As mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, sancionada na segunda-feira (25) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), vão tornar impossível denunciar e condenar políticos corruptos em Mato Grosso do Sul. A avaliação do juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, e do promotor Adriano Lobo Viana de Resende, da 29ª Promotoria do Patrimônio Público, é de que houve “duro golpe” e retrocesso no combate à corrupção.
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Eleito com o discurso de combater a corrupção no País, Bolsonaro frustrou promotores, procuradores e juízes que atuam no combate à improbidade administrativa. A esperança é de que o Supremo Tribunal Federal julgue inconstitucional os artigos mais controversos.
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“Antes a preocupação da lei era claramente proteger o interesse público, agora a preocupação da lei é claramente proteger o interesse dos acusados”, avalia David Gomes Filho. “Criaram muitas dificuldades aos promotores de justiça para iniciarem o processo e para investigar”, explica, após analisar os principais pontos da nova legislação.
“Criaram muitas dificuldades para o Poder Judiciário condenar alguém e mesmo que consiga, criaram uma porção de limitações para que as condenações sejam realmente aplicadas”, pontua. “Assim, se o advogado do administrador achar uma jurisprudência do TCE, do TCU ou do Poder Judiciário de qualquer lugar do Brasil dizendo que determinado contrato não é fraudulento e todas as demais jurisprudências disserem que aquela situação configura fraude, não cabe improbidade”, destaca.
“Se a condenação for de perda dos direitos políticos, o tempo que demorou para transitar em julgado o acórdão do tribunal conta como pena cumprida”, relata. Como a maior parte dos processos leva anos para tramitar e a sentença só é executada após transitar em julgado, praticamente ninguém vai cumprir pena por improbidade no Brasil.
“Se a condenação for de perda da função, só pode perder a função exercida na época da infração e não a que estiver exercendo quando transitar em julgado a condenação. E lembre-se que muitos cargos são passageiros (prefeito, vereador, secretários etc)”, anota. Réu em várias ações por fraudes no tapa-buracos e de fraude na coleta do lixo, por exemplo, Nelsinho não perderá o mandato de senador, caso seja condenado, porque as irregularidades foram cometidas quando era prefeito.
“Os promotores precisam investigar tudo em apenas dois anos (no máximo) e há ilícitos que requerem tempo muito maior do que isto”, frisa o magistrado. Os maiores escândalos de Mato Grosso do Sul, como as operações Coffee Break e Lama Asfáltica acabariam impunes. “Prazo para investigação é sumaríssimo”, concorda Adriano Resende.
A Operação Lama Asfáltica, da Polícia Federal, já conta com seis anos e ainda segue em andamento. Na prática, as suspeitas de desvio de mais de R$ 400 milhões dos cofres estaduais na gestão de André Puccinelli (MDB) já estariam encerradas na 3ª fase. O emedebista foi preso após a deflagração da Operação Papiros de Lama, em novembro de 2017, mais de dois anos após do início da investigação. “Os prazos prescricionais ficaram diminuídos, já que contam da prática do fato”, lamenta o magistrado.
“Na indisponibilidade de bens, o juiz precisa avaliar requisitos que antes não existiam (probabilidade do direito e perigo com a demora da ação)”, observa. “Os juízes não podem bloquear dinheiro enquanto não bloquearem automóveis ou imóveis e, mesmo assim, até 40 salários mínimos não se pode bloquear”, explica.
“Se o promotor de justiça descrever fatos bem direitinho, mas errar na capitulação legal (errar o artigo da lei cabível), mesmo que o juiz se convença de que os fatos são ímprobos e graves deve julgar improcedente a ação. Isto é um absurdo, porque a defesa se defende dos fatos. O direito cabe ao juiz aplicar”, lamenta Gomes Filho.
“Se a defesa pedir qualquer tipo de prova, o juiz precisa produzir aquela prova. Se algum réu quiser ouvir o presidente da República como testemunha, o juiz vai ter que tentar ouvi-lo! Se a defesa arrolar uma testemunha no Japão, o juiz vai ter que tentar ouvi-la”, destaca, citando trechos em que os réus poderão recorrer para inviabilizar a denúncia e evitar a condenação.
“Existem outras coisas, mas é evidente que a lei, do jeito que ficou, é inconstitucional porque retrocede a conquistas já sedimentadas em favor do interesse público”, aposta o juiz. “Espera-se que o STF declare estas inconstitucionalidades e é certo que os juízes e os Tribunais se esforçarão em reequilibrar os absurdos colocados na lei para que ela fique harmonizada com o conjunto do ordenamento”, aposta. “O problema é que isto vai exigir mais tempo, paciência, resiliência e foco de todos os operadores do direito que desejam um país justo e próspero”, conclui.
“É difícil fazer uma análise pontual de cada caso agora, mas a lei é um retrocesso, prazo sumaríssimo para investigações complexas, prescrições e outras… O estrago será grande”, acredita o promotor do Patrimônio Público. “(É) um duro golpe no combate à corrupção”, lamenta.