Richelieu de Carlo Pereira
O prefeito de Ribas do Rio Pardo, João Alfredo Danieze (PSOL), não tem tido vida fácil em seu primeiro ano de mandato. Em menos de um semestre como chefe do Executivo, foi alvo de denúncia que resultou na abertura de Comissão Processante pela Câmara de Vereadores e poderia tirá-lo do comando do município. O autor do pedido é ex-assessor e foi o principal coordenador da campanha vitoriosa do psolista em 2020.
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“Tava vestido de cordeiro, o lobo. Comunista de iPhone. Latifundiário oportunista”, dispara o denunciante, o jornalista Kleber Souza. Ambos romperam na semana seguinte à eleição de João Alfredo e, desde então, o ex-aliado virou um dos principais críticos do prefeito. Segundo Kleber, as divergências começaram na preparação para assumir o mandato.
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“A transição foi de araque, ele só colocou bananas, pois assim poderia mandar em tudo, é um centralizador. Começou a fazer tudo que criticávamos nas gestões anteriores.Quem vinha de fora para as outras gestões ele detonava: forasteiros. Aqui ele nomeou o secretário de Educação de fora (correligionário da Capital). A primeira ação foi essa”, relata Kleber, que também foi assessor de imprensa de Danieze nas eleições ao Governo Estado, em 2018.
O jornalista também é servidor público concursado do município há 21 anos e tem atuação política, tendo fundado o Rede Sustentabilidade em Ribas do Rio Pardo, partido do qual fazia parte a vice de João Alfredo, Guiomar Soares dos Santos. Em maio deste ano, ela deixou a legenda e se filiou ao PSOL, formando chapa pura no comando da cidade.
De acordo com Kleber, os problemas continuaram depois do início do mandato, com a cidade perdendo profissionais da Saúde durante a pandemia e desabastecimento de remédios na farmácia municipal. “Ele quer comprar desde uma torneira pra escola e quer ser fiscal na rua. Esses dias, enquadrou um vendedor de caqui na avenida. Não delega nada e não sabe conduzir a gestão. Já mandou prender servidor e abriu mais de dez Processos Administrativos. Truculência descabida e desproporcional”.
A oportunidade de atingir o chefe do Paço Municipal surgiu após ser publicado no Diário Oficial de Ribas do Rio Pardo a contração de uma clínica médica, em março deste ano, pela então secretária de Saúde, Carolina Bergo Domingues. Um detalhe chamou a atenção, Carolina era dona da clínica contratada, que já tinha faturado R$ 103.299,19 com o contrato, entre janeiro e fevereiro deste ano.
A denúncia foi publicada pelo site Rio Pardo News, do qual Kleber Souza é diretor, e apresentada à Câmara de Vereadores e ao Ministério Público Estadual. No Legislativo, foi aberta uma Comissão Processante para examinar possível prática de improbidade administrativa pelo prefeito, com 7 votos a favor e 4 contra.
Após a abertura do processo, o prefeito João Alfredo Danieze disse que a contratação alvo da denúncia foi feita “fora do seu gabinete, longe do seu conhecimento e sem sua assinatura”. Em comunicado, a Controladoria da Prefeitura de Ribas do Rio Pardo “atestou que os serviços da clínica médica foram efetivamente prestados e sem prejuízos aos cofres públicos”.
Em maio, a comissão decidiu arquivar a investigação contra João Alfredo. O relator, vereador Luiz do Sindicato (MDB), disse não existir qualquer prova de participação do prefeito nos atos apontados como supostamente ilícitos, ressaltando a ausência de assinaturas ou ordens do denunciado em todo caderno processual.
“A fragilidade da denúncia e processo sob aspecto formal parece ser justificada apenas por divergências pessoais do denunciante em face do prefeito, visto que de aparente admirador passou a ser radical e declarado opositor. Ocorre que a Câmara Municipal não é instrumento das vontades individuais de qualquer pessoa, muito menos se pode usar de processos de cassação para ganâncias ou vinganças de quem está descontente com a posição política e financeira desprestigiada pelo chefe do Poder Executivo”, escreveu Luiz do Sindicato, no parecer.
No entanto, ao ser submetida ao plenário, pelo placar de 6 a 5, os vereadores rejeitaram o arquivamento e decidiram manter a ofensiva contra o psolista.
A prefeitura recorreu ao Judiciário, e a Vara Única de Ribas do Rio Pardo concedeu liminar para suspender a decisão do legislativo municipal. A Câmara recorreu contra a decisão e, no dia 29 de junho deste ano, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de MS negou o recurso e manteve o arquivamento da Comissão Processante. O erro foi a não notificação do prefeito na votação do arquivamento em plenário.
A Câmara de Vereadores recorreu novamente, mas o prazo da Comissão Processante expirou no início deste mês de julho, segundo o jurídico da Casa de Leis. “E estes prazos não podem ser prorrogados, conforme decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça)”, disse o advogado Hudson Barboza. Com isso, uma nova comissão deveria ser aberta e reiniciar o processo de cassação.
A reportagem de O Jacaré entrou em contato com o presidente da Câmara de Ribas do Rio Pardo, o vereador Tiago do Zico (PSDB), sobre a possibilidade de abertura de uma nova comissão. “Não tenho respostas concretas”, respondeu.
O autor da denúncia, Kleber Souza, diz acreditar que o processo de cassação não deve seguir adiante. “Os vereadores entraram no jogo dele. Acredito que cometeram erro formal no processo de propósito, mas o crime aconteceu. Espero que a justiça faça a parte dela”, conclui.
O Jacaré falou com João Alfredo Danieze (PSOL) sobre o processo de cassação, que se resumiu a dizer:
“Não cometi nenhuma irregularidade”. Também foi dada a oportunidade caso quisesse rebater as acusações e críticas feitas pelo ex-assessor e ex-coordenador de campanha. Na resposta, o prefeito atacou a reportagem e, em seguida, bloqueou nosso contato.
Desenvolvimento econômico
Enquanto a disputa política se desenrola, Ribas do Rio Pardo passa por um processo de transformação, com a instalação da maior fábrica de celulose de linha única de eucalipto do mundo, que deve receber investimento de R$ 14,7 bilhões e gerar 10 mil empregos diretos até 2024.
Além de transformar a “capital do boi”, o investimento da nova fábrica de celulose da Suzano deve causar aumento de 35% na população local, de 24.966, conforme o IBGE, para até 34 mil pessoas. A arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) deverá quadruplicar, de R$ 40 milhões para R$ 160 milhões.
A fábrica terá capacidade para produzir 2,3 milhões de toneladas de celulose por ano e, depois de pronta, terá pelo menos três mil operários trabalhando. O empreendimento vai quase dobrar o número de trabalhadores no município, de 4,6 mil para 7,6 mil, e a receita da prefeitura, de R$ 120 milhões para R$ 250 milhões por ano.