A alta rentabilidade em esquema de propina no Detran (Departamento Estadual de Trânsito), que ganhou novas luzes na operação Motor de Lama, se revela no comparativo com a contabilidade oficial do órgão estadual.
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Em todo o ano de 2020, o órgão de trânsito, sabidamente um dos maiores arrecadados da administração estadual, investiu R$ 1,8 milhão para educar no trânsito, uma de suas principais atribuições.
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Mas, quando o assunto é propina, a engrenagem se mostra mais rápida: o corretor de gado José Ricardo Guitti Guímaro, o Polaco, recebeu repasse também no valor de R$ 1,8 milhão, mas em três meses.
O total de multa destinado para ações de educação no trânsito foi extraído do Portal da Transparência do Governo de MS. Ao todo, a arrecadação com multas chegou a R$ 23,4 milhões em 2020.
Já a rota da propina foi traçada a partir de planilhas apreendidas pela PF (Polícia Federal) e analisadas pela CGU (Controladoria-Geral da União) no curso da operação Lama Asfáltica.
Conforme a investigação, desde o governo de André Puccinelli (MDB), contrato milionário com a Ice Cartões Especiais Ltda banca propina. Primeiro, o operador era André Luiz Cance, então secretário adjunto da Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda).
Depois, quando o governo trocou de mãos, passando para Reinado Azambuja (PSDB), a investigação aponta Polaco como operador. O corretor de gado seria representante de Rodrigo Souza e Silva, filho de Azambuja, no esquema. Por meio da defesa, Rodrigo nega participação em ilícito.
O R$1,8 milhão foi repassado a Polaco pelo empresário Antônio César Cortez, dono das empresas de informática PSG Tecnologia e Mil Tec, que mantêm contratos milionários com o governo do Estado. A cifra foi depositada em 2016, entre os meses de fevereiro e maio.
Cortez já é réu na operação Lama Asfáltica, enquanto Polaco foi alvo da Vostok, que apura pagamento de propina pela JBS a Reinaldo. Cercado por denúncias, o contrato entre o Detran e a Ice Cartões segue vigente até 31 de março deste ano. Em 2020, a empresa recebeu R$ 19,5 milhões do órgão de trânsito para emissão de CNH (Carteira Nacional de Habilitação), captura e validação biométrica.
Já a PSG Tecnologia recebeu R$ 24,5 milhões do Detran no ano passado. Os valores foram verificados no Portal da Transparência do governo.
O Negócio – A operação Motor de Lama aponta que em 15 de maio de 2013 as empresas Ice e PSG celebraram sociedade em conta de participação, apenas dois dias após a assinatura do contrato 10/2013, que tinha como signatários a Ice e o Detran.
“Em vez de a empresa Ice Cartões buscar uma empresa para se consorciar, e assim aumentar suas chances no certame, preferiu, por sua vez, constituir uma sociedade em conta de participação com a PSG, assegurando a essa os lucros do negócio sem que seu nome tivesse qualquer menção na licitação ou na execução contratual”, informa a decisão judicial que autorizou a Motor de Lama.
De acordo com o Código Civil, nesta modalidade de sociedade, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo (no caso, a Ice), em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade.
Desta forma, todo o risco comercial e obrigações tributárias e contratuais recairiam sob a Ice Cartões, cabendo à PSG apenas o aporte de recursos financeiros e colher os lucros da sociedade.
“Muito embora seja livre e lícita a escolha das parcerias e sociedades mercantis entre pessoas físicas ou jurídicas com terceiros, soa estranho o fato da Ice Cartões ter se associado à PSG Tecnologia Aplicada Ltda, já que ela manteve contrato com o Detran/MS desde 2012 e já teria expertise para execução do mesmo objeto pactuado no contrato nº 10/2013/DETRAN, o que denota a possível influência ou pressão do grupo criminoso constituído por ANDRÉ CANCE, JOÃO BAIRD e ANTONIO CORTEZ para que o contrato fosse executado em ‘parceria’ com a PSG Tecnologia Aplicada”.