No artigo “Superendividamento: profecia autorrealizável sobre consignado do Auxílio Brasil”, o economista Albertino Ribeiro, na coluna Fora da Caixa deste domingo, aborda a taxa de juros altíssima que será cobrada dos beneficiários por meio do empréstimo consignado. Enquanto aposentados pagam 1,65% ao mês, bancos vão cobrar 4,96% dos pobres que recebem ajuda para comprar alimentos.
“Os beneficiários poderão comprometer até 40% da sua renda com o pagamento do empréstimo. Isso significa que os R$ 600, que já é um valor baixo, será reduzido à quantia de R$360. Um contrassenso se partimos da premissa que o auxílio é destinado a famílias que vivem em insegurança alimentar e suas despesas são integralmente com gêneros de primeira necessidade”, lamenta.
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O alto custo ocorre por causa do tempo de validade do empréstimo consignado, até o fim deste ano, justamente para coincidir com o período eleitoral. “Por seu turno, já sabendo disso, as instituições financeiras já embutiram todo o risco da operação nas taxas de juros, garantindo, assim, sua riqueza e condenando os mais pobres ao superendividamento”, conclui Ribeiro.
Confira o artigo na íntegra:
“Superendividamento: profecia autorrealizável sobre consignado do Auxílio Brasil
Albertino Ribeiro
Está em vigor a MP 1.106/2022, que libera a concessão de empréstimo consignado para pessoas que recebem o auxílio Brasil, cujo valor é de R$ 600.
Segundo os especialistas, a taxa de juros permitida, no valor de 4,96% ao mês, é muito alta; e eles tem razão. Para termos ideia, a taxa é três vezes maior que a do empréstimo consignado concedido aos aposentados e pensionistas do INSS que, em média, está em 1,65%.
A diferença das taxas cobradas é muito significativa. Por exemplo, quem toma R$ 3.000 (valor máximo permitido) em 24 vezes à taxa de 1,65% a.m. (sem IOF) pagará, ao final do período, R$ 3.648,00. Por seu turno, quem toma o mesmo valor à uma taxa de 4,96% pagará a quantia de R$ 5.184,00, uma diferença de R$ 1.536,00, ou seja, duas vezes e meia (2,5) o valor do benefício.
Os beneficiários poderão comprometer até 40% da sua renda com o pagamento do empréstimo. Isso significa que os R$ 600, que já é um valor baixo, será reduzido à quantia de R$360. Um contrassenso se partimos da premissa que o auxílio é destinado a famílias que vivem em insegurança alimentar e suas despesas são integralmente com gêneros de primeira necessidade.
Segundo a POF – Pesquisa de Orçamentos familiares, realizada pelo IBGE, famílias que ganham até dois salários mínimos gastam, em média, 91,2% do orçamento com alimentação, habitação, aluguel e transporte. Percebam que a pesquisa infere a média dessas famílias. Obviamente, uma família que recebe apenas R$ 600 está em uma situação muito mais vulnerável, o que torna surreal pensar que ainda haverá um desconto de 40% sobre sua renda mensal.
Ademais, se levarmos em consideração a inflação acumulada de alimentos, o valor do auxílio já está defasado. Segundo o site de notícias Brasil de Fato, o valor do benefício deveria ser de R$ 713,12 para ter o mesmo poder de compra do auxílio emergencial de 2020.
Como era de se esperar, os bancos e seus correspondentes bancários já estão realizando o pré-cadastro dos beneficiários. E aí? O que você acha que vai acontecer? Um estrato da população que possui um longo histórico de consumo reprimido e que, ao mesmo tempo, é bombardeado pela publicidade; você acha que rejeitarão a oferta imediata de R$ 3.000 de crédito, valor permitido pela nova lei?
Ademais, conforme postula a economia comportamental, as pessoas tendem a valorizar os benefícios imediatos e reduzir o valor de benefícios futuros, um fenômeno conhecido como desconto hiperbólico. Sabe aquela frase que diz ‘você vai receber hoje e só vai pagar a primeira parcela depois de 60 dias’? Pois é, ela não é proferida à toa.
O Congresso Nacional, que participou dessa patuscada, deveria, pelo menos, dar garantias aos bancos para que a taxa praticada fosse, no limite, igual à taxa dos aposentados e pensionistas do INSS. Entretanto, como o auxílio é eleitoreiro e vai acabar na véspera do Ano Novo, nossos parlamentares ‘hiperbólicos’ não se preocuparam com esse detalhe.
Por seu turno, já sabendo disso, as instituições financeiras já embutiram todo o risco da operação nas taxas de juros, garantindo, assim, sua riqueza e condenando os mais pobres ao superendividamento. ‘Os juros compostos são a força mais poderosa do universo e a maior invenção da humanidade, porque permitem uma confiável e sistemática acumulação de riqueza’ (para os bancos – grifo nosso) – Albert Einstein”