Richelieu de Carlo Pereira
Ribas do Rio Pardo já sente os efeitos do início da construção da maior fábrica de celulose de linha única de eucalipto do mundo, que deve receber investimento de R$ 14,7 bilhões e gerar 10 mil empregos diretos até 2024. O pacato município e seus 25 mil habitantes percebem que a rotina não é mais a mesma e os tempos de tranquilidade ficaram para trás. Trânsito, comércio e restaurantes, especulação imobiliária e construção civil movimentam a cidade em transformação. Tudo isso temperado com uma dose de instabilidade política.
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Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Ribas do Rio Pardo tinha em 2019 um salário médio mensal de 2,2 salários mínimos, com 18,9% das pessoas ocupadas em relação à população total. Para 34,6%, o rendimento mensal dos domicílios era de meio salário mínimo por pessoa, o que colocava a cidade na 45° posição entre as cidades de Mato Grosso do Sul, neste quesito.
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Nos próximos anos, este cenário deve mudar drasticamente. Além de transformar a “capital do boi”, o investimento da nova fábrica de celulose da Suzano deve causar aumento de 35% na população local, de 24.966, conforme o IBGE, para até 34 mil pessoas. A arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) deverá quadruplicar, de R$ 40 milhões para R$ 160 milhões.
A fábrica terá capacidade para produzir 2,3 milhões de toneladas de celulose por ano e, depois de pronta, terá pelo menos três mil operários trabalhando. O empreendimento vai quase dobrar o número de trabalhadores no município, de 4,6 mil para 7,6 mil, e a receita da prefeitura, de R$ 120 milhões para R$ 250 milhões por ano.
O prefeito de Ribas, João Alfredo Danieze (PSOL), afirma que o superávit significativo nas contas do município deve ocorrer somente após a operação da fábrica, a partir de meados de 2024. Em entrevista ao O Jacaré, ele diz: “Teremos, a partir de 2022, impactos menores, decorrentes dos impostos de serviços de terceirizados”.
O início da construção da fábrica, que começou com o serviço de terraplanagem, fez a economia local aquecer. “Aumentou o movimento no comércio e restaurantes. Houve um ‘boom’ na especulação imobiliária. Aluguéis de casa que eram de R$ 400 reais, hoje a pessoa quer alugar por R$ 1.500 e acaba alugando. A construção civil também ‘bombou’”, explica o jornalista Kleber Souza, dono do site Rio Pardo News.
“Você não acha uma porta desocupada hoje para alugar; você não acha um terreno baldio que não esteja sendo construído, reformado; os alojamentos enormes já praticamente em fase de término de construção. Falta mão-de-obra, desde o pedreiro a motorista, em todos os sentidos. A cidade está totalmente transformada. Se você vir para Ribas amanhã e tentar alugar uma casa, dificilmente ou praticamente impossível conseguir fazer isso”, complementa Kleber.
A oferta de empregos atrai pessoas de diversos lugares. “Já recebemos cerca de dois mil novos moradores, de várias regiões do País, além de outros países, como Colômbia, Venezuela, Cuba e Argentina”, relata o prefeito João Alfredo Danieze, que reconhece os impactos causados pelo aumento populacional no trânsito, mercado imobiliário e serviços. A maior preocupação, porém, é com a pandemia.
“As vacinas recebidas não são suficientes para essa realidade. Não tivemos, na mesma proporção, uma maior quantidade de vacinas. Ribas tem uma situação ímpar e deveria receber uma atenção melhor, podendo ter sido escolhida como uma cidade ‘piloto’, nos moldes de Bauru e Serrana, no Estado de São Paulo, onde a imunização deu-se para toda a população, com o monitoramento das autoridades sanitárias/epidemiológicas”, defende João Alfredo.
Apesar disso, o prefeito afirma que não houve “colapso” na Saúde e que o aumento da demanda não trouxe, ainda, um impacto neste setor. Outro não afetado foi a Educação. “Estamos na cor ‘vermelha’, na regra do Prosseguir. Vamos voltar às aulas presenciais, em meados de agosto. Esses trabalhadores – que chegaram sem suas famílias – não trouxeram impacto na educação”, diz Danieze.
Sobre o aumento na intensidade no trânsito de veículos e, consequentemente, no número de acidentes, o município aguarda uma equipe do Detran-MS para fazer um estudo técnico em toda a zona urbana e disciplinar o trânsito urbano, já que há uma resolução do Contran que exige esse estudo técnico e, em Ribas, não existe engenheiro de tráfego.
Outra preocupação é com a segurança pública. “Recebemos, recentemente, 3 novos policiais civis e estamos aguardando receber mais policiais militares, já que a população encontra-se insegura com a quantidade de novos moradores”, relata o prefeito.
O aumento na arrecadação de impostos deve ser utilizado em investimentos, de acordo com João Alfredo Danieze. “Teremos, a partir de 2022, impactos menores, decorrentes dos impostos de serviços de terceirizados. Esse aumento de arrecadação, da ordem de 30%, já tem uma destinação específica: a infraestrutura urbana, com pavimentação, mais escolas, equipamentos para a saúde e na assistência social”.
“Estamos fazendo de tudo para minimizar esses impactos, com forças-tarefas analisando o que ocorreu em outras cidades que receberam investimentos significativos e quais foram os erros e os acertos. Conhecer os erros para errar menos. Conhecer os acertos para acertar mais”, diz João Alfredo. “Porém, há certas situações que o município não tem como intervir como, por exemplo, o aumento dos aluguéis, eis que isso envolve a lei da oferta e da procura. O mercado é quem diz a regra”.
O município planeja triplicar o número de leitos no hospital municipal, de 25 para 100 vagas, e dobrar o número de postos de saúde, de seis para 12. A prefeitura também prevê construir mais oito escolas e quatro centros de educação infantil. A construção de 2 mil casas para atender a demanda também está na previsão
Ribas do Rio Pardo vai completar 80 anos em 2024, ano que deve ser inaugurada a fábrica, que vai deixar no passado o apelido de Ribas de “capital do boi”. Com extensão territorial de 17.315 quilômetros quadrados, o município chegou a ostentar o título de maior produtor de gado do Brasil. Nos últimos anos, a pecuária perdeu espaço para a soja e o eucalipto
Instabilidade política
Em meio ao desenvolvimento econômico, Ribas do Rio Pardo vive período conturbado em sua política. João Alfredo Danieze, único prefeito do PSOL em MS, corria o risco de ser cassado por improbidade administrativa. No entanto, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul negou recurso da Câmara de Vereadores e manteve a decisão que determinou a suspensão do processo de cassação.
A denúncia que poderia levar a perda de mandato de João Alfredo teve como base a contratação irregular que a ex-secretária de Saúde, Carolina Bergo Domingues, fez da clínica médica de que é dona, sem licitação, para prestar quatro meses de serviço por R$ 567 mil, dos quais mais de R$100 mil já teriam sido efetivamente pagos em março de 2021. Carolina deixou o cargo após o caso vir a público, em reportagem do site Rio Pardo News.
Em abril deste ano, com quatro meses de João Alfredo no comando da prefeitura, a Câmara de Vereadores acatou a denúncia e instaurou Comissão Processante para examinar possível prática de improbidade administrativa pelo prefeito.
No mês seguinte, a comissão decidiu arquivar a investigação contra João Alfredo. No entanto, ao ser submetida ao plenário, pelo placar de 6 a 5, os vereadores rejeitaram o arquivamento e decidiram manter a ofensiva contra o psolista.
A prefeitura recorreu ao Judiciário e a Vara Única de Ribas do Rio Pardo concedeu liminar para suspender a decisão do legislativo municipal. A Câmara recorreu contra a decisão e, no dia 29 de junho deste ano, a 1ª Câmara Cível do TJMS negou o recurso e manteve o arquivamento da Comissão Processante. O erro foi a não notificação do prefeito da votação do arquivamento em plenário.
“Continuo a desenvolver o meu trabalho regularmente e este fato não afeta e não vai afetar o desenvolvimento da cidade”, disse João Alfredo ao O Jacaré, questionado se a instabilidade política pode trazer prejuízos ao município. A reportagem tentou insistir no assunto, mas, contrariado, Danieze se limitou a dizer: “Não cometi nenhuma irregularidade”.
A Câmara de Vereadores recorreu novamente da suspensão da Comissão Processante.