O STJ (Superior Tribunal de Justiça) absolveu dois réus por tráfico de drogas porque a Polícia Militar invadiu imóvel durante a noite, o que é proibido pela Constituição Federal. O ministro Sebastião Reis Junior anulou todas as provas contra o preso, obtidas mediante a invasão do domicílio. O pedido partiu da defesa de Anderson Silva Ferreira, mas a absolvição também foi estendida para o corréu Everton Noel Arantes Graça. Os dois têm antecedente criminal por tráfico.
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No entendimento da corte superior, as circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, fundadas razões para a diligência e eventual prisão em flagrante do suspeito. Ou seja, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada em mera “suspeita” ou na fuga do individuo para a sua casa diante de uma ronda ostensiva. No documento, foi anexada trecho de decisão do ministro Rogerio Schietti Cruz.
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“Tal compreensão não se traduz, obviamente, em cercear a necessária ação das forças de segurança pública no combate ao tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo no momento adequado para, mediante mandado judicial – meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada – legitimar a entrada em residência ou local de abrigo”.
De acordo com a denúncia do MPE (Ministério Público Estadual), protocolada em 25 de agosto de 2021, Anderson, 24 anos, e Everton foram flagrados com droga em 27 de julho do ano passado. Os dois foram presos às 22h30, no Bairro Nossa Senhora das Graças, em Campo Grande. O flagrante totalizou 5,9 quilos de cocaína.
Policiais militares faziam ronda quando avistaram um veículo Honda Civic estacionado em frente a imóvel na Rua Três Marias. O carro era parecido com veículo que havia fugido de fiscalização no período da manhã, no Bairro Sayonara.
“Ato contínuo, os policiais identificaram, no interior do imóvel em que estava estacionado o veículo a presença de dois homens, posteriormente identificados como sendo os denunciados Anderson Silva Ferreira e Everton Noel Arantes Graça, e resolveram questionar o motivo da fuga do veículo, o qual, naquele mesmo dia, no período matutino, não obedeceu a ordem de parada da guarnição da polícia militar e havia empreendido fuga de abordagem anterior”.
Segundo a promotoria, ao perceber a presença da equipe policial, Anderson se assustou e sinalizou para Everton esconder uma mochila. “Everton, então, bruscamente, tentou pegar o objeto, do que não logrou êxito. Em abordagem, a equipe policial identificou, no interior da mochila sob posse do denunciado Everton, 06 (seis) tabletes de cocaína, totalizando 4.600g (quatro mil e seiscentos gramas), tendo este denunciado assumido a propriedade da substância entorpecente”.
No Honda Civic, em nome da esposa de Everton, os policiais encontraram duas munições calibre 38. Ao ser questionado pela guarnição, Everton negou possuir arma de fogo.
Diante da situação de flagrância, foram realizadas buscas na residência de Everton, com a anuência de sua esposa. Na varanda do imóvel, no Jardim Carioca, em meio às caixas de ferramentas, foram apreendidos 1,3 quilos de cocaína, R$ 18.049, uma balança de precisão e um revólver calibre 38. No guarda-roupa de Everton foi localizada uma pistola calibre 25, com sete munições. Os dois presos foram enquadrados na Lei Antidrogas. Everton ainda foi denunciado pela posse das armas.
Entretanto, tudo ruiu com a argumentação da defesa de Anderson, que apontou a “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada”. De acordo os advogados Hugo Edward Lima Martins e Mauro Deli Veiga, todas as provas, obtidas a partir de uma prova que foi obtida ilegalmente, são nulas de pleno direito, portanto, são ilícitas por derivação, devendo serem descartadas do processo de persecução penal.
Os advogados destacaram o ponto em que os policiais contam que avistaram as duas pessoas dentro da casa e resolveram realizar a abordagem. “Adentraram no imóvel, no período noturno, sem autorização, porque duas pessoas conversavam na sala, sendo tal incursão policial motivada porque um veículo parecido com aquele que não atendeu a ordem de parada, já passadas mais de 13 horas desse acontecimento”.
Segundo a defesa, o Judiciário deve rebater essas condutas da polícia. “Eis que a sociedade corre o risco de um Estado de polícia, onde a polícia pode invadir, principalmente, imóveis das famílias mais humildes, realizando ações que não são compatíveis com o estado democrático de direito, e não estão de acordo com a legislação prevista no Código Penal e Processo Penal, desrespeitando também a Constituição Federal”.
De acordo com a Constituição Federal, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.