e prestando contas do meu mandato parlamentar. Mas levantei muito animado, com o coração aquecido pela esperança de dias melhores para nosso povo e pronto para exercer mais uma vez meu direito e meu dever cívico de votar, com o propósito de escolher aqueles e aquelas que considero sejam os mais indicados para conduzir os destinos do meu estado e do meu país.
Antes de me dirigir até a escola onde está localizada minha sessão eleitoral, fui à Paróquia Sagrado Coração de Jesus para participar da celebração da missa, como faço todos os domingos desde que me conheço por gente, para agradecer a Deus pela campanha linda que fizemos, propositiva, alegre e militante; pelos amigos e amigas que tenho, pessoas maravilhosas que me acompanham há muito tempo, que me apoiaram e me ajudaram a levar nossa mensagem a todos os cantos do estado; por aqueles que encontrei nestas seis semanas de campanha, que me relataram problemas, reivindicaram, apresentaram propostas.
Nada pedi a Deus na missa, nem mesmo pela minha reeleição, apenas agradeci. Após a comunhão, fiz a oração que sempre faço, que aliás os padres a recitam ao comungarem: “Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, que cumprindo a vontade do Pai e agindo pelo Espírito Santo, por vossa morte (e ressurreição) destes vida ao mundo, livrai-me do pecado e de todo o mal, pelo vosso corpo e pelo vosso sangue, dai-me cumprir sempre a vossa vontade e jamais separar-me de vós”.
A celebração transcorreu normalmente, até que nos recados finais o padre se pôs a “orientar” os fiéis para que votassem como verdadeiros cristãos. O discurso que ele passou a fazer induzia sutilmente os presentes a votarem no presidente Bolsonaro e nos candidatos da direita e da extrema-direita, porque reproduzia as acusações que estes costumam fazer à esquerda e ao presidente Lula, falando de aborto, “ideologia de gênero”, de casais homoafetivos, de liberação de drogas, etc.
Este discurso, aliás, foi muito utilizado nas eleições passadas e ajudou muito a campanha do candidato que ganhou as eleições. Dispensei as “orientações” sutis do padre, resolvi deixar a igreja e apressei-me para votar. Ao me retirar do templo, percebi que estava sendo filmado, mas nunca poderia imaginar que alguém (quem sabe um cristão autêntico, defensor da família, de Deus, da Pátria e da liberdade) pudesse fazer um vídeo para postar nas redes sociais e nos grupos de igreja, procurando reprovar meu comportamento e queimar minha imagem como político e como católico.
Algumas horas depois, comecei a receber o vídeo de amigos e amigas que me conhecem, indignados com a atitude do “irmão”, que não teve a hombridade de me procurar e me perguntar por que saí da igreja e que usou desse expediente covarde para me atacar. Eu teria o maior prazer de responder a ele e ao padre o porquê do meu comportamento.
O vídeo viralizou, e as imagens, divulgadas sem minha autorização, foram acompanhadas de comentários ferindo minha honra, minha reputação e minhas convicções. Não foi a primeira vez que católicos fizeram este tipo de coisa tentando prejudicar minha eleição. Mas sempre segui em frente com minha consciência tranquila como cristão e como homem público, defendendo meus princípios e minha fé.
Agora tenho que dizer, causa-me indignação a postura de padres, pastores e leigos que acusam o PT e Lula com essas pautas de costumes mal formuladas e mentirosas, com discursos moralistas, e que fazem campanha, explícita ou dissimuladamente, para o presidente da República que elogia torturadores, que estimula o armamentismo, que é a favor da pena de morte, que acha que as mulheres trabalhadoras devem receber salários menores porque engravidam, que propaga o ódio e a violência, que agride pessoas com palavras de baixo calão, que fala que filho gay é falta de porrada, que disse que não corre o risco de ter uma nora negra porque seus filhos foram bem educados, que não aceitaria ser operado por um médico cotista, que conheceu um negro numa comunidade quilombola que pesava sete arrobas e que o erro da ditadura foi torturar ao invés de matar.
Pergunto a essas lideranças religiosas se é cristão quem defende tais afirmações? Pergunto se é cristão quem fala “Deus acima de todos” (usando o nome de Deus em vão) e dá risada das pessoas que morriam de falta de ar na pandemia, imitando-as na agonia? É atitude de cristão quem foi contra as medidas sanitárias e atrasou a compra de vacinas para salvar a vida dos brasileiros, e que colocou em dúvida a eficácia dos imunizantes, deixando de defender a vida do povo brasileiro com informações corretas e cientificamente amparadas?
É cristão quem autorizou pastores evangélicos a negociarem com o ministro da Educação o desvio de recursos orçamentários da pasta para a construção de igrejas e barras de ouro como propina? É cristão quem decretou sigilo de cem anos sobre documentos que podem esclarecer denúncias sobre sua família e seu governo? É cristão quem substitui delegados e agentes da Polícia Federal que investigam denúncias de crimes supostamente praticados por membros de sua família e por ele próprio? É cristão quem não gosta dos pobres, que disse que estes só servem para votar? É cristão quem discrimina os negros e os indígenas? É cristão quem “deixa a boiada passar” durante a pandemia para flexibilizar a legislação ambiental, faz um desmonte nos órgãos de fiscalização e se omite perante as ações criminosas de destruição do meio ambiente, nossa casa comum? É cristão atacar as instituições, estimular invasão da Suprema Corte do país e ameaçar romper com a ordem democrática, inclusive insinuando golpe de Estado com apoio das Forças Armadas, caso tenha seus interesses contrariados?
Gostaria de saber como padres e pastores bolsonaristas conseguem encontrar fundamento no Evangelho de Jesus Cristo para apoiar quem prega o ódio, o preconceito, a violência, a tortura, o desprezo pela vida humana. Não seria melhor admitir que não querem se indispor com os ricos que doam grandes quantias nos dízimos, doam vacas para os churrascos nas quermesses e prêmios nos bingos das paróquias?
Não querem se indispor com os senhores do Agro, majoritariamente bolsonaristas? Não vejo esses líderes religiosos manifestarem qualquer preocupação com os pobres nas missas e cultos, com a volta da fome em nosso país (hoje 33 milhões de brasileiros passam fome), com a inflação dos alimentos, com a retirada de direitos dos trabalhadores, com o desmonte nas políticas públicas sociais, com a fila das cirurgias e dos exames, com a redução do orçamento da Farmácia Popular, com o não reajuste das verbas da merenda escolar, com o corte de recursos para tratamento de câncer, com o orçamento 95% a menor para habitação popular. ]
Não vejo padres, bispos e pastores indignados com o orçamento secreto que vai retirar 18 bilhões de reais das políticas públicas para comprar os deputados do Centrão. Nunca vi uma única vez sequer, em todas as missas que participei, os párocos bolsonaristas a que me referi acima falar a palavra pobre em suas homilias.
Mas vamos à pauta moral e a outras inverdades propagadas maldosamente por líderes religiosos, que tanto adoram falar e que confundem a população. Fazem coro à indústria de ódio e fake news, que lota a internet com alegações mentirosas e inventadas sobre Lula e as igrejas, criando histórias que jamais existiram, fabricam falas em vídeos editados e tentam criar pânico sem qualquer compromisso com a realidade.
Aliás, a principal estratégia da direita e extrema-direita é plantar o medo nas pessoas para vencer. Lula nunca defendeu a alteração da legislação brasileira sobre o aborto e já afirmou com todas as letras que, pessoalmente, é contra a prática.
Diferentemente de Bolsonaro, que em entrevista à revista IstoÉ, em fevereiro de 2000, defendeu o direito ao aborto e disse “que tem que ser uma decisão do casal”.
O que Lula fez enquanto presidente foi combater a fome, a desnutrição infantil, melhorar as condições de vida das famílias pobres com o Bolsa Família, investir na educação, que salvaram milhares de crianças neste país. Na verdade, na verdade digo a vocês, muitos condenam as mulheres que fazem aborto, mas não condenam os pais que abandonam seus filhos no ventre das mães sem sequer lhes darem o direito do registro dos seus nomes na certidão de nascimento das crianças.
Não vejo nas paróquias e templos evangélicos lideranças religiosas preocupadas com a violência doméstica, fruto do machismo, com os altos índices de feminicídio e de estupros em nosso estado.
Lula nunca defendeu a legalização das drogas. Lula nunca defendeu o fim da propriedade privada e a estatização dos meios de produção no Brasil, ou seja, a implantação do comunismo.
O que Lula fez e defende é o combate às desigualdades sociais, o enfrentamento à pobreza, a distribuição de renda, que todos possam comer três vezes ao dia, educação e saúde de qualidade para todos, acesso à habitação digna, promovendo o respeito à diversidade, aos direitos fundamentais das pessoas, o fim dos preconceitos e discriminações por qualquer motivo, a dignidade aos povos indígenas e aos trabalhadores rurais, oportunidades de trabalho e salários decentes, formação em nível superior aos jovens das camadas populares.
Defender essas propostas é ser comunista ou é ser cristão? Se vocês acham que é comunismo, fraternalmente lhes digo, sempre é bom estudar para não incorrer em inverdades.
Desculpem a franqueza, mas o ódio que muitos de vocês sentem do Lula e do PT, para mim, no fundo, é ódio ao que eles representam, ódio dos pobres, dos excluídos e marginalizados. A elite brasileira é impregnada e reproduz a cultura escravocrata de 350 anos de escravidão no país, que não aceita a ascensão social dos negros e dos pobres e não quer trabalhadores com direitos assegurados, mas quer escravos para produzirem suas riquezas; não aceita que os filhos das empregadas domésticas sentem nos bancos das universidades e que os pobres viajem de avião.
Para entender melhor esta afirmação, sugiro que vocês leiam o livro A elite do atraso, do sociólogo Jessé Souza. Quantos de vocês, senhores padres, bispos e pastores, se posicionaram na reforma da Previdência Social, que tornou quase impossível ao trabalhador se aposentar e, se conseguir, não receberá mais salário integral? Quantos comentaram a reforma trabalhista, que alterou 117 artigos da CLT, precarizando os direitos dos trabalhadores? Quantos se incomodaram com a volta do Brasil ao mapa da fome e se indignaram com nossos irmãos na fila do osso ou comprando pele de galinha para se alimentar?
A exemplo do Papa Francisco, que muitos chamam de esquerdista, convido-os a saírem um pouco de suas sacristias e irem às periferias, como uma “igreja em saída”, para conhecerem a dura realidade dos pobres, das aldeias indígenas, dos assentamentos, e a voltarem como bons pastores “com cheiro das ovelhas” nas roupas e no corpo.
Aliás, vocês leem os documentos do Papa? Se sim, vocês seguem suas orientações? O Santo Padre, que tanto amo e respeito, e que é um profeta nesses tempos sombrios, ensina que a igreja deve acolher e não condenar, como fez Jesus, e não negar a Palavra de Deus a ninguém. Disse também, ao conceder entrevista, que os casais homoafetivos, como filhos de Deus, têm o direito à união civil garantida pelo Estado para que tenham seus direitos resguardados, e tenham o direito de ter uma família”. Ou eu estou errado?
Senhores pastores bolsonaristas, vocês afirmam nos púlpitos que se Lula for eleito vai fechar igrejas evangélicas. Por que vocês mentem dessa forma? Não se envergonham de tamanha desfaçatez? Por que vocês não dizem aos seus crentes que Lula já governou o Brasil por 8 anos e nunca fechou nenhum templo e, mais, que foi ele quem sancionou a Lei da Liberdade Religiosa no Brasil e a Lei que cria o Dia Nacional da Marcha para Jesus?
Por que vocês reforçam as fake news que dizem que Lula é satanista? Como vocês podem manipular a fé daqueles que vão às igrejas atrás de conforto espiritual? Quantos de vocês usam os púlpitos de seus templos para promover pastores/candidatos, quase que obrigando seus fiéis a votarem neles.
Senhores padres, bispos e pastores bolsonaristas, vocês sabiam que o preconceito que vocês alimentam mata pessoas? Segundo o Instituto Sou da Paz, a população negra, que representa 56% dos 212 milhões de habitantes, é a mais vitimada pela violência e que dos cerca dos 30 mil assassinatos por ano por agressão armada, 78% são contra pessoas negras.
Vocês sabiam que, segundo levantamento realizado com jovens estudantes LGBTQIA+ no Brasil apontou que 73% deles relataram terem sido agredidos verbalmente e outros 36% fisicamente, e que a intolerância sobre a sexualidade levou 59% a faltar às aulas, e mais, que estes jovens rejeitados por suas famílias têm 8,4 vezes mais chances de tentarem suicídio?
Quem não se lembra do profissional de saúde, Gustavo Lima, que foi impedido por uma senhora de vacinar sua filha contra covid no Albano Franco, em Campo Grande, por ser “viado”, segundo a mulher? Gustavo entrou em depressão profunda e dias depois do ocorrido se suicidou.
Após um ano da sua morte, ainda acompanho a dor de sua mãe pelas redes sociais lamentando a perda do seu amado filho. É isto que vocês querem com suas pregações moralistas? Abomino a moral hipócrita de vocês, sabiam?
Senhores, líderes cristãos, vamos conversar sobre o Evangelho de Jesus Cristo, o pregador itinerante da Galileia, que percorreu vilas e aldeias pregando o amor, a misericórdia, o perdão, a partilha do pão e a solidariedade entre as pessoas, que acolhia a todos, confortando seus corações, curando suas enfermidades e ensinando a amar a Deus em espírito e verdade. Vamos olhar para nosso Mestre, que condenou os poderes opressores e a transformação do templo em covil de ladrões e criticou os fariseus pela moral hipócrita que escravizava os pobres e os saduceus que manipulavam a fé dos mais simples para encher seus cofres com dinheiro das ofertas.
Vamos reconhecer que nosso Senhor não morreu de idade avançada numa cama, mas que tomou posição ao lado dos excluídos e contra a opressão e a morte, e que foi feito um preso político, acusado do crime de sedição, que foi condenado e morto com a pena de morte reservada aos subversivos.
Qual o trecho do Evangelho mais longo que é lido todos os anos na liturgia das igrejas na sexta-feira santa, se não é o da condenação injusta de Jesus, entregue pelos sacerdotes do templo para os governadores do Império Romano? Interessante nesta leitura a trama construída pelos poderosos para matar o Messias, igual a muitas condenações injustas nos dias atuais para tirar de cena quem é a favor do povo mais pobre, não é mesmo?
Enfim, foi em nome da moral, dos bons costumes, das interpretações das leis divinas, da manutenção da ordem e da segurança do sistema político-econômico-religioso que muitos desejaram e aplaudiram o assassinato do Filho de Deus, que se entregou à morte por causa das verdades que defendia e em obediência ao seu Pai.
Quem sabe os que fazem arminha com as mãos hoje não matariam novamente Jesus, que acolheu e perdoou a mulher adúltera, que convivia com samaritanos tidos como hereges, cobradores de impostos corruptos, que colocava a lei do descanso do sábado em segundo lugar ao promover a vida curando doentes e alimentando os famintos. Talvez ele seria igualmente rejeitado por andar com pobres e marginalizados do sistema.
Infelizmente, tenho que dizer que não é novidade ver setores das igrejas cristãs defendendo regimes autoritários. A Ação Integralista Brasileira (AIB), criada em 1932 e influenciada pela ascensão do nazi-fascismo europeu, contou com o apoio e organização da Igreja Católica.
O golpe de 1964, que instituiu a ditadura militar no Brasil, com perseguições, torturas e mortes, contou com apoio de vários setores da sociedade. Neste contexto, a Igreja Católica se posicionou a favor do golpe, o que foi reconhecido posteriormente pela CNBB como um erro histórico.
Em 2016, o golpe que retirou do poder a presidenta Dilma, democraticamente eleita pelo povo e reconhecida hoje pelo seu vice golpista, Michel Temer, como uma “mulher honestíssima”, contou com amplos apoios de setores da Igreja, que mobilizaram as pessoas para as passeatas do Fora Dilma. Após o golpe, voltaram aqueles que sempre governaram para atender os interesses da elite do dinheiro e pouco se lixam para a classe trabalhadora e os pobres.
E agora, é triste ver líderes religiosos apoiando um governo incompetente para resolver os graves problemas que afligem a nação, que aprofunda as desigualdades sociais e que ameaça as instituições democráticas. Lamentável! Como são incapazes de aprender com a história!
Por fim, gostaria muito de conhecer o irmão que divulgou o vídeo de minha saída da Paróquia Sagrado Coração de Jesus no final da missa no dia das eleições. Estou entrando com um requerimento dirigido ao pároco solicitando as informações sobre quem foi o responsável pela divulgação, para interpela-lo judicialmente sobre o uso indevido da minha imagem nas redes sociais e por me ter caluniado e atentado contra minha reputação. Queria muito saber com que intenções divulgou nos grupos de igreja com falsas acusações.
Para que não reste dúvidas aos meus irmãos cristãos sobre minhas posições, quero reafirmar aqui o que sempre defendi na minha vida: sou pessoalmente contra o aborto e defendo a vida do nascimento à morte natural; defendo que as crianças possam nascer e crescer com dignidade, num país com mais justiça social e fraternidade; que tenham direito à educação de qualidade e o acesso aos demais direitos de cidadania; que tenham direito à uma família; que possam morar numa casa decente e possam brincar e sonhar com um futuro de realização pessoal e profissional.
Quanto às minhas posições políticas não as separo das minhas convicções religiosas. Nunca votei ou votarei no parlamento qualquer matéria que as contrarie, por dever de consciência e pela ética que sempre pautou minhas ações. Sou seguidor de Jesus de Nazaré, que afirmou ter “sido ungido pelo Espírito para evangelizar os pobres, para proclamar a liberdade aos cativos, para recuperar a vista aos cegos, para libertar os oprimidos e para proclamar o ano da graça” (Lc 4,18-19), e que seremos julgados diante das seguintes afirmações: “Eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês me visitaram” (Mt 25,35-36). Seguindo os ensinamentos do Mestre, luto “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Pedro Cesar Kemp Gonçalves
Campo Grande-MS, 04/10/2022 – Dia de São Francisco, o pobrezinho que abalou as estruturas da Igreja medieval, corrompida pela opulência e distante dos pobres e do Evangelho.”