Ex-usuário de drogas e morando com a família em um barraco às margens de uma rodovia, o trabalhador rural Magno de Souza, 38 anos, é o primeiro índio a disputar o cargo de governador em 43 anos de história de Mato Grosso do Sul. Como candidato pelo PCO, partido de extrema esquerda, ele expõe a vida sofrida e miserável da maior parte dos 80 mil índios sul-mato-grossenses.
A prioridade do candidato a governador é demarcar as áreas indígenas em Mato Grosso do Sul, cujo processo está parado desde a ascensão de Jair Bolsonaro (PL). Além de acabar com o ataque de pistoleiros e garantir segurança nas áreas indígenas, Magno se propõe a ser um grito de socorro das minorias, com sem-terra, negros e desempregados.
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Durante um café no Jardim Gastronômico Recanto das Ervas, no Centro de Campo Grande, o candidato concedeu a entrevista exclusiva para O Jacaré. O candidato do PCO falou sobre as dificuldades, a vida e as propostas como candidato a governador.
Magno nasceu na reserva indígena de Dourados, vivendo um pouco em cada aldeia, Jaguapiru e Bororó. Ele estudou apenas até a 3ª série do ensino fundamental. É evangélico da igreja Deus é Amor. Atualmente, ele reside com a esposa e os dois filhos, de 4 e 5 anos, e quatro cunhados – três meninas de 14, 16 e 18 anos e um guri de 11 anos, em um barraco de lona em área ocupada, que ele define como retomada. A de 18 anos é portadora de deficiência mental.
No local, denominado retomada Ara Tycuty, que engloba uma área de 10 mil hectares entre Dourados e Laguna Carapã, vivem cerca de 300 índios, dos quais 80 crianças e adolescentes. O grupo vive sob tensão permanente, já que o ataque de jagunços é frequente. Ao longo de quatro anos foram 56 ataques.
De acordo com o candidato, durante os ataques, produtores rurais teriam passado trator sobre os barracos, atirado contra os índios e ateado fogo na área e no entorno. “Nós queremos plantar, mas não tem condições”, conta. Sem alternativa, famílias acabam apelando a mendicância nas ruas e em busca de pão seco nas casas.
Magno relata que a luta da família pela sobrevivência é diária e inclui até a fome. A cesta básica entregue pela gestão de Reinaldo Azambuja (PSDB), que inclui as empresas denunciadas por superfaturamento pelo Ministério Público Estadual, é suficiente para uma semana. “Quando não tem comida, a gente passa fome até conseguir ajuda particular”, lamenta o candidato.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) abandonou os índios a própria sorte após a chegada de Bolsonaro ao poder. Há três meses, o Governo federal não destina nenhum tipo de ajuda às aldeias.
Apesar da caixa d’água da Sanesul fica a menos de 500 metros da área ocupada, as famílias não possuem água tratada. Reinaldo teria se negado a fornecer água os índios. Eles só contam com um poço. Em algumas ocasiões, principalmente quando chove muito as famílias chegam a tomar água com lama por até 10 dias. Durante o debate do Midiamax, Magno denunciou o caso. “Não queremos mais ser tratados como porco, vivendo na lama”, bradou.
Magno acabou tendo a candidatura indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral em decorrência do furto de uma bicicleta de R$ 500 em 2012. Ele confessa o roubo. Na época, ele era usuário de drogas. “Experimentei todo tipo, maconha, crack, pó”, admitiu.
“Bebia cinco Jamel por dia, sozinho”, relembra, sobre o litro de cachaça. “A gente se arrepende”, contou, sobre o tempo em que se entregou à dependência química e furtou a bicicleta. “A gente não tem ajuda nem apoio de ninguém, acaba se afundando com coisa que não presta”, lamentou.
Ele acabou deixando as drogas ao 27 anos ao retornar a frequentar a igreja Deus é Amor. Magno criticou o fato de ter sido o único dos oito candidatos punidos pela Justiça. “Todo mundo é errado”, lamentou. O ex-governador André Puccinelli (MDB) foi condenado por coagir eleitores em 2012 e responde a várias ações penais e por improbidade pelo desvio milionário apontado na Operação Lama Asfáltica.
Aliás, o emedebista foi um dos “fãs” que tentou tirar foto com o candidato a goverandor do PCO após os debates. No entanto, por orientação do partido, ele se negou a posar para foto ao lado do emedebista, que inclusive, chegou a lhe oferecer um emprego em caso de vitórias nas eleições deste ano.
Magno não era a primeira opção do PCO. A sigla tentou um índio com faculdade ou mais anos de estudo para aproveitar a disputa para denunciar a situação indígena em Mato Grosso do Sul. No entanto, nenhum aceitou o desafio, que acabou sobrando para o morador da Ara Tycuty.
Aliás, esta é a segunda área de retomada na vida de Magno. A primeira foi ao lado da reserva indígena de Dourados, denominada Iwu Verá, onde ficou por quatro anos. Os índios deixaram o local após a Justiça e o Conselho Tutelar ameaçarem retirar as crianças.
Além das ameaças dos jagunços, que usam a caixa d´água da Sanesul como ponto de apoio para atirar contra as famílias, segundo o candidato, a Polícia Militar nem sempre aparece para garantir segurança, mas para fazer ameaças. Em alguns casos, os índios são atropelados por caminhonetes. Outro problema é o risco de acidentes na rodovia.
“Não tenho muita esperança de ganhar (a eleição”, admitiu o candidato a governador. “Queremos mostrar para o povo que vários governadores estão enganando, comprando votos e não fazendo nada pelas aldeias”, afirmou.
“Os índios estão abandonados, estamos encostados, pior que latão de lixo”, lamentou. “Quem fala bonito nunca cumpre oque fala”, criticou.
O sonho do indígena é encontrar o governador Reinaldo Azambuja, famoso por ser um dos maiores produtores rurais do Estado, para perguntar por que está negando água para os índios, por que não faz nada contra os jagunços e não pavimentou as estradas de acesso às aldeias.
Magno propõe dar condições de produção nas aldeias. “Vamos colocar os índios para trabalhar na sua roça e não depender do Governo. Eles querem trabalhar e não ser humilhados pelo homem branco, que são ricos”, explica.
Ele lembra com mágoa de André, que tenta passar nos debates a imagem de que mais fez pelos índios. Conforme o candidato, o emedebista mandou arroz com caruncho para as famílias e teria acusado os indígenas de matar policiais. “Índio nunca matou policial”, garantiu.
Ele também critica a ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina (PP), do Centrão, e favorita na disputa do Senado, e o candidato a governador Eduardo Riedel (PSDB). “Ele mandou a Tropa de Choque e o helicóptero contra os índios”, afirmou, sobre o despejo sem ordem judicial que acabou em confronto em Amambai. “Eles estão junto com a Simone (Tebet)”, afirmou. O PCO foi obrigado pela Justiça a retirar do ar uma crítica a presidenciável do MDB.
Magno está surpreso com a repercussão dos debates. Ele lamenta ter sido excluído do confronto da TV Morena, afiliada da TV Globo, e canal com maior audiência. Já sobre os adversários, ele os critica por não terem respondido aos questionamentos.
Sobre a carga tributária na gestão tucana, ele diz que estão cobrando muito, mas o dinheiro ?não está aparecendo. “Onde está indo o dinheiro? Por que as famílias estão passando fome?”, questiona-se.
“Não quero ser morto igual tatu”, torce, com esperanças de não repetir a sina do tio, Marçal de Souza, que morreu durante a luta pela demarcação da reserva indígena em Antônio João. Marçal foi brutalmente assassinado apesar da projeção internacional e de ter recebido até pelo Papa João Paulo II.
“Estou me preparando para ser candidato a presidente”, confessa Magno de Souza, sonhando alto em fazer história na política brasileira.
Os candidatos André Puccinelli (MDB) e Eduardo Riedel (PSDB) não toparam conceder a entrevista.